Rui Minderico/Lusa
José Sócrates cumprimentando um trabalhador da Portucel, ontem, no dia em que foi anunciado aumento de impostos
Salários vão pagar a crise
Plano de austeridade concluído prevê imposto extraordinário. Rendimentos até 2375 € pagam mais 1%, e a partir daí sobe para 1,5%. Salário mínimo sem agravamento.- 13 Maio 2010 - Correio da Manhã
Governo e PSD estão a negociar um pacote de medidas de austeridade em que se prevê criar um imposto extraordinário mensal sobre os rendimentos do trabalho, a somar aos descontos de IRS já pagos. O Executivo concentra os sacrifícios na classe média de forma a reduzir o défice para 7,3 por cento ainda este ano. Um objectivo que obriga à obtenção de uma verba de 1700 milhões de euros através de novas receitas e da redução da despesa. Assim, os trabalhadores com salários superiores a 2375 euros brutos vão pagar uma tributação extra de 1,5 por cento sobre o vencimento a cada final de mês. Dos restantes, os que ganhem até cinco vezes o Salário Mínimo Nacional (SMN) terão um agravamento fiscal de um por cento. Os restantes trabalhadores, com um salário até 475 euros (SMN), ficam dispensados desta tributação autónoma. O agravamento dos impostos sobre os rendimentos será aplicado a título extraordinário.
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As propostas foram enviadas ontem ao PSD ao final da tarde e, hoje às 09h30, o líder social-democrata, Passos Coelho, desloca--se a São Bento para falar com José Sócrates. Na prática, não havendo cortes no subsídio de Natal, o valor cobrado através da tributação autónoma aos salários equivale ao valor arrecadado naquela única prestação.
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Já o imposto sobre o consumo (IVA) aumenta, em geral, em todas áreas em um por cento. A taxa máxima sobe dos 20 para os 21 por cento, a da restauração passa de 12 para 13 por cento e que é aplicada aos alimentos e bens de primeira necessidade, como os remédios, aumenta de cinco para seis por cento.
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No que toca às grandes empresas e à Banca, o Executivo pretende criar uma tributação adicional dos lucros no valor de 2,5%.
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O PSD exigiu ao Governo cortes salariais de cinco por cento para a classe política, deputados e autarcas, gestores de empresas públicas, entidades reguladoras, como o Banco de Portugal, e aos gestores das empresas municipais. A proposta foi apresentada ao Executivo e deve ter acolhimento, apurou o Correio da Manhã. Passos Coelho tomou a decisão após o encontro com o grupo parlamentar e o conselho nacional. Inicialmente, o líder social-democrata tinha avançado com a hipótese de 2,9 por cento de corte salarial.
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PORMENORES
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LIBERTAÇÃO DO IMPOSTO
Só amanhã é que os trabalhadores do privado vão passar a ganhar para si próprios, depois de terem trabalhado 133 dias este ano para pagarem impostos. Mais um dia que em 2008.
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FUNCIONÁRIOS PÚBLICOS
Para os funcionários públicos, o dia da libertação dos impostos só chega a 7 de Julho, após terem cumprido 185 dias de pagamento ao Fisco, de acordo com um estudo da Associação Industrial Portuguesa (AIP).
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AUMENTOS ABSORVIDOS
Em média, em 2010 os trabalhadores tiveram um aumento de 1%, que correspondia à estimativa do Executivo para o valor da inflação. A tributação adicional dos salários vai ‘comer’ essas actualizações. Isto quando a inflação em Portugal se situa já nos 0,7%.
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SILVA LOPES
Ontem, o ex-ministro das Finanças Silva Lopes tinha pedido mais medidas de austeridade ao Governo. 'É preciso que Portugal aprenda com os irlandeses, os espanhóis ou os gregos. Não podemos pensar que os outros países apertam o cinto de forma violenta e nós escapamos', afirmou.
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MINISTRO ADMITE TENSÃO POPULAR SEM VIOLÊNCIA
O ministro das Finanças admitiu ontem que o Governo vai 'enfrentar a tensão social' devido aos cortes na despesa pública e afirmou que, sem o auxílio da UE e do FMI, o cenário no mercado de dívida seria muito difícil. 'Vamos enfrentar a tensão social', reconheceu em entrevista à Bloomberg. 'Os sindicatos vão protestar e vão existir outras expressões de descontentamento em relação a estas medidas, mas não prevejo casos de violência, como vimos na Grécia', acrescentou Teixeira dos Santos, que confirmou ainda estar a negociar um pacote de medidas com o PSD.
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MERCADO DA DÍVIDA MAIS TRANSPARENTE
O presidente da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) defendeu ontem que os mercados de dívida devem ser mais transparentes, já que as operações são feitas ao 'balcão', sem informação clara sobre o preço e transacções. Por isso, concluiu, a necessidade de uma maior supervisão neste domínio 'é uma conclusão que existe desde que a crise surgiu'. Carlos Tavares considerou ainda que a economia continua muito alavancada e lembrou que 'as empresas não-financeiras portuguesas têm um endividamento de 140% do PIB'. Ainda assim, afirmou que um dos resultados positivos da crise foi 'a tendência de desintermediação financeira. As empresas viraram-se mais para o mercado de dívida de capitais'.
