A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

sábado, abril 07, 2007


Teletrabalho: Uma via para liberdade ou caminho para a exploração?

* Victor Nogueira
Sociedade da informação. Livros verdes e brancos, desemprego, crise energética, aumento da poluição, competividade entre as economias dos EUA, da Europa (CE) e do Japão (quem vencerá quem?), tal é o caldo que leva à procura doutras formas de organização do trabalho, para além de novos serviços para os consumidores nas áreas da informação, cultura, lazer e acesso a bases de dados.

Assim fala-se actualmente e cada vez mais de uma nova forma (supostamente mais flexível, mais produtiva, mais cómoda) de organizar o trabalho: o teletrabalho, apresentada de forma sedutora, quer em termos sociais, quer em termos pessoais: redução do tráfego rodoviário, dos gastos de combustível e da poluição, diminuição do stress causado pelos engarrafamentos e duração das deslocações pendulares casa/emprego, organização pessoal do tempo de trabalho de acordo com os ritmos biológicos e as necessidades individuais de apoio e convivência familiares, tudo isto com aumento da produtividade, para além da possibilidade de fixação das populações às zonas rurais e desenvolvimento destas bem como a possibilidade de inserção social pelo trabalho de domésticas e de pessoas idosas ou com deficiência. Para as empresas as vantagens resultariam principalmente em ganhos de produtividade e de competitividade e na compressão de despesas com as instalações (mobiliário, aluguer ou aquisição, manutenção e limpeza, consumo de energia), pessoal de enquadramento e de supervisão, transportes, maior facilidade de recrutamento de pessoal em regiões afastadas ou mesmo noutros países.

Mas afinal, o que é o teletrabalho? Fala-se de teletrabalho quando tecnologias de informação e comunicação são utilizadas de modo a permitir realizar trabalho a uma determinada distância do local onde tradicionalmente essa tarefa seria executada. Não se confunde com trabalho ao domicílio, pois implica a utilização de computadores e de outros instrumentos portáteis, estabelecendo-se as comunicações por via telefónica ou por redes informáticas, com realce para uso de fax, correio electrónico, telemóvel, etc. O teletrabalho pode ser executado no domicílio, em viagem ou em telecentros e telecottages, isto é, em locais urbanos ou rurais para onde se deslocam os teletrabalhadores.

Trata-se dum conceito relativamente recente (data de 1987), utilizado sobretudo pelas empresas transnacionais mas também pela Administração Pública de alguns países. Apesar da ausência de estatísticas fiáveis, admite-se que em Portugal abranja cerca de cem mil trabalhadores e que dentro de 30 anos haja neste país cerca de 1 milhão de trabalhadores neste regime, com um importante peso na população activa e uma força emergente importante no mundo do trabalho.

Com o teletrabalho o trabalho perde a sua referência a um local fixo e determinado. É, provavelmente, a mais radical transformação do processo de trabalho. Numa sociedade deste tipo o centro da vida económica e social já não residiria na produção (de bens materiais), mas na informação. A informação, sendo o recurso que está na base da produtividade e do crescimento económico, acabaria por substituir o trabalho como fonte de valor. Quem tem a informação tem o poder, afirmam os seus teóricos, pretendendo assim substituir o princípio de que quem tem o controle dos meios de produção e da actividade económica tem o Poder.

Considerando o exposto, não é de estranhar que os sectores pioneiros e mais aptos para o teletrabalho se situem em domínios como a banca, os seguros, as telecomunicações, a concepção de software , a publicidade, a arquitectura, o jornalismo, o marketing , a contabilidade ou a tradução

