Mulheres políticas, lutadoras antifascistas
Uma leitura de Mulheres em Tempos Sombrios. Oposição Feminina ao Estado Novo, por Vanda Gorjão.
* ISABEL ALMEIDA SANTOS
Professora e mestranda no Mestrado em Estudos sobre as
Mulheres da Universidade Aberta.
Quando se fala de resistência à ditadura do Estado Novo a todos ocorrem expressões como clandestinidade, exílio, prisioneiros políticos, mas poucas vezes tais palavras se associam a sujeitos femininos. A obra de Vanda Gorjão, Mulheres em Tempos Sombrios. Oposição Feminina ao Estado Novo (1), dá-nos a conhecer mulheres que se destacaram pela sua acção política durante os anos da ditadura. Quem foram e como viveram essa situação? Que papel desempenharam?
Vanda Gorjão responde a estas questões baseando-se nos percursos (pessoais e políticos) de lutadoras como Alda Nogueira, Cesina Bermudes, Irene Cortesão, Isaura Silva Borges Coelho, Maria Barroso, Maria Elvira Cortesão, Maria Eugénia Varela Gomes, Maria Fernanda Silva, Maria Isabel Aboim Inglês, Maria Lamas, Stella Piteira Santos e Virgínia Moura, entre outras. Entre 1945 e 1960, criaram movimentos ou pertenceram-lhes, foram perseguidas pelo regime de Salazar e estiveram, na sua maioria, nas prisões da PIDE.
A oposição feminina desenvolveu três tipos de luta: a das camponesas e operárias - responsáveis por protestos, greves, marchas; a das "companheiras" - que trabalhavam nos bastidores da clandestinidade comunista, mantendo, em "casas" do partido, como forma de apoio ao trabalho clandestino, a fachada de uma vida familiar normal; e a das intelectuais - responsáveis por uma oposição ideológica de elite.
Quanto às últimas, objecto do estudo de Vanda Gorjão, pertenciam a meios privilegiados da aristocracia, burguesia ou classe média urbana, e a círculos sociais e culturais de acesso restrito: nomeadamente, famílias liberais, republicanas, socialistas, comunistas ou anarco-sindicalistas. Isso garantir-lhes-ia visibilidade social e certa protecção em momentos problemáticos de perseguição e encarceramento. O que não diminui o valor da coragem física e psicológica revelada.
Primeiros confrontos
Algumas primeiras rebeldias, logo no liceu, apontam já para uma aguçada reflexividade e consciência de (in)justiça.
Irene Cortesão escreveu uma carta à reitora, em nome da mãe e com o desconhecimento desta, afirmando não concordar que a filha (na realidade, a irmã, Elvira Cortesão) frequentasse a Mocidade Portuguesa Feminina (MPF). Isaura Borges Coelho, a meio de uma cerimónia religiosa importante, entrega o emblema da Juventude Operária Católica ao bispo, afirmando que tinha deixado de acreditar em Deus. Maria Fernanda Silva chegou a ser chefe de quina da MPF, mas foi expulsa no 4º ano por se recusar ir a uma procissão.
A partir da década de 40 e, sobretudo, a partir da de 60, as raparigas começaram a aceder à universidade em grande número, mas as suas expectativas escolares e profissionais dependiam de um cenário de domesticidade: casa, marido, filhos. A maior parte das mulheres que estudavam, sobretudo as de Letras, desapareciam no 2º ano do curso, porque casavam. As estudantes oposicionistas, na sua maioria, seguiram percursos científicos, embora as saídas profissionais acabassem por direccioná-las no sentido da feminização, ao enveredarem pelo ensino. De igual forma, não escaparam ao cenário de domesticidade.
Os anos da universidade revelavam-se "preponderantes no sentido de impulsionar e ampliar, na prática, manifestações, actividades e tarefas de carácter oposicionista, mesmo para aquelas que tinham iniciado o envolvimento político no liceu, como Alda Nogueira e Virgínia Moura" (2). Maria Barroso convive, na faculdade, com um grupo fortemente politizado, onde conheceu Mário Soares; Maria Fernanda Silva foi convidada por um colega para integrar o Movimento de Unidade Nacional Antifascista (MUNAF) e participar em reuniões em casa do professor Bento de Jesus Caraça - pouco depois aderia ao PCP.