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PORTUGAL PASSA NO TESTE DA EMISSÃO
O Tesouro português passou com a aprovação dos investidores no teste de emissão de dívida. Portugal vendeu ontem os mil milhões de dívida que se tinha disposto a colocar no mercado, com a procura a quase duplicar a oferta. Ainda assim, teve de pagar um juro ligeiramente superior ao valor pago na última ida ao mercado desta dimensão.
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Segundo o Instituto de Gestão do Crédito Público (IGCP), presidido por Alberto Soares, foram dadas ordens de compra num montante global de 1830 milhões de euros, quase duas vezes mais do que o valor em leilão. O interesse nos bilhetes do Tesouro português são sinal de uma maior confiança dos mercados na economia do País, sendo menores os receios de um eventual risco de incumprimento. A taxa de juro média oferecida na colocação foi de 4,52%, um valor ligeiramente acima do juro pago na última emissão de mil milhões, realizada em Março, e em que as obrigações então foram remuneradas a 4,17%.
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ESPANHA CORTA 5% NOS FUNCIONÁRIOS
José Luis Zapatero anunciou ontem um novo programa de redução do défice, que vai atingir quase todos os espanhóis mas para já significa cortes de 5% no ordenado dos funcionários públicos.
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O objectivo é tranquilizar a Comissão Europeia, e os próprios mercados, de que o país está a levar a sério o esforço de consolidação das contas públicas e que se propõe reduzir o défice de 11,2% para 6% em dois anos. Ou seja, menos 65 mil milhões de euros, entre o primeiro e o segundo programa de cortes.
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As medidas ontem anunciadas concentram-se na redução da despesa mais do que no aumento das receitas. Entre as medidas, contam-se ainda o corte no ordenado dos políticos em 15%.
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Espanha necessita de realizar um 'esforço singular e extraordinário' de controlo do défice, apesar dos sinais de recuperação económica, para 'acelerar e intensificar' os planos de consolidação fiscal, afirmou ontem o primeiro ministro espanhol.
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MEDIDAS EXCEPCIONAIS
Pensões Suspensão, em 2011, da revalorização das pensões, excluindo as mínimas.
Reforma Fim do regime transitório para a reforma parcial, em vigor desde 2007.
Filhos Eliminação do cheque-bebé de 2500 euros a partir de janeiro de 2011.
Saúde Adaptação do n.º de unidades das embalagens de medicamentos para ajustar à duração-padrão dos tratamentos.
Apoio Ajuda ao desenvolvimento cairá 600 milhões de euros em 2010 e 2011.
'PROIBIA OUTSOURCINGS', Bagão Félix, Economista
'Proibia, desde logo, todos os outsourcings técnicos. Custam muito e descapitalizam o Estado.'
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'COM PREOCUPAÇÃO', Ismael Gaspar, Gestor da Mota-Engil
'Adiamento de obras é preocupante. Vamos reforçar a presença no mercado internacional.'
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'DAR O EXEMPLO', Rebelo de Sousa, Professor de Direito
'Cortar salários num momento de crise, acho muito bem, os políticos devem dar o exemplo.'
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DISCURSO DIRECTO
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'DOENÇA NÃO SE CURA COM REDUÇÃO DE SALÁRIOS', Bettencourt Picanço, Presidente do STE
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Correio da Manhã – Como vê o aumento do IVA e a criação de um imposto extraordinário sobre os salários para reduzir o défice?
Bettencourt Picanço – No que respeita ao IVA parece-me aceitável e 1% não é um aumento exagerado. Já não posso concordar com um agravamento de IRS para os trabalhadores, porque estes já estão numa situação muito mais degradada do que noutros países europeus que se debatem com problemas semelhantes aos nossos. Isto só vai agravar ainda mais a situação dos trabalhadores .
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– É, também, proposto que as remunerações dos cargos políticos sejam diminuídas em 5%. Concorda ?
– Nós não somos apologistas de que a doença seja curada com reduções de remunerações seja para quem for. Com excepção de alguns casos, os salários destes cargos políticos não são tão exagerados que se justifique uma redução. O que nos parece é que não devem ser todos aqueles que vivem dos seus rendimentos que devem ser chamados uma vez mais a pagar o défice.
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– De que outra forma se pode, então, angariar fundos para fazer descer o défice?
– É preciso alterar a própria estrutura da Função Pública, emendando aquilo que tem sido mal feito. Por exemplo, revendo as Entidades Públicas Empresariais (EPE) que se têm multiplicado. Ainda recentemente foi divulgado que junto de cada Câmara há duas entidades empresariais a fazerem exactamente o mesmo. Os hospitais-empresa que têm sido criados têm dobrado as despesas para o Estado. Portanto, o que há a fazer é cortar naquilo que são despesas.
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– Inclui aí as despesas com subcontratação de serviços?
– Claro, as despesas com o outsourcing e com o recrutamento de trabalhadores temporários para serviços onde os funcionários públicos são colocados na prateleira.
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