A quem se aplica esta forma de trabalho? O teletrabalho pode ser feito em regime "free-lance" ou com contrato individual de trabalho, envolvendo profissionais de áreas como o jornalismo, a tradução, a edição, a consultoria, entre outros, abrangendo por um lado pessoal altamente qualificado (gestores, quadros, técnicos, vendedores, etc.), por outro lado trabalhadores em geral pouco qualificados, da área do secretariado (dactilografia, televendas, telesecretariado, tarefas administrativas, etc.). Entre estes dois extremos outras áreas podem ser abrangidas, como as que englobam pessoal com funções de supervisão, inspecção, manutenção, assistência técnica e, sobretudo, vendedores que deste modo podem agora desenvolver continuamente a sua actividade, a partir das instalações do cliente, dos fornecedores ou em trânsito, evitando as deslocações periódicas à empresa para instruções, notas de encomenda, facturação, etc. O resultado traduz-se num aumento de produtividade e de rapidez ou qualidade do serviço prestado. Mas outras tarefas podem ser também abrangidas, como as de programação e análise de sistemas, dactilografia, fotocomposição, impressão, construção de bancos de dados, elaboração de catálogos, para citar alguns dos casos mais correntes, que são feitas em países como a Índia, a China, as Filipinas, a Jamaica, a Malásia, etc., em que os custos são muito inferiores e a mão-de-obra é tão qualificada como a ocidental.

O lado negro da moeda

Mas como toda a realidade, também o teletrabalho tem aspectos negativos. Assim, para os trabalhadores são de citar a sua perda de identificação com o local de trabalho, isolamento e stress (podendo levar à depressão), dificuldade em organizar o tempo de trabalho e o espaço doméstico e resistir a solicitações externas ou familiares ou manter uma rotina, isolamento social (quando o trabalho é feito em casa a tempo inteiro), redução dos contactos com os colegas de trabalho e desenvolvimento da precaridade de emprego, déficit de protecção jurídica por omissão ou inadequação da legislação, possibilidade de condições de emprego menos favoráveis em termos de regalias socio-económicas, degradação da vida familiar, devida à intromissão do trabalho no lar, apagamento da diferenciação entre trabalho e lazer, maiores possibilidades de conflitos familiares no alojamento (quando o teletrabalho aí é feito), maior dificuldade de defesa dos seus interesses laborais e profissionais, (o contrato de trabalho tende a ser individual, dificultando ou impedindo as reivindicações colectivas), parcelarização do trabalho, aumento do trabalho a tempo parcial, controle invisível e omnipresente pelo computador central, menos oportunidades de promoção. Também em relação ao pessoal menos qualificado verifica-se que a maior parte destes trabalhadores são mulheres, não têm grande segurança de emprego, são muitas vezes remunerados em função da sua produtividade, ganham geralmente menos que os seus colegas não teletrabalhadores.

Em termos sociais o teletrabalho tem conduzido a efeitos negativos na integração social do trabalhador na comunidade (de trabalho e residencial; vulnerabilidade crescente face ao teletrabalho "off-shore" (com as possíveis consequências em termos de desemprego); ao desaparecimento das formas colectivas de trabalho e dispersão da mão de obra; exploração de trabalhadores em situação mais vulnerável (mulheres, crianças, pessoas com deficiência, membros de minorias étnicas, etc.); aumento da polarização entre uma elite de trabalhadores bem pagos e com posição estável (masculinos, brancos, altamente qualificados e sem deficiências) e uma maioria de trabalhadores mal pagos e com posição instável (mulheres, membros de minorias étnicas ou outras); erosão das estruturas tradicionais de educação e formação profissional; transferência, para as zonas menos desenvolvidas, apenas dos empregos pouco qualificados e mal pagos, agravando assim as assimetrias regionais.

Note-se também que a realidade tem mostrado que as tecnologias da informação e da comunicação são mais factor de intensificação do ritmo de trabalho do que de enriquecimento profissional. Se o trabalho não é forçosamente menos qualificado, pois na maioria dos casos reclama conhecimentos variados para dominar os novos instrumentos e uma maior capacidade de iniciativa para enfrentar o fluxo de informações para tratar. O tempo libertado pela automatização de certas tarefas e ao trabalho em rede é literalmente absorvido pelas imposições cada vez mais fortes. Os assalariados sofrem o impacto de duas lógicas incompatíveis: o apelo à responsabilização e a submissão aos controles. Têm de resolver os problemas com que se deparam e fazer diagnósticos de base, permanecendo submetidos à pressão temporal. As duas lógicas estão inscritas no trabalho e cabe aos trabalhadores lidar com essa contradição, caso contrário tornam-se impregáveis, antecâmara do desemprego. Constata-se também que a avalanche de informação que é preciso seleccionar e tratar leva muitas vezes à paralisação da capacidade de decisão do teletrabalhador.