Perseguição profissional e política
A profissão colocou-as em contacto com a ideologia político-social do salazarismo, a qual repudiaram, o que acabou por fortalecer as tendências oposicionistas.
Maria Eugénia Varela Gomes, assistente social, apercebeu-se da "instrumentalização do Estado Novo sobre as assistentes sociais como apaziguadoras de descontentamentos, simulando resolver problemas, mas tomando como natural a hierarquia entre grupos sociais e a divisão entre ricos e pobres" (3). Abandonou o serviço social por recusar pactuar com o regime. Isaura Borges Coelho liderou a luta das enfermeiras no sentido de contrariar a lei que as impedia de casar. Esteve presa. Foi-lhe apreendido o diploma. Não conseguiu colocação e esteve quatro anos sem exercer enfermagem. Maria Lamas, redactora da revista Moda e Bordados desde 1929, e sua directora desde 1938, foi afastada do lugar na sequência da Exposição de Livros Escritos por Mulheres, organizada em 1947 pelo Conselho Nacional de Mulheres Portuguesas, ao qual presidia. A Cesina Bermudes foi recusada, por motivos igualmente políticos, a sua entrada como professora efectiva na faculdade de Medicina, embora se tivesse doutorado com 19 valores. Maria Barroso foi demitida do Teatro Nacional, em 1948, como sanção política.
Muitas destas mulheres passaram pelos calabouços da PIDE, uma ou mais vezes. Veja-se o quando e o porquê de alguns casos: Maria Isabel Aboim Inglês, em 1946, por distribuir exemplares de um documento do Movimento de Unidade Democrática (MUD); de novo em 1958, por desrespeitar o tribunal ao afirmar que "quem não presta declarações na polícia é digno de admiração por ser amante da liberdade" e, também, por louvar o PCP ao proceder dessa forma (4). Maria Lamas, pela primeira vez, em 1949, por ter assinado um documento de protesto contra a prisão de José Morgado e diversas vezes, após essa data, por participar em congressos internacionais pela paz e pelos direitos das mulheres. Virgínia Moura, em 1949 - a PIDE ia à sua procura sempre que se aproximava uma data comemorada pelos antifascistas ou sempre que havia agitação política. Isaura Borges Silva Coelho, no seu julgamento, em 1953, denunciou as duras condições em que as enfermeiras trabalhavam nos hospitais, acusou a polícia de infligir torturas morais e físicas aos presos, deu relevo ao MUD Juvenil e protestou contra o facto de as enfermeiras não poderem casar. Stella Piteira Santos, em 1962, sob a acusação de estar envolvida em actividades que visavam a alteração da constituição por meio da rebelião armada - quando do fracassado golpe de Beja, ela é que conduziu Humberto Delgado de Lisboa até ao Porto Alto, onde se encontrava o carro que o levaria a Beja. Maria Eugénia Varela Gomes, em 1962, também por tentativa de alteração da constituição por assalto à mão armada. Depois da libertação, em 1964, empenhou-se na formação da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos. Alda Nogueira esteve na clandestinidade 10 anos, até ser presa em 1959. Esteve presa 9 anos e 3 meses.
Na altura da prisão e condenação assumiram frontalmente as suas posições políticas. O que diziam em tribunal era uma forma de protesto, de se fazerem ouvir publicamente. Era provavelmente o único espaço em que, pela especificidade do processo de defesa, lhes era permitido dizer oficialmente o que pensavam do regime.
Género e acção política
Não é possível ignorar que a oposição feminina foi condicionada pela pertença de género. Maria Fernanda Silva afirma claramente que parecia mal as mulheres andarem na política. Diz, em Beja, muita gente achava que era uma coisa muito má andar metida naquelas coisas, a falar com homens, etc., porque as meninas não faziam política, isso era coisa de homens, e se fizessem devia ser só em coisas femininas. Os próprios maridos metidos nas coisas não gostavam muito que as mulheres também andassem nessas andanças, porque as mulheres até podiam estar empregadas, mas metidas na política não. As mulheres eram muito coagidas por muitas coisas, os pais, os maridos, os namorados (...) (5).
Maria Barroso, por exemplo, participou nas reuniões de fundação do Partido Socialista, mas, apenas, quando o marido não estava presente (6).
