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Voltando aos maus tempos
Celso Lungaretti
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O mês é outubro e o ano, 1962. Em todos os países há pessoas com o ouvido colado nos rádios e lançando olhares angustiados para o céu, à beira do pânico.
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Nunca estiveram tão presentes nas mentes e tão opressivas nos corações as imagens dantescas dos genocídios de Hiroshima e Nagasaki. Era concreta a possibilidade de repetição daqueles horrores em escala muito mais ampla.
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É que os EUA, ao obterem provas fotográficas da existência de silos de mísseis soviéticos em Cuba, deram um ultimato à URSS, exigindo sua imediata remoção.
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A União Soviética, inicialmente, não cedeu. Pelo contrário, ao saber que os norte-americanos haviam iniciado um bloqueio naval e aéreo de cuba, despachou uma frota que o tentaria romper.
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Um único disparo e começaria a reação em cadeia! Estava-se a um passo da guerra nuclear entre duas nações que acumulavam poder destrutivo suficiente para exterminar a espécie humana.
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Foram 13 dias que apavoraram o mundo, enquanto se desenvolviam tensas negociações entre os governos de John Kennedy e Nikita Kruschev. Nunca os estadunidenses compraram tanto cimento e tijolo como nesse período em que construíram sofregamente abrigos nucleares em suas casas.
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A histeria coletiva inspirou um episódio magistral da série de TV Além da Imaginação, sobre vizinhos que, ao confraternizarem numa festa, recebem a notícia de que a guerra atômica pode estar começando.
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O único que havia transformado seu porão em abrigo, nele entrincheira-se com a família, negando acesso aos demais, por não haver mantimentos, água e espaço físico para tanta gente.
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Quando os outros estão pondo abaixo a porta, empunhando tacos de beisebol e outras armas improvisadas, chega o desmentido: rebate falso. Mas, suas reações primitivas e egoístas durante a emergência revelara a todos como eles realmente eram, sob o verniz da hipocrisia social.
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KENNEDY, HOLOFOTES
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A crise dos mísseis cubanos terminou com cada lado cedendo um pouco e o mundo suspirando aliviado.
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Os EUA concordaram em, posteriormente e sem alarde, retirarem mísseis similares que haviam instalado na Turquia. Comprometeram-se, ainda, a nunca mais realizarem ou estimularem invasões de Cuba, como a que a CIA e exilados cubanos haviam tentado em abril daquele ano na Baía dos Porcos. Eram estes os acontecimentos que haviam motivado os soviéticos a exibirem também o muque.
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Kruschev, por sua vez, ordenou o desmantelamento dos silos e a retirada dos mísseis, saindo do episódio com uma vitória real (obtivera as contrapartidas desejadas) e uma derrota propagandística, pois concordou em manter secretas as cláusulas que lhe eram favoráveis.
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De quebra, as superpotências decidiram colaborar para que novos sobressaltos fossem evitados, tendo sido instalada uma ligação telefônica direta (o famoso telefone vermelho) entre Kennedy e Kruschev, para que se entendessem antes dos pequenos problemas virarem grandes crises.
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Nos EUA e em grandes capitais européias, houve júbilo incontido. Cidadãos festejavam nas praças e parques, lotavam os bares. Casais redescobriram a atração sexual, estranhos iam para a cama depois de trocarem duas palavras [O número de crianças nascidas nove meses depois foi muito superior ao habitual...].
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A explosão de vida sucedeu aos augúrios de morte. Emblematicamente, a música até então ignorada de quatro jovens de Liverpool decolaria para a consagração mundial, tornando-se a trilha sonora da maior revolução de costumes que o mundo já vivenciou.
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CHERNOBIL: 6,6 MILHÕES
FORAM CONTAMINADOS
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Mas, se diminuiu consideravalmente a ameaça de que a guerra fria entre EUA e URSS se tornasse quente e radioativa, nem por isso a energia atômica deixou de provocar pesadelos e paranóias.
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Em abril de 1986, um acidente nuclear na usina soviética de Chernobil, na Ucrânia, liberou uma nuvem de radioatividade que atingiria a URSS, Europa Oriental, Escandinávia e Reino Unido.
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Grandes áreas da Ucrânia, Bielorrússia e Rússia foram muito contaminadas, expondo 6,6 milhões de pessoas e tornando necessárias a evacuação e reassentamento de aproximadamente 200 mil habitantes.
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A ONU computou 56 mortes decorrentes do acidente na primeira década, estimando que outras 4 mil ainda viriam a ocorrer; o Greenpeace retrucou que esses números eram bem inferiores aos reais. A usina foi desativada.
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Por que estou evocando dois episódios tão deprimentes? Pelo simples motivo de que isso pode acontecer de novo. Está no noticiário:
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* a Coréia do Norte realiza testes nucleares repudiados pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas e vistos com apreensão pela Coréia do Sul e Japão;
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* um vazamento de material radioativo na usina de Angra 2, ocorrido em 15 de maio último, só foi comunicado à população 11 dias depois, com a garantia de que os seis empregados afetados não correm maiores riscos [Houve tempo para se preparar bem a versão tranquilizadora, mas não me surpreenderei se a história estiver sendo malcontada].
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O acidente no reator de Three Mile Island, bem menos grave que o de Chernobil, motivou nos EUA o lançamento da campanha No Nukes, com a participação de músicos famosos como Jackson Browne, Bonnie Raitt e Graham Nash.
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Três décadas depois eles continuam protestando, agora contra um projeto de lei que amplia o estímulo a empreendimentos ligados à energia nuclear.
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É mais do que tempo de fazermos algo semelhante por aqui. A população de Angra dos Reis e municípios próximos seria a primeira a agradecer.
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