Compartilham-se dados mas não saberes. A empresa funciona cada vez mais em círculos concêntricos: o restrito núcleo central, hiperqualificado e com altas regalias sociais, seguindo-se os trabalhadores com qualificações julgadas necessárias (trabalho imposto, salário decente mas sem regalias); na periferia estão os trabalhadores descartáveis, (com horários flexíveis, pequenos salários e contratos a prazo)

Por outro lado o teletrabalho tem entraves lógicos: apesar da incorporação crescente de informação e conhecimento nos bens produzidos, que poderia representar cerca de 70% do seu valor, o certo é que o trabalho à distância não pode invadir a criação corpórea do produto industrial: a montagem, a embalagem, o transporte de mercadorias pressupõem, em larguíssima medida, a manipulação directa ou a presença física do trabalhador.

A evolução até agora verificada mostra que de facto e para largas camadas da população a maior parte dos trabalhadores parece trabalhar mais que antes, tornando um mito a anunciada "sociedade do lazer"; as fábricas totalmente robotizadas e automatizadas são ainda uma ficção; o "escritório sem papel" permanece uma utopia (o consumo de papel não parou de aumentar, de forma exponencial, nos últimos anos, com o computador, o fax, a fotocopiadora, etc.); os correios tradicionais continuam a ser empresas florescentes e em expansão; apesar dos cartões e dos sistemas do tipo multibanco, os Bancos continuam a ter grande parte da actividade centrada no papel (e no papel-moeda); todas as previsões sobre as escolas (com a propagada "revolução na sala de aula") e o "tele-ensino" falharam.

Outro motivo de falhanço ou não implementação mais geral do teletrabalho reside no próprio patronato, que tem dificuldade em estabelecer objectivos independentemente do cumprimento de horários e da presença física, na resistência em substituir o controle da presença e a disponibilidade imediata do trabalhador no local de trabalho por uma avaliação em termos de cumprimento de objectivos, resultados ou tarefas); aumento de custos em equipamentos extra, energia e telecomunicações; destruição da unidade da empresa e do colectivo de trabalho; aumento dos custos de formação do trabalhador.

Sindicalismo e teletrabalho

Referiram-se atrás aspectos característicos da execução de tarefas em regime de teletrabalho, cujos aspectos negativos são reforçados pela ausência de legislação e regulamentação específicas a nível europeu, o que torna mais necessária a actuação sindical na definição das condições de trabalho. O distanciamento e o “isolamento” dos teletrabalhadores dificulta o aparecimento de sindicatos deste grupo específico de trabalhadores. Existe uma tendência para a exploração com atribuição de baixos salários e reconhecimento de menores direitos.

Verifica-se que longo do tempo as posições sindicais face ao teletrabalho nos países capitalistas desenvolvidos tem variado, também em função dos ramos de actividade que representam, como por exemplo, no Reino Unido, nos anos 70 e 80 do século passado, Uns, sobretudo na área das telecomunicações, consideram-no como um modo de a flexibilidade e autonomia do trabalhador, desenvolvendo as competências profissionais e melhorar as condições de vida dos trabalhadores. Outros (sindicatos dos "colarinhos-brancos") vêm o teletrabalho como uma realidade inevitável mas, ao mesmo tempo, problemática. Para estes sindicatos o teletrabalho pode ser positivo, se se conseguirem evitar os potenciais problemas que a ele podem estar associados (isolamento, exploração, etc.) e forem garantidas, aos teletrabalhadores, todas as regalias comuns aos outros trabalhadores. Para um terceiro grupo (sindicatos predominantemente do sector das indústrias da impressão e radiodifusão) o teletrabalho é considerado como oposto aos interesses dos seus membros e do próprio sindicato, assinalando em relação ao mesmo as seguintes desvantagens: em relação aos trabalhadores - o potencial isolamento social, os problemas psicológicos de motivação, o potencial perigo de pôr um "espião" (electrónico) em casa, o aumento dos custos domésticos, os problemas derivados do cuidar dos filhos, etc.; em relação ao sindicato – dificuldades no recrutamento de filiados, problemas de organização colectiva (reuniões no local de trabalho, comunicação entre o sindicato e os trabalhadores, etc.).