Veja-se, ainda, o caso do PCP. Na composição interna do partido as mulheres estavam em minoria, para além de que o seu nível político e preparação ideológica eram baixos. As militantes, na maioria camponesas e operárias, raramente tinham a escolaridade mínima. Seguindo Cândida Ventura, citada por Vanda Gorjão, houve um período em que as mulheres se ocupavam "exclusivamente dos trabalhos doméstico e de vigilância. Não liam a imprensa nem sequer a do partido" (7).
Por volta de 1947, o partido considera fundamental valorizar a formação das militantes e reforçar os seus conhecimentos de carácter geral e político, de forma a que se "dinamizasse a versatilidade de funções" (8). Mas a clandestinidade obrigava a que a "distribuição de tarefas e papéis entre os sexos se adequassem aos interesses partidários conspirativos" (9). Era proibido adoptar qualquer divisão de tarefas que pudesse dar nas vistas e lançar suspeitas sobre as opções políticas do casal. Tais constrangimentos obstavam a um efectivo trabalho de pares. Apesar de tudo, as mulheres estiveram fortemente envolvidas em lutas quotidianas, sobretudo nas que privilegiavam a melhoria das condições materiais de vida e de trabalho. Porém, estiveram afastadas da concepção da maior parte das movimentações políticas de vulto, trabalhando nos bastidores e deixando aos homens (maridos ou companheiros de partido) os papéis de maior visibilidade. Contudo, para o universo cultural da época em que agiram, não podemos afirmar que tenham realizado pouco. Ousaram uma coragem que faz delas não só heroínas, mas mulheres para além do seu tempo.
Não terá sido fácil. Isabel Aboim Inglês teve de se confrontar, primeiro, com a questão da sobrevivência dos filhos. Também Maria Lamas, por exemplo, só intensificou a actividade política após o casamento das filhas. Era preciso que chegassem os finais de 60, com um novo universo de valores capazes de abalar as grilhetas mentais invisíveis que mantinham a discriminação e condicionavam a actividade política das mulheres.
Falamos aqui de mulheres políticas, lutadoras no início de uma caminhada que, afinal, ainda não pudemos concluir. Sólidos "tectos de vidro" permanecem ainda, neste exacto momento, mesmo por cima das nossas cabeças.
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Vanda Gorjão responde a estas questões baseando-se nos percursos (pessoais e políticos) de lutadoras como Alda Nogueira, Cesina Bermudes, Irene Cortesão, Isaura Silva Borges Coelho, Maria Barroso, Maria Elvira Cortesão, Maria Eugénia Varela Gomes, Maria Fernanda Silva, Maria Isabel Aboim Inglês, Maria Lamas, Stella Piteira Santos e Virgínia Moura, entre outras. Entre 1945 e 1960, criaram movimentos ou pertenceram-lhes, foram perseguidas pelo regime de Salazar e estiveram, na sua maioria, nas prisões da PIDE.
A oposição feminina desenvolveu três tipos de luta: a das camponesas e operárias - responsáveis por protestos, greves, marchas; a das "companheiras" - que trabalhavam nos bastidores da clandestinidade comunista, mantendo, em "casas" do partido, como forma de apoio ao trabalho clandestino, a fachada de uma vida familiar normal; e a das intelectuais - responsáveis por uma oposição ideológica de elite.
Quanto às últimas, objecto do estudo de Vanda Gorjão, pertenciam a meios privilegiados da aristocracia, burguesia ou classe média urbana, e a círculos sociais e culturais de acesso restrito: nomeadamente, famílias liberais, republicanas, socialistas, comunistas ou anarco-sindicalistas. Isso garantir-lhes-ia visibilidade social e certa protecção em momentos problemáticos de perseguição e encarceramento. O que não diminui o valor da coragem física e psicológica revelada.
Primeiros confrontos
Algumas primeiras rebeldias, logo no liceu, apontam já para uma aguçada reflexividade e consciência de (in)justiça.
Irene Cortesão escreveu uma carta à reitora, em nome da mãe e com o desconhecimento desta, afirmando não concordar que a filha (na realidade, a irmã, Elvira Cortesão) frequentasse a Mocidade Portuguesa Feminina (MPF). Isaura Borges Coelho, a meio de uma cerimónia religiosa importante, entrega o emblema da Juventude Operária Católica ao bispo, afirmando que tinha deixado de acreditar em Deus. Maria Fernanda Silva chegou a ser chefe de quina da MPF, mas foi expulsa no 4º ano por se recusar ir a uma procissão.
