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| | I - Surge o Estado Proletário
«Os proletários da capital no meio dos desfalecimentos e das traições das classes governantes, compreenderam que para eles tinha chegado a hora de salvar a situação tomando em mãos a direcção dos negócios públicos...»
A 18 de Março de 1871 o Comité Central da Guarda Nacional proclama assim a Comuna de Paris, que é eleita a 26 e toma posse a 28 Março(1). Foi um acontecimento histórico sem precedentes – o poder, até aí nas mãos dos latifundiários e capitalistas passa para o proletariado e a pequena-burguesia que se colocara a seu lado.
A Revolução surge espontaneamente, provocada pela tentativa de desarmar o povo de Paris (cercada por tropas do Império Alemão) encetada pelo próprio governo burguês de França, fruto da crise despoletada pela derrota militar de Napoleão III frente ao Império Alemão, da incapacidade das classes dominantes francesas, da desesperada situação social do proletariado e da pequena-burguesia.
A Comuna de Paris, o primeiro Estado Proletário da História, viveu os seus 74 dias cercada, forçada a dedicar as suas maiores energias às tarefas de defesa militar, enfrentando toda a reacção nacional e internacional. Os seus erros, fruto de uma direcção política confusa e determinada pelo blanquismo e o proudhonismo, tornaram mais difícil a pioneira e extraordinária tarefa a que se propusera.
Mas nos 74 dias em que a bandeira do proletariado internacional ondulou sobre Paris, a força criativa das massas criou um Governo autenticamente democrático, proletário: substituiu o exército pelo armamento de todo o povo; proclamou a separação da Igreja e do Estado; estabeleceu que a remuneração dos funcionários da administração e do Governo não fosse superior ao do operário médio; atribuiu um carácter laico à educação pública; aboliu o sistema de multas sobre os trabalhadores; entregou aos trabalhadores as fábricas abandonadas ou paralisadas pelos proprietários; reconheceu os direitos das mulheres e dos estrangeiros.
Em Maio de 1871 a burguesia francesa, apoiada pelo Império Alemão, esmagava pelas armas a Comuna. A extrema repressão faria Paris perder 100.000 dos seus filhos. Encharcado no sangue do seu próprio povo, Thiers(2) apressou-se a afirmar: «Agora e para sempre, o comunismo morreu!».
II - Da Comuna aos Sovietes
Em 1871 não existiam condições para uma Revolução Social triunfante – nem no plano do desenvolvimento das forças produtivas, nem no plano do próprio proletariado, a quem faltava organização e maturidade política. Foi o «Assalto ao Céu» como apontou Marx.
Mas a Comuna de Paris, fruto da iniciativa histórica das massas, foi «um passo prático bem mais importante do que centenas de programas e raciocínios» (Lénine). Ela simultaneamente permitiu enriquecer o socialismo científico e espelhou as contradições e insuficiências das doutrinas socialistas então dominantes na França – o blanquismo e o proudhonismo. Ela espelhou ainda o carácter de classe da burguesia e das suas guerras. A Comuna ensinou o proletariado a pôr de uma forma concreta as tarefas da revolução socialista – e a superar as insuficiências com que se deparara em 1871.
Na sequência da Comuna uma intensa repressão, à escala europeia, abate-se sobre o movimento operário e a Internacional. Mas, em poucos anos, o movimento operário supera as dificuldades e avança, mais forte que nunca antes, e o final do século XIX é marcado pelo surgimento de poderosos partidos operários, pela criação da II Internacional, bem como pela sua afirmação e do Marxismo.
Apenas 34 anos depois da Comuna, a mesma criatividade das massas faria surgir, com a Revolução Russa de 1905, os Sovietes de deputados operários. Que em Fevereiro de 1917 desempenharão o papel determinante na Revolução que acabará com a Monarquia dos Romanov.
E é Lénine, que sempre sublinhou a importância dos ensinamentos retirados da Comuna de Paris por Marx e Engels, que em Abril de 1917 sublinhará: «Este poder [os Sovietes de deputados operários e soldados] é do mesmo tipo que o da Comuna de Paris de 1871, tipo cujas principais características são: 1) a origem do poder não está numa lei, previamente discutida e aprovada pelo Parlamento, mas na iniciativa das massas populares, iniciativa directa, local, vinda de baixo, (...); 2) a polícia e o exército, instituições separadas do povo e opostas ao povo, são substituídos pelo armamento directo de todo o povo; (...); 3) o corpo de funcionários, a burocracia, é também substituído pelo poder directo do povo, ou, pelo menos, colocado sobre um controlo especial; (...)»; e em Setembro de 1917, no Estado e a Revolução, aponta o caminho: «...pelo derrubamento da burguesia, pela destruição do parlamentarismo burguês, por uma república democrática do tipo da Comuna ou por uma república dos Sovietes de deputados operários e soldados, pela ditadura revolucionária do proletariado».
