Vidas (4)
A Bela e o MonstroFalta falar do enxovalho (que não foi meu). Bem, eu conto. Hoje antes do almoço tive de telefonar (...) por causa de informações sobre o pretendido emprego na CP. Pois as pessoas que pretendiam telefonar eram mais que muitas na tabacaria do cimo da Rua [do Raimundo]. As cabines estavam todas ocupadas e alguns dos "aguardantes" impacientes e apressados. Eis senão quando ... Bem, mas ainda um esclarecimento. Um dos ocupantes duma das cabines era uma tal Bia, prostituta cá da praça. É gorda como um batoque e, para a minha vista, simplesmente asquerosa. ([1]) Ora a Bia, quando eu entrei, esperava vez e, entretanto, chegado o momento, ocupava uma das cabines. Cinco pessoas a falarem, outras tantas cabines ocupadas. Eis senão quando a dona do posto abre a cabine nº 1, com a maior sem cerimónia, e diz‑lhe: "Vamos a sair depressa que há mais gente à espera." Ó céus, o que foste fazer! A mulherzinha, com toda a razão, diga‑se de passagem, disparatou - Que ela também tinha esperado e que os outros fizessem o mesmo. Muito cordatamente, como devem imaginar, a dona retorquiu‑lhe "Vamos lá a fazer pouco barulho e a despachar", o que provocou nova onda de regateirice da outra (de resto estavam uma para a outra, só que a dona não tinha razão!). Enfim .. a Bia julgava‑se na praça, a vender peixe e vai daí a dona diz‑lhe que ela até fazia bem se não pusesse ali os pés para telefonar. O que tu foste dizer! Completamente entornado o caldo, a Bia respondeu que aquilo é um posto público, que podia telefonar o tempo que quisesse e que agora é que continuava; que chamassem a polícia se quisesse! A dona não teve outro remédio senão ir tomar ares para a porta, enquanto as empregadas conciliabulavam entre si e os clientes brilhavam pelo silêncio. Quando me vim embora, o "namoro" ao telefone continuava. A afirmação dos seus direitos não lhe deve ter ficado cara e talvez para a próxima a "burguesa" de cabelos brancos e pretensões (a não sei bem quê) pense duas vezes antes de estalar‑lhe o verniz. (MCG - 1973.01.10)
[1] - Em Évora, nesta altura, a prostituição estava acantonada na Rua do Terrique, que entroncava na Rua da Alagoa ou Cândido dos Reis. Quando se passava nesta, viam-se os homens naquela, com ar mais ou menos comprometido, em fila, à espera de vez para fazerem o serviço, defronte a várias portas dos prostíbulos.
Victor Nogueira in RETRATOS
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