A partir da década de 40 e, sobretudo, a partir da de 60, as raparigas começaram a aceder à universidade em grande número, mas as suas expectativas escolares e profissionais dependiam de um cenário de domesticidade: casa, marido, filhos. A maior parte das mulheres que estudavam, sobretudo as de Letras, desapareciam no 2º ano do curso, porque casavam. As estudantes oposicionistas, na sua maioria, seguiram percursos científicos, embora as saídas profissionais acabassem por direccioná-las no sentido da feminização, ao enveredarem pelo ensino. De igual forma, não escaparam ao cenário de domesticidade.
Os anos da universidade revelavam-se "preponderantes no sentido de impulsionar e ampliar, na prática, manifestações, actividades e tarefas de carácter oposicionista, mesmo para aquelas que tinham iniciado o envolvimento político no liceu, como Alda Nogueira e Virgínia Moura" (2). Maria Barroso convive, na faculdade, com um grupo fortemente politizado, onde conheceu Mário Soares; Maria Fernanda Silva foi convidada por um colega para integrar o Movimento de Unidade Nacional Antifascista (MUNAF) e participar em reuniões em casa do professor Bento de Jesus Caraça - pouco depois aderia ao PCP.
Perseguição profissional e política
A profissão colocou-as em contacto com a ideologia político-social do salazarismo, a qual repudiaram, o que acabou por fortalecer as tendências oposicionistas.
Maria Eugénia Varela Gomes, assistente social, apercebeu-se da "instrumentalização do Estado Novo sobre as assistentes sociais como apaziguadoras de descontentamentos, simulando resolver problemas, mas tomando como natural a hierarquia entre grupos sociais e a divisão entre ricos e pobres" (3). Abandonou o serviço social por recusar pactuar com o regime. Isaura Borges Coelho liderou a luta das enfermeiras no sentido de contrariar a lei que as impedia de casar. Esteve presa. Foi-lhe apreendido o diploma. Não conseguiu colocação e esteve quatro anos sem exercer enfermagem. Maria Lamas, redactora da revista Moda e Bordados desde 1929, e sua directora desde 1938, foi afastada do lugar na sequência da Exposição de Livros Escritos por Mulheres, organizada em 1947 pelo Conselho Nacional de Mulheres Portuguesas, ao qual presidia. A Cesina Bermudes foi recusada, por motivos igualmente políticos, a sua entrada como professora efectiva na faculdade de Medicina, embora se tivesse doutorado com 19 valores. Maria Barroso foi demitida do Teatro Nacional, em 1948, como sanção política.
Muitas destas mulheres passaram pelos calabouços da PIDE, uma ou mais vezes. Veja-se o quando e o porquê de alguns casos: Maria Isabel Aboim Inglês, em 1946, por distribuir exemplares de um documento do Movimento de Unidade Democrática (MUD); de novo em 1958, por desrespeitar o tribunal ao afirmar que "quem não presta declarações na polícia é digno de admiração por ser amante da liberdade" e, também, por louvar o PCP ao proceder dessa forma (4). Maria Lamas, pela primeira vez, em 1949, por ter assinado um documento de protesto contra a prisão de José Morgado e diversas vezes, após essa data, por participar em congressos internacionais pela paz e pelos direitos das mulheres. Virgínia Moura, em 1949 - a PIDE ia à sua procura sempre que se aproximava uma data comemorada pelos antifascistas ou sempre que havia agitação política. Isaura Borges Silva Coelho, no seu julgamento, em 1953, denunciou as duras condições em que as enfermeiras trabalhavam nos hospitais, acusou a polícia de infligir torturas morais e físicas aos presos, deu relevo ao MUD Juvenil e protestou contra o facto de as enfermeiras não poderem casar. Stella Piteira Santos, em 1962, sob a acusação de estar envolvida em actividades que visavam a alteração da constituição por meio da rebelião armada - quando do fracassado golpe de Beja, ela é que conduziu Humberto Delgado de Lisboa até ao Porto Alto, onde se encontrava o carro que o levaria a Beja. Maria Eugénia Varela Gomes, em 1962, também por tentativa de alteração da constituição por assalto à mão armada. Depois da libertação, em 1964, empenhou-se na formação da Comissão Nacional de Socorro aos Presos Políticos. Alda Nogueira esteve na clandestinidade 10 anos, até ser presa em 1959. Esteve presa 9 anos e 3 meses.