E em Outubro, os Sovietes, com o Partido Comunista, resolverão a favor do proletariado a dualidade de poderes surgida com a Revolução de Fevereiro, na Grande Revolução Socialista de Outubro. No mais vasto país da Terra implantava-se «um Estado do tipo da Comuna», o Estado Socialista Soviético.
A Revolução Socialista Soviética, durante perto de 70 anos, derrotará todas as agressões da burguesia internacional e encontrará energias revolucionárias para superar todos os imensos obstáculos que se encontram no caminho da emancipação humana, e para sobreviver aos seus próprios erros.
Quando, no final do século passado, a Revolução Socialista foi derrotada na URSS, a burguesia internacional apressou-se a seguir o exemplo de Thiers: «A História acabou!». A confusão apoderou-se de muitos movimentos e partidos. Nas novas e mais difíceis condições de luta, muitos – que não todos, sublinhe-se e valorize-se – abraçaram o caminho da conciliação de classes, da subjugação ao imperialismo, foram derrotados.
Não foi o caso do PCP, e de milhões de comunistas pelo mundo inteiro. E hoje, menos de duas décadas sobre a derrota na URSS, o proletariado e os povos do mundo já estilhaçaram qualquer teoria do fim da história. E no horizonte de cada e de todos os povos impõe-se de novo o Estado Proletário e o Socialismo, que será determinado no concreto das Revoluções que o conquistem, mas cuja essência foi rasgada em Paris e concretizada com os Sovietes.
III – A Comuna não morreu!
Já a 30 Maio de 1871, Marx, na Guerra Civil em França, sublinhava: «Onde quer que seja, sob que forma e sob que condições for que a luta de classes ganhe qualquer consistência, só é natural que membros da [Internacional] estejam na primeira linha. O solo a partir do qual ela cresce é a própria sociedade moderna. Ela não pode ser esmagada pela maior das carnificinas. Para a esmagarem, os governos teriam de esmagar o despotismo do capital sobre o trabalho – a condição da própria existência parasitária que é a deles.»
«A Paris operária com a sua Comuna será sempre celebrada como o arauto glorioso de uma nova sociedade.»
Hoje, no príncípio do Século XXI, ainda tão marcado pelas consequências da derrota na URSS, amadurecem também as condições para um novo salto histórico. Amadurecem, essencialmente, ainda, na resistência à ofensiva do imperialismo contra os trabalhadores e os povos. Mas amadurecem.
O estudo crítico e a valorização da Revolução Socialista Soviética e do papel do movimento comunista internacional nos últimos 90 anos – por todos os revolucionários – é parte desse processo de amadurecimento. Assim, e só assim, até as derrotas contribuem para fortalecer o movimento revolucionário, como aprendemos com a derrota de 1871. Um movimento revolucionário que assenta os pés firmemente na terra, mas aponta sempre para o futuro, para novos saltos, para novos avanços.
IV – À conquista da Terra
Desde 1917 que o assalto do proletariado se faz à Terra e não mais ao céu. A Humanidade entrou na época da transição – violenta, complexa, longa – do capitalismo para o socialismo. Violenta, complexa e longa não por qualquer vontade do «novo», mas porque o «velho», confirmando a sua prática genocida em Paris, não hesita perante os mais odiosos crimes para sobreviver, e pratica-os com a força imensa de que dispõe.
E a cada novo assalto, enraizamos mais fundo a Bandeira Vermelha que o proletariado de Paris defendeu há 136 anos até à última gota de sangue. Sangue que, incrustado nas balas dos exploradores – no muro dos Federados, no Cemitério do Pére-Lachaise, em Paris, onde foram chacinados os últimos combatentes da Comuna – ainda hoje repete o grito imortal de revolta e de esperança que nenhuma bala calou, e que mesmo o passar dos anos não fez mais que amplificar: VIVE LA COMMUNE! ____________________________
(1) «A Comuna foi formada por conselheiros municipais, eleitos por sufrágio universal nos vários bairros da capital, responsáveis e revogáveis em qualquer momento. A maioria dos seus membros era naturalmente operários ou representantes reconhecidos da classe operária.» Marx, Guerra Civil em França
(2) Chefe da burguesia francesa
in AVANTE 2007.04.12
Quadro - Il quarto stato (1901), óleo sobre tela, 293x545 cm, Milano, Civica Galleria d'Arte | |
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