* Anselmo Dias
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As migrações estão indelevelmente associadas à marcha da Humanidade. Sem elas, ainda hoje a Humanidade não só estaria circunscrita às regiões dos grandes lagos, no continente africano, como, eventualmente, seria diferente. As migrações, começando por constituir um direito natural num período em que não havia nem estados, nem nações, nem propriedade privada, constituem, hoje, um direito de cidadania, nos termos do Artigo 13.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que, expressamente, refere: «Toda a pessoa tem o direito de livremente circular e escolher a sua residência no interior de um Estado.» No nº. 2 do mesmo artigo é referido que: «Toda a pessoa tem o direito de abandonar o país em que se encontra, incluindo o seu, e o direito de regressar ao seu país».
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As migrações estão indelevelmente associadas à marcha da Humanidade. Sem elas, ainda hoje a Humanidade não só estaria circunscrita às regiões dos grandes lagos, no continente africano, como, eventualmente, seria diferente. As migrações, começando por constituir um direito natural num período em que não havia nem estados, nem nações, nem propriedade privada, constituem, hoje, um direito de cidadania, nos termos do Artigo 13.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que, expressamente, refere: «Toda a pessoa tem o direito de livremente circular e escolher a sua residência no interior de um Estado.» No nº. 2 do mesmo artigo é referido que: «Toda a pessoa tem o direito de abandonar o país em que se encontra, incluindo o seu, e o direito de regressar ao seu país».
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Esse direito está, nos dias que correm, contudo balizado entre o «débito» e o «crédito» da contabilidade capitalista e envolvido numa contradição entre uma ideologia ligada à aversão pelos estrangeiros oriundos dos países pobres e à necessidade de um exército de mão-de-obra disponível, dócil, pouco reivindicativa, não sindicalizada e barata ao serviço da acumulação capitalista.Esta contradição, caso não haja uma alteração no sistema dominante, está para «dar e durar» na medida em que está associada a uma das componentes da globalização.
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É sabido que um dos vectores da globalização potencia a transferência da produção de produtos com pouca ou reduzida incorporação de ciência e tecnologia para os países pobres, onde são produzidos milhões e milhões de objectos a preços de custo reduzidos mas cuja venda maciça pelas grandes empresas origina, quer vultuosos lucros, quer um acrescido poder político sobre os respectivos governos. (Há empresas com um volume de negócios superior ao PIB português. Por exemplo, a Wal-Mart, ligada ao comércio a retalho, nos EUA, superava, em finais da década de 90, o nosso PIB em cerca de 22%. No mesmo período havia 10 multinacionais com uma facturação superior ao nosso produto interno bruto).
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A deslocalização da produção de artigos de reduzida incorporação de tecnologia faz com que as relações de troca sejam imensamente favoráveis aos países ricos na medida em que importam milhões de objectos a preços reduzidos e exportam os seus produtos a preços elevados.
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Esta transferência de produção está, contudo, em evolução. À medida em que evolui a ciência e a tecnologia assistimos, simetricamente, à deslocalização da produção de artigos mais sofisticados como seja a produção de peças para a indústria automóvel cujas empresas, numa espécie de jogo de lego, se limitam a juntá-las, baptizando-as com uma marca como se o objecto tivesse sido construído, unicamente, num qualquer sítio do Japão ou dos EUA. É caso para dizer que, se um automóvel falasse, ele expressar-se-ia em esperanto acrescido de algumas expressões asiáticas.A par desta política o capitalismo aplica a globalização numa outra vertente.
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Aceita (ora aberta, ora limitada, ora sinuosa, mas sempre hipocritamente) a imigração para os seus próprios países fazendo algo similar quanto à deslocalização da produção. A imigração é, pois, o outro lado da globalização, embora com uma génese diferente. Importa referir que as migrações dependem das pessoas, enquanto a deslocalização das empresas depende do capital
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Contudo, destas decisões com origens diferentes resultam efeitos similares. Em que medida?
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Na medida em que aos imigrantes são destinadas as tarefas mais simples e mais mal pagas no mercado do trabalho no país de acolhimento, da mesma forma que a deslocalização da produção se radica nos produtos com uma elevada incorporação de mão-de-obra intensiva e mal paga.
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Para se perceber do que estamos a falar basta ver o que se passa nas grandes superfícies comerciais, nas culturas intensivas dos países desenvolvidos, nos hotéis, nas grandes obras de construção civil, nos aeroportos e, sobretudo, no dia-a-dia das grandes e pequenas cidades do continente europeu. Analisemos a hierarquização das funções laborais e concluiremos que as tarefas mais modestas (limpeza, serventes da construção civil e obras públicas, vendedores, serviço de restauração e de quartos na hotelaria, bagageiros, auxiliares nos asilos e hospitais, segurança e serviços similares) são da competência dos trabalhadores oriundos de África, América do Sul, Ásia e dos países mais pobres da Europa, como é o caso de Portugal. As funções mais qualificadas, essas são pertença dos naturais dos países de acolhimento, salvo excepções muito residuais.