Na altura da prisão e condenação assumiram frontalmente as suas posições políticas. O que diziam em tribunal era uma forma de protesto, de se fazerem ouvir publicamente. Era provavelmente o único espaço em que, pela especificidade do processo de defesa, lhes era permitido dizer oficialmente o que pensavam do regime.
Género e acção política
Não é possível ignorar que a oposição feminina foi condicionada pela pertença de género. Maria Fernanda Silva afirma claramente que parecia mal as mulheres andarem na política. Diz, em Beja, muita gente achava que era uma coisa muito má andar metida naquelas coisas, a falar com homens, etc., porque as meninas não faziam política, isso era coisa de homens, e se fizessem devia ser só em coisas femininas. Os próprios maridos metidos nas coisas não gostavam muito que as mulheres também andassem nessas andanças, porque as mulheres até podiam estar empregadas, mas metidas na política não. As mulheres eram muito coagidas por muitas coisas, os pais, os maridos, os namorados (...) (5).
Maria Barroso, por exemplo, participou nas reuniões de fundação do Partido Socialista, mas, apenas, quando o marido não estava presente (6).
Veja-se, ainda, o caso do PCP. Na composição interna do partido as mulheres estavam em minoria, para além de que o seu nível político e preparação ideológica eram baixos. As militantes, na maioria camponesas e operárias, raramente tinham a escolaridade mínima. Seguindo Cândida Ventura, citada por Vanda Gorjão, houve um período em que as mulheres se ocupavam "exclusivamente dos trabalhos doméstico e de vigilância. Não liam a imprensa nem sequer a do partido" (7).
Por volta de 1947, o partido considera fundamental valorizar a formação das militantes e reforçar os seus conhecimentos de carácter geral e político, de forma a que se "dinamizasse a versatilidade de funções" (8). Mas a clandestinidade obrigava a que a "distribuição de tarefas e papéis entre os sexos se adequassem aos interesses partidários conspirativos" (9). Era proibido adoptar qualquer divisão de tarefas que pudesse dar nas vistas e lançar suspeitas sobre as opções políticas do casal. Tais constrangimentos obstavam a um efectivo trabalho de pares. Apesar de tudo, as mulheres estiveram fortemente envolvidas em lutas quotidianas, sobretudo nas que privilegiavam a melhoria das condições materiais de vida e de trabalho. Porém, estiveram afastadas da concepção da maior parte das movimentações políticas de vulto, trabalhando nos bastidores e deixando aos homens (maridos ou companheiros de partido) os papéis de maior visibilidade. Contudo, para o universo cultural da época em que agiram, não podemos afirmar que tenham realizado pouco. Ousaram uma coragem que faz delas não só heroínas, mas mulheres para além do seu tempo.
Não terá sido fácil. Isabel Aboim Inglês teve de se confrontar, primeiro, com a questão da sobrevivência dos filhos. Também Maria Lamas, por exemplo, só intensificou a actividade política após o casamento das filhas. Era preciso que chegassem os finais de 60, com um novo universo de valores capazes de abalar as grilhetas mentais invisíveis que mantinham a discriminação e condicionavam a actividade política das mulheres.
Falamos aqui de mulheres políticas, lutadoras no início de uma caminhada que, afinal, ainda não pudemos concluir. Sólidos "tectos de vidro" permanecem ainda, neste exacto momento, mesmo por cima das nossas cabeças.
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(1) GORJÃO, Vanda (2002), Mulheres em Tempos Sombrios. Oposição Feminina ao Estado Novo, Lisboa: ICS - Na redacção deste trabalho baseámo-nos, essencialmente, na tese de Vanda Gorjão.
(2) Gorjão, 2002, p. 92
(3) id., p. 107
(4) cf. Gorjão, 2002, p. 229
(5) id., p. 247
(6) id., p. 250
(7) id., p. 133
(8) id., p. 134
(9) id., p. 135
in Notícias da Amadora Mulher - Outro Dossier "Mulher / Igualeza" / 2003-03-06
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