Nos anos 80, em países como os EUA, Dinamarca e RFA, tal como no Reino Unido, o teletrabalho é encarado como um retrocesso ao trabalho doméstico do século XIX, mal pago, precário, pouco qualificado, sem regalias sociais e, como tal, reforçando o trabalho a tempo parcial e o isolamento social dos trabalhadores, contrariando ao mesmo tempo a possibilidade de estes se organizarem na defesa dos seus interesses.

Como vimos, o teletrabalho presta-se a uma fragilização do estatuto jurídico-laboral do trabalhador, desde logo porque é muito frequente a sua associação com o tempo parcial e com a contratação a termo. Por seu turno, é na vertente colectiva que se sensibiliza a contradição entre os direitos dos teletrabalhadores e as concretas condições da sua actividade. Ninguém ousará duvidar que ao teletrabalhador é reconhecido o direito de greve, mas poucos julgarão plausível ser o seu exercício frequente. De facto, o teletrabalho constitui mais um desafio para a organização colectiva. Dispersos e isolados, os teletrabalhadores dificilmente criam os laços de afinidade e a comunhão de interesses que une o sindicato e desencadeia a acção colectiva. Daí que a estratégia sindical se comece a mover também em direcção à chamada sociabilidade informática, ou seja, à comunicação através da via electrónica. Alguns sindicatos possuem já ligações telemáticas destinadas à informação e à participação virtual dos associados na vida da organização.

Em consequência há sindicatos que defendem o teletrabalho como escolha voluntária, com estatuto semelhante ao dos restantes trabalhadores e a atribuição de compensações para os custos adicionais. Um sindicato inglês (MSF – Manufacturing Science and Finance) elaborou uma série de princípios para o teletrabalho:

Os teletrabalhadores devem estar vinculados a uma empresa e não estabelecidos como trabalhadores independentes; para evitar o isolamento, os contratos devem exigir reuniões periódicas.nos escritórios; deve existir em casa uma dependência separada onde é realizado o trabalho; o empregador deve providenciar o estabelecimento de contactos entre teletrabalhadores; o teletrabalhador deve reunir-se semanalmente com o seu supervisor; os teletrabalhadores devem usufruir das mesma taxas de pagamento e benefícios que os outros trabalhadores; o empregador deve fornecer o equipamento e manutenção necessárias; os teletrabalhadores devem ter acesso a representação pelo sindicato, cujos representantes devem poder visitá-los; o teletrabalho deve ser voluntário com a opção de voltar a trabalhar no escritório.

Sendo crescente a utilização do teletrabalho, a verdade é que este, inserido na chamada sociedade da informação, não resolveu os problemas que os seus teóricos afirmavam ficarem ultrapassados. Com efeito, o crescimento económico estagna, o desemprego não pára de aumentar (mesmo em países super-desenvolvidos, como o Japão e a Alemanha), assiste-se à falência do "Estado Social", cresce a despesa pública, etc.).

Por outro lado o teletrabalho "off-shore" mostra que o conceito de teletrabalho encerra uma ambiguidade fundamental. Promovido, pelos países desenvolvidos (nomeadamente europeus), como uma forma de trabalho flexível e inovadora, possibilitando a criação de emprego e aumentando a produtividade, ele pode vir a tornar-se gerador de desemprego (criando empregos, sim, mas nos países do 3º mundo, com salários mais baixos e menor protecção social)

O que não deverá impedir mas sim reforçar a preocupação das organizações sindicais pela organização, representação e defesa dos teletrabalhadores, sem esquecer as preocupações internacionalistas numa época em que cada vez mais as pessoas não são o princípio e o fim das sociedades e em que a política está subordinada aos interesses das transnacionais e do capital.

Texto que serviu de base a um artigo publicado no JORNAL DO STAL nº 61 (2001 Abril)

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