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A imigração, enquanto realidade no próprio país de acolhimento, corresponde, insistimos, à mesma realidade de deslocalização da produção. A imigração é, no interior dos países mais desenvolvidos, a deslocalização de funções da sua própria população, entregando-lhe as tarefas mais exigentes e bem pagas, cabendo ao «estrangeiro pobre», a expressão burguesa de «criadagem», o remanescente, as sobras, o trabalho sem direitos, os baixos salários e, quando existe, o salário mínimo com o qual mal se vive em qualquer país europeu mesmo que, nominalmente, o salário mínimo seja elevado. Em França esse salário é de 1040 euros. Mas quem é que, em Paris, vive com 1040 euros? Em Portugal o salário mínimo é de 403 euros. Mas quem é que em Lisboa ou em outra cidade pode viver com 403 euros?
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Fenómenos a analisar
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A imigração (no Algarve cerca de 20% dos residentes são imigrantes), pelos fundamentos do sistema económico vigente, é uma realidade concreta cuja dimensão tenderá a alargar-se. A pretexto do envelhecimento da população europeia as Nações Unidas consideram que a União Europeia (a 15) necessita de 701 milhões de imigrantes até 2050, embora haja quem conteste tal número e prefira quantificar em cerca de 194 milhões de imigrantes as necessidades da UE até 2035. (Cálculo do presidente do Instituto IFO). Qualquer que seja a previsão de mão-de-obra para suprir o déficit demográfico da União Europeia tudo indica que estamos perante um facto instalado independentemente de haver ou não acordo sobre a sua verdadeira dimensão.
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Essa realidade, que é complexa, gera, simultaneamente, vários fenómenos que importa analisar e dos quais, a título de exemplo, salientamos:– a imigração ajuda a resolver o déficit demográfico;a imigração contribui para o multiculturalismo, num processo de enriquecimento do conhecimento e – a da cultura, embora muitas vezes afectado por um processo de aculturação imposto, sobretudo, pelo estilo de vida «americano», uma espécie de erva daninha infestante que floresce à custa da secagem dos hábitos, das culturas e das tradições envolventes;– a componente legal da imigração contribui para a sustentabilidade da segurança social;– enquanto trabalhadores e consumidores, os imigrantes pagam impostos sobre o rendimento e sobre o consumo, geram receitas aos estados com as quais esses mesmos estados sustentam os exércitos, as polícias, a diplomacia, o ensino público, o serviço de saúde e demais despesas;– devido aos baixos salários os imigrantes contribuem para a redução de custos de inúmeros serviços em benefício dos naturais dos países de acolhimento que, de outro modo, teriam de suportar encargos mais elevados, pelo que qualquer teórico do sarcasmo diria que a imigração acaba por constituir uma espécie de filantropia forçada, na medida em que beneficiando muito a economia dos países receptores, os imigrantes acabam, em troca, por receber muito pouco;– pela natureza das actividades laborais exercidas os imigrantes contribuem, tornamos a insistir, para o bem-estar da população dos países de acolhimento, sem as quais os habitantes das grandes cidades como Paris, Londres, Berlim, Nova Iorque claudicavam caso, em mera teoria, os imigrantes resolvessem, de um dia para o outro, regressar à sua terra natal.
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Mas os imigrantes são aproveitados, quer por omissão propositada dos governos quer pela política de desregulação laboral, para potenciar várias consequências, que necessitam de ser convenientemente estudadas, como sejam:– contribuindo para um excesso de oferta de emprego contribuem para dificultar a negociação de melhores salários;– sujeitando-se como se sujeitam a trabalho sem direitos fragilizam, por exemplo, os horários de trabalho de que são um claro exemplo as lojas abertas de dia e noite, incluindo sábados e domingos, por parte de certos grupos étnicos.
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Analisando tudo o atrás referido, sem deixar de ter em atenção as causas que explicam as migrações internas e externas, concluiremos que o factor trabalho é o factor determinante nas relações sociais que envolvem a imigração. É certo que haverá outras motivações para a deslocalização de pessoas, como sejam: os efeitos da guerra, as perseguições políticas, o reencontro familiar, o acesso à cultura e ao ensino, o prazer de viajar e o espírito de aventura. Mas, seguramente, o factor primeiro está ligado à obtenção de um emprego e de um salário com o qual se pretende sobreviver, arranjar um pecúlio e enviar as poupanças para a famílias a residir na terra natal. Por este conjunto de razões torna-se óbvio que a actividade laboral e os problemas a ela associados constituem uma das principais preocupações dos imigrantes, sobre os quais, nós, comunistas, temos muito a fazer. Desde logo o enquadramento político da actividade sindical inserida no Movimento Sindical Unitário.
