3. O Período de 1926-1974: A Modernização Bloqueada. 3.1. Nacionalismo e Corporativismo (1926-1958)
* Luís Graça (1999)
1. Introdução | |||||||||||||||||||||||
Numa perspectiva de história política e institucional, podemos apontar os seguintes marcos fundamentais deste longo período de quase meio século:
Se nos colocarmos na perspectiva da história económica e social, mais consentânea com uma abordagem sociológica, podemos considerar quatro subperíodos ou fases (Nunes, 1994, p. 306):
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2. O Subperíodo de 1928-1958: Nacionalismo e Corporativismo | |||||||||||||||||||||||
De facto, em 1926 a República é derrubada ou, como lhe chama Nunes (1994, p. 305), "a ‘Nova República Velha’, última fase de um regime demoliberal que, com algumas nuances, continuou a tradição 'liberal oligárquica' característica de um capitalismo pouco desenvolvido". E em 1933 é aprovada a Constituição Política, em vigor até 25 de Abril de 1974. O Estatuto do Trabalho Nacional, inspirado na Carta del Lavoro do fascismo italiano, vem entretanto consagrar a ideia-força de solidariedade entre a propriedade, o capital e o trabalho. O princípio da solidariedade (art. 11º do Estatuto) articulava-se com a exigência de paz social (art. 5º) e implicava a ideia de colaboração interclassista, um eufemismo para designar a total subordinação do trabalho aos interesses do capital monopolista:
Como consequência lógica, a greve e o lock-out passam a ser punidos (Decreto-Lei nº. 23 870, de 18 de Maio, diploma que só viria a ser revogado em 1974!). É dissolvida a Confederação Geral do Trabalho (CGT), de tendência anarco-sindicalista (criada em 1919). Os restantes diplomas, relevantes no âmbito do direito do trabalho e que irão perdurar até aos anos 60 e 70, decorrem igualmente da lógica dos princípios constantes da Constituição de 1933 e do Estatuto do Trabalho Nacional (Fernandes, 1994, pp. 29):
Na opinião (algo controversa) de Fernandes (1994, p. 30), a longevidade destes diplomas não poderia ser explicada apenas "pela intrínseca fixidez do ordenamento económico-social em que se filiavam". Pelo contrário, se "as leis dos anos trinta e quarenta puderam manter-se próximas da actualidade normativa, por que eram já de início relativamente avançadas" e, ao mesmo tempo, congruentes " com a lentidão do desenvolvimento das estruturas económicas e sociais entre as décadas de 30 e 60". O aggiornamento da legislação laboral só se verificaria a partir de 1965. Numa leitura mais sociológica, como a proposta por Lima (1982, p. 1308), o período da 1ª fase do salazarismo, até finais da década de 1940, seria marcado sobretudo pela racionalização autoritária e a implantação tardia e lenta do taylorismo, enquanto se agravavam as condições de trabalho na indústria:
Entretanto, a Constituição Política de 1933 tinha consagrado o princípio segundo o qual as condições de trabalho deveriam atender às necessidades de higiene física e moral e à segurança do trabalhador (art. 25º). Não admira, por isso, que este período corresponda a um completo vazio legislativo em matéria de Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho (abreviadamente, SH&ST), com excepção do já referido diploma de 1936 (Lei nº. 1942, de 27 de Julho) que veio reformular o regime jurídico de protecção contra os acidentes de trabalho e as doenças profissionais. Por outro lado, não deixa de ser sintomático que uma grande parte das convenções internacionais do trabalho adoptadas pela OIT durante o longo período da Ditadura Militar (1928-1932), Estado Novo salazarista (1933-1968) e do Estado Social marcelista (1969-1974) só tenham sido ratificadas por Portugal muitos anos depois, algumas mesmo já depois da instauração da democracia em 25 de Abril de 1974. Recorde-se que, sobretudo depois da II Guerra Mundial, Portugal seria periodicamente condenado pela OIT devido ao seu sistema corporativo e ditatorial de organização dos trabalhadores e das relações colectivas de trabalho. Foi o caso, por exemplo, das convenções nºs:
que só foram ratificadas em 1962, 1964, 1977, 1981, 1983 e 1984, respectivamente. Se nos restringirmos à saúde, enquanto vertente essencial da política de protecção social, verificamos que, também ela, foi claramente marcada, até meados da década de 1960, pelo "espartilho ideológico e político" do salazarismo (Campos, 1983; Lopes, 1987). Numa primeira fase, a que Campos (1983) chama caritativo-corporativista (1937-1945), a política de saúde caracterizar-se-ia por:
Por outro lado, e na ausência de quaisquer esquemas de seguro de saúde/doença continuava a prevalecer a caridade individual ou organizada, ou então a repressão, pura e simples:
Por fim, era grande a dispersão dos meios de acção e das instâncias de direcção e controlo: havia duas direcções-gerais (saúde e assistência), fazendo parte duma obscura Subsecretaria de Estado da Assistência Social, criada em 1940, pelo D.L. nº 30 692, de 27 de Agosto, e dependente por sua vez do tenebroso Ministério do Interior (que também tutelava a policía política). Entretanto, e ainda em 1935, tinha sido aprovado o Regime Geral de Previdência (Lei nº 1884, de 16 de Março):
Nessa época Portugal continuava a ser um país predominantemente rural, a avaliar pela evolução da estrutura da população activa na primeira metade do Século XX (Quadro 1). Será lento o crescimento da população activa no sector secundário (que inclui, além da indústria transformadora, a construção e obras públicas, bem como a electricidade, gás e água), em contraste com a manutenção de uma elevada proporção de activos no sector primário (e nomeadamente na agricultura): sobe apenas 2 (!) pontos percentuais no espaço de meio século, entre 1890 (18%) e 1940 (20%). Em contrapartida, essa proporção irá subir 13 (!) pontos no período seguinte (1940-1974). Por outro lado, até ao início da II Guerra Mundial, o peso absoluto e relativo do sector terciário está longe de significar qualquer tendência de modernização, já que nele se incluem, além do comércio e do funcionalismo público, os serviços domésticos e actividades afins. Estima-se em cerca de meio milhão o número de activos assalariados do sector terciário em 1940, dos quais um quinto seriam funcionários públicos (Rosas, 1994, p. 107). Não obstante a lenta industrialização do país, o número de caixas de previdência acaba por aumentar, passando de 99 em 1938 para 3546 em 1942 (Lopes, 1993, p. 103):
A falta de protecção social era agravada pela degradação das condições de vida e de saúde nas cidades, a partir dos anos 30, nomeadamente devido ao aumento da população operária e trabalhadora e sua concentração em áreas socioespacialmente segregadas. A habitação que já era um "problema social" no tempo da República, agrava-se com o crescente número de pessoas a viverem em zonas superlotadas, em "vilas", "pátios", "ilhas", barracas e até furnas (as tristemente famosas furnas de Monsanto!), sem luz eléctrica, sem água canalizada e sem saneamento básico. Mesmo em 1970, de acordo com um inquérito do Ministério das Obras Públicas, sobre condições de higiene e saneamento básico (cit.por Graça, 1996):
Em plena Ditadura Militar, em discurso proferido na sessão de homenagem aos beneméritos do novo hospital de Tomar, pertencente à misericórdia local, e na presença do "nobre Presidente da República" (já então o General Carmona), Ricardo Jorge lamentava a miserável parcela que a saúde pública representava então no orçamento geral do Estado:
A situação demográfica e sanitária do País continuava a ser motivo de grande preocupação para Ricardo Jorge, então com 70 anos e com uma atitude expectante (para não dizer colaboracionista) em relação ao novo regime instaurado pela Ditadura Militar:
De facto, os efeitos práticos da reforma sanitarista de Ricardo Jorge não foram nem grandes nem imediatos, já que as condições de vida, de trabalho e de saúde da população não melhoraram significativamente. Se considerarmos um clássico indicador, como o da mortalidade infantil (Figura 1):
Convirá, de qualquer modo, lembrar a dramática situação sanitária que herdámos do século XIX:
Por outro lado, o abandono de crianças não parava de aumentar, a avaliar pelas entradas de expostos na Santa Casa de Misericórdia de Lisboa: 1440, em 1781; 1617, em 1800; 1735, em 1826; 1909, em 1837; 2319, em 1845. As 'rodas de enjeitados' são oficialmente extintas em 1867 e substituídas por hospícios. (Graça, 1996). Não admira, por isso, que Portugal continuasse a ter uma das mais baixas esperanças de vida à nascença no contexto dos países europeus:
Se considerarmos, por outro lado, a evolução das principais causas de morte, no período de 1960 a 1980, constatamos que a tuberculose, classificada no grupo das doenças do aparelho respiratório, continuava a ter um peso muito importante (Quadro 2). Durante toda a segunda metade do século XIX e nas três primeiras décadas do Século XX, a tuberculose aumentou em Portugal, atingindo a sua mortalidade o valor máximo de 200 por cada 100 mil habitantes, em 1930, e correspondente a 10% de todos casos de morte. Nos países mais evoluídos, desde o fim do século XIX que a mortalidade por tuberculose estava em persistente declínio e com valores muito inferiores aos registados entre nós: foi o caso, por exemplo, da Inglaterra e do País de Gales (Graça, 1996). Mais concretamente no período de 1934-40, as diarreias e enterites eram a principal causa de morte em Portugal (14%), como consequência das crónicas deficiências alimentares da população e das más condições sanitárias, seguidas da tuberculose (10%) (Quadro 3). Já no preâmbulo do Decreto nº 12477, de 12 de Outubro de 1926, que reorganizou a Direcção Geral de Saúde (diploma esse que vem assinado, entre outros, pelo ministro da Instrução Pública, Artur Ricardo Jorge, filho de Ricardo Jorge, na sua qualidade de ministro da tutela da saúde pública, que até 1925 fazia parte do Ministério do Trabalho, entretanto extinto), o legislador lamentava a apagada e vil tristeza em que Portugal se encontrava, quando comparado com as outras nações europeias—incluindo a Rússia soviética (!)— "onde hoje se encontram magníficas instituições [de higiene pública] que são para nós outros verdadeiras maravilhas". Como exemplo de que "a saúde não tem preço e nunca será cara", apresentava-se o caso da "pequena Suíça", que em trinta anos reduzira drasticamente a sua morbimortalidade (Quadro 4).
a) Por mil (b) Por cem mil Fonte: Preâmbulo do Decreto nº 12477, de 12 de Outubro de 1926 Em 1926, "a higiene do trabalho e das indústrias" (sic) continua a ser uma das competências da Direcção-Geral de Saúde:
Com a agitação política e social que marcou o período da II Guerra Mundial, com a queda de Mussolini em 1943, e, finalmente, com a vitória militar dos Aliados sobre as potências do Eixo, o regime de Salazar sente-se seriamente ameaçado (Rosas, 1994, pp. 369 e ss.). É neste contexto que o Estado Novo se vê obrigado a ensaiar algumas medidas de protecção social, incluindo no campo da saúde. Em 1958, no rescaldo da campanha eleitoral do General Humberto Delgado, será finalmente criado o Ministério da Saúde e Assistência. Textos relacionados:
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(a) Extractos de: Graça, L. (1999): Enquadramento histórico da produção legislativa no domínio da Segurança, Higiene e Saúde no Trabalho (SH&ST). Lisboa: Universidade Nova de Lisboa, Escola Nacional de Saúde Pública, Grupo de Disciplinas de Ciências Sociais em Saúde, Disciplina de Sociologia da Saúde / Disciplina de Psicossociologia do Trabalho e das Organizações de Saúde, texto policopiado, 75 + 18 pp. (Textos, T 1325). |
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