* António Ribeiro Ferreira,
Jornalista
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Uma tragédia em estradas espanholas, que mata uma família minhota de emigrantes, é assunto que a elite nem quer saber que aconteceu.
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A classe política e as chamadas elites económicas, culturais e sociais deste sítio cada vez mais mal frequentado gostam imenso de falar em realidade e no sítio real. Até conseguem fazer excelentes análises, estudos imensos que adoram ver publicados em certa imprensa, mas torcem o nariz e desviam os olhos sempre que são confrontados com os factos da vidinha de todos os dias dos cidadãos que nasceram por aqui, por cá ficaram e não tiveram a ousadia ou a sorte de dar o salto para outras paragens.
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Uma tragédia em estradas espanholas, que mata uma família minhota de emigrantes, é matéria que essa tal elite nem quer saber que aconteceu. Os assaltos cada vez mais violentos, os assassínios, as tragédias do quotidiano de milhares de pessoas são assuntos olhados com desdém. E quem os desenvolve e publica é por essa gente considerado sensacionalista, oportunista, sem nível para conviver e discutir assuntos profundos em fóruns fechados, herméticos, em que tantas vezes nem os próprios entendem exactamente o que ali estão a fazer e o que é que realmente se está verdadeiramente a discutir. Mas que fica bem nessa tal sociedade, isso fica. Até pode fazer parte de interessantes currículos académicos que em certas ocasiões rendem uns bons dinheiros a quem os possui.
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É esta classe e esta elite rasca que de quando em vez entende, sabe-se lá porquê, que é bem, é interessante, é de referência abordar até à exaustão assuntos e notícias que por norma não fazem parte das suas leituras e que funcionam como fronteira entre os cultos, os civilizados e a gentalha que adora crime, sangue e sexo.O rapto, o sequestro, o desaparecimento ou a morte da pequena Maddie insere-se nesta categoria de acontecimentos que merecem a atenção dos políticos e dessa elite que funciona em condomínio privado para não ter contactos desagradáveis e penosos com o resto da população. Mas se a pequena Maddie não fosse inglesa, filha de pais médicos e não tivesse desaparecido algures no Algarve a história seria bem diferente. Se fosse uma miúda do Minho, filha de gente simples e lhe tivesse acontecido a mesma desgraça, ai de quem desse duas páginas diárias de um jornal, abrisse telejornais ou noticiários de rádio. A elite enjoava, tecia um conjunto de críticas violentas, desenvolvia teses científicas sobre o jornalismo e a propriedade dos media e até podia fazer queixa aos novos censores da Entidade Reguladora da Comunicação Social tutelados pelo poder socialista do senhor presidente do Conselho, José Sócrates.
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Pobre classe política, pobres elites que vivem fechadas da realidade e do sítio em condomínios rascas, muito mal frequentados e cheios de hipocrisia.
.in Correio da Manhã 2007.08.13
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» Comentários no CM on line
Terça-feira, 14 Agosto
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- Filipa A sua honestidade e frontalidade é de louvar !! Muitos parabéns !! Excelente artigo !!
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Segunda-feira, 13 Agosto
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- Leandro Coutinho Parabéns.. Excelente artigo.. Em duas linhas e pegando num caso real, o articulista consegue fazer "análise".. (como dizem os analisados).. Os que falam em "coesão social" não pestanejam um segundo com a notícia de uma tragédia destas. Mais depressa se deleitam em conversas com notícias sobre a morte de um "conde" austríaco ou a intriga do assassinato do marido por mando de mulher dondoca..
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