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A inventariação objectiva de todos os factores que envolvem a imigração constitui, pois, um dever na justa medida em que é preciso conhecer para se poder agir e transformar. A imigração em PortugalA imigração em Portugal não está rigorosamente quantificada dada a natureza do nosso sistema estatístico. O que há são estimativas e essas indicam que, por cada 100 portugueses, há 5 estrangeiros, o que pressupõe, entre nós, a existência de cerca de 500 000 imigrantes. Embora haja países com percentagens mais elevadas o que acontece é que a imigração, sendo um fenómeno novo em Portugal, está muito concentrada temporalmente pelo que as estatísticas recentes dizem que, entre 2000 e 2005, Portugal, no conjunto dos países da OCDE, ocupou, no período atrás referido, a 5.ª posição no que se refere aos países mais procurados pelos imigrantes, apenas atrás da Espanha, Irlanda, Itália e Canadá.
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Há estudos como aquele que foi elaborado pelo professor catedrático do ISEG, Eduardo de Sousa Ferreira, que quantifica, no que concerne ao produto interno bruto, em cerca de 7% o contributo da população activa imigrante. Que população é esta?
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De acordo com os Quadros de Pessoal relativos a Outubro de 2004, havia 138 252 trabalhadores estrangeiros a laborar, em termos oficiais, em Portugal, embora toda agente saiba que esse número está naturalmente subavaliado. Tais trabalhadores localizavam-se, predominantemente, nos distritos de Lisboa (47%), Faro (13%), Setúbal (8%) e Porto (8%). A imigração localiza-se, pois, nos distritos do litoral. Em todo o interior, nos 7 distritos que confinam com a Espanha, a percentagem de imigrantes é muito reduzida, cerca de 4,8%, o que significa que os trabalhadores, quer sejam portugueses, quer sejam estrangeiros, evitam a desertificação procurando no litoral o sustento para si e para as suas famílias. Magro sustento, dizemos nós. Basta olhar para dois indicadores para confirmar que o que predomina, como contrapartida da actividade laboral, são os baixos salários e as baixas prestações sociais.
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Com efeito, 31% dos imigrantes ocupam as funções consideradas «não qualificadas» contra uma média nacional de cerca de 14%. Por esta razão não é de admirar que no 1.º semestre de 2006 houvesse 52 326 requerentes estrangeiros que beneficiaram das prestações familiares do sistema público de segurança social. Pois bem, 65% desses agregados familiares tinham um rendimento per capita de 193 euros, contra a média nacional de 36,4%. Este indicador evidencia que num país onde se praticam baixos salários eles ainda são relativamente mais baixos quando aplicados aos estrangeiros, a bem, naturalmente, da «competitividade». O número atrás referido está, obviamente, ligado ao valor do salário mas também reflecte a dimensão do agregado familiar. É provável que ele esteja influenciado pela dimensão das famílias designadamente das oriundas das ex-colónias portuguesas.
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A nova escravatura
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Recuemos a meados de Março de 2007. As agências noticiosas informavam que, numa operação da Guarda Civil Espanhola, em várias localidades de Navarra, foram libertados 91 trabalhadores que viviam «num regime de escravatura encoberta», entre os quais estava um numeroso grupo de portugueses. Passado pouco tempo era referida a existência de 300 portugueses a trabalhar na construção de túneis de uma barragem na Islândia em condições infra-humanas. Em situações similares estavam envolvidos outros portugueses em outros países europeus, como na Holanda e Reino Unido, de tal forma gravosa que o jornal «Diário de Notícias», de 10 de Junho, titulava a quatro colunas: «Portugueses alimentam nova escravatura da Europa». A emigração, em termos sociais, é uma espécie de corrida de obstáculos que impõe a superação do estatuto social, do drama ligado ao afastamento da família, da língua, do trabalho menos qualificado, dos baixos salários, dos salários prometidos e não pagos, dos intermediários, dos patrões sem escrúpulos a que acresce uma postura permissiva dos governos perante tantas e tamanhas ilegalidades. Tais notícias envolvendo trabalhadores portugueses, patrões estrangeiros e governos surdos e mudos não são um fenómeno que se aplica, apenas e só, aos nossos emigrantes lá fora. A nova forma de escravatura é uma realidade transversal a todos os países que endeusaram a competitividade como modelo de desenvolvimento associando-o, naturalmente, à velocidade máxima do retorno dos capitais investidos, ou seja, à maximização do lucro. Os estados têm a obrigação de adequar as suas estruturas no sentido quer preventivo quer repressivo de todas as formas que submetam qualquer cidadão a tratamentos cruéis, desumanos e degradantes. Todos os estados que, sem reservas, subscreveram a Declaração Universal dos Direitos do Homem, têm a obrigação de respeitar e fazer respeitar tal normativo.
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O Governo português, que a ratificou e subscreveu tornando isso público através do Diário da República, I Série A, nº. 57/78 de 9 de Março de 1978, tem a obrigação de não permitir que em Portugal se faça aos imigrantes aquilo que não gostamos que façam aos nossos emigrantes.
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in Avante 2007.08.09
1 comentário:
Existe um livro que gosto em particular e retrata muito bem o tema.
"Emigrantes" de Ferreira de Castro.
Um abraço*
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