A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

terça-feira, abril 10, 2007



(Ainda) o maior português de todos os tempos (10)

A exumação do chefe
Opinião

José Alberto Quaresma, Professor e Jornalista

Salazar revolveu-se, abespinhado, no subsolo de Santa Comba Dão, quando soube da votação e da sua própria vitória esmagadora.

Exumado, à pressa, para o programa da RTP 1, Salazar foi ‘eleito’ o ‘Grande Português’. Este programa de televisão foi apenas o 16.º mais visto nesse dia. Foi clamorosamente batido por ‘A Bela e o Mestre’, à mesma hora na TVI, que empolgou mais de um milhão de portugueses. Bela, Maria Elisa, já o foi. Mestre de antanho, Salazar, ainda o será?

Fosse outro, e não Jaime Nogueira Pinto, o advogado de defesa de Salazar e a votação teria sido muito mais expressiva. Não compreendo por que razão a RTP se esqueceu de convidar Carneiro Pacheco, também antigo professor de Direito em Coimbra, mais abalizado para fazer o panegírico do Chefe. Sei que teria dificuldade em expressar-se diante das câmaras da televisão. Fossilizado, finara-se em 1957 quando a RTP dava os primeiros passos.

Nascido em 1887, Carneiro Pacheco foi ministro da Instrução e depois da Educação (1936-40). Remodelou as estruturas do ensino que perduraram até Veiga Simão. Estabeleceu o regime do livro único. Criou a incontornável disciplina de Organização Política e Administrativa da Nação. Instituiu o Crucifixo obrigatório nas escolas primárias. Concebeu a Mocidade Portuguesa e a Obra das Mães pela Educação Nacional, organizações inspiradas nas congéneres de Mussolini e de Hitler.

Carneiro Pacheco glorificou o seu amigo Salazar nas obras ‘A Formação da Mocidade e a Defesa da Pátria’ (1936) e ‘A Mocidade Portuguesa perante a Escola, a Família e a Nação’ (1939), preciosidades da ideologia fascista. Em ‘O Retrato do Chefe’ (1935), um discurso pronunciado na Covilhã na comemoração do terceiro aniversário da investidura de Salazar na presidência do Governo e editado num opúsculo distribuído profusamente, Pacheco exalta as “virtudes” do homem encarregue da “missão providencial” de salvar o povo dos males terrenos. “Chefe para mim quer dizer o guia espiritual do povo para as vitórias definitivas do seu destino”, dizia. Salazar, o “intérprete da História e da Justiça”, o “Educador que irá convencer os espíritos à Ordem Nova” tendo como suporte da missão doutrinadora o partido único, a União Nacional, e as suas “Brigadas Doutrinadoras”. Carneiro Pacheco só lamentava que “para poder meditar nos admiráveis discursos do Doutor Oliveira Salazar, não devia haver nenhum português analfabeto”. Em 1950, mais de 40% dos portugueses ainda não tinham este privilégio.

Os ministérios da Educação de Salazar bem souberam alindar a imagem do ditador. Mas, em democracia, o sistema educativo pouco se preocupou em informar objectivamente sobre a ideologia, as práticas políticas e culturais do Estado Novo e a impiedosa repressão das oposições. Nos programas de História, que raro se cumpriam, o século XX sempre foi atirado para o fim do ano lectivo. E o tema do Estado Novo sistematicamente esquecido ou tratado pela rama. Não admira, hoje, tão beatífico desconhecimento.

Salazar revolveu-se, abespinhado, no subsolo de Santa Comba Dão, quando soube da votação e da sua própria vitória esmagadora. Abominava tudo o que cheirasse a eleições ou a democracia parlamentar. Entre outros métodos mais enérgicos, mandava os zelosos milicianos da Legião Portuguesa boicotar, com garrafinhas de mau cheiro, os comícios da oposição.

Agora exumado, ainda a feder, se pudesse tranquilizava-o: “António, deixe lá isso, não se apoquente. Essa história dos ‘Grandes Portugueses’ já passou. A sua RTP estava só a brincar!”

in CORREIO DA MANHÃ - 2007.04.08

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