Brasil
Em entrevista à Carta Maior, o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, fala sobre as ações para reverter a dependência tecnológica do país em relação à indústria farmacêutica internacional e sobre a política para levar mais medicamentos aos brasileiros. Hoje, 80% do que o país usa produção de medicamentos é importada.
por Jonas Valente – Especial para a Carta Maior
O Ministério da Saúde vem buscando inverter a lógica de favorecimento dos grupos farmacêuticos internacionais em favor da recuperação da soberania tecnológica do país neste setor.
Nos anos 1990, o Brasil exportava mais princípios ativos usados para a fabricação de remédios do que importava. Hoje, 80% do que o país usa produção de medicamentos é importada. É esta realidade que o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, quer mudar. Em sua gestão, especialmente, e desde 2003, vem buscando inverter a lógica de favorecimento dos grupos farmacêuticos internacionais em favor da recuperação da soberania tecnológica do país neste setor.
Em paralelo, Temporão vem apostando nos genéricos e na melhoria das condições de compra de medicamentos pelo governo para ampliar o acesso da população a esses produtos e, ao mesmo tempo, gerar economia para o Estado. Entre 2003 e 2010, o governo federal investiu R$ 6 bilhões em pesquisa e tecnologia no setor. Durante o mesmo período, foram celebradas 17 parcerias entre a União, empresas privadas e laboratórios públicos que possibilitaram o início da fabricação de 22 produtos farmacêuticos. A economia resultante destas medidas vem sendo de R$ 170 milhões ao ano.
Outros R$ 60 milhões foram economizados com o licenciamento compulsório do medicamento Efavirez, usado no tratamento de soropositivos. Diferente do que é dito, esclarece Temporão, esta foi a primeira vez que o governo “quebrou uma patente” na área farmacêutica. “Todo mundo acha que quem quebrou patentes de medicamentos foi o Serra, mas isso é um grosseiro engodo. O Serra não quebrou patente nenhuma. Ele fez uma estratégia inteligente que nós também fazemos: ele ameaçava quebrar as patentes, não quebrava, e conseguia um bom acordo”, diz.
O ministro da Saúde também destaca a política de fortalecimento dos genéricos como um êxito de sua gestão. De 2002 a 2009, este grupo de remédios saiu de uma participação de 5,8% no mercado para 19,2%. A ampliação dos rótulos disponibilizados também é destacado como um feito importante. O número de registros desses medicamentos passou de 213, em 2003, para 2.972 em 2009.
Nesta entrevista à Carta Maior, o ministro da saúde fala sobre as ações para reverter a dependência tecnológica do país em relação à indústria farmacêutica internacional e sobre a política para levar mais medicamentos aos brasileiros.
Carta Maior – Qual é a importância de uma política voltada à produção de medicamentos?
José Gomes Temporão – A questão do acesso aos medicamentos é um dos pontos centrais em qualquer política de saúde. Se você pegar a pesquisa de orçamento das famílias do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística], você tem alguns estudos da Opas [Organização Pan-americana de Saúde] que mostram que no Brasil o peso do desembolso direto com medicamentos onera proporcionalmente mais as famílias de mais baixa renda. Ou seja, tem aí uma questão crucial que é: muitas vezes a pessoa tem acesso à consulta, ao atendimento e depois tem dificuldade de acessar o medicamento. Sempre foi uma preocupação do governo a ampliação do acesso a medicamentos.
Carta Maior – E o que o ministério da saúde está fazendo para democratizar este acesso a medicamentos no país?
José Gomes Temporão: A primeira linha é o que chamamos de farmácia básica, para doenças mais comuns, como hipertensão e diabetes. O Ministério da Saúde repassa um per capita por ano para os municípios e esse per capita se soma ao que o governo estadual e ao que o próprio município coloca. Isso é distribuição gratuita. Como esses medicamentos, na sua grande maioria, são genéricos – ou seja, não estão protegidos por patentes - você tem um grau de competição maior. Como o grau de competição é muito grande, você tem em tese uma competição maior por texto e a nossa estratégia foi descentralizar para os municípios essa compra.
Por outro lado, centralizamos a compra dos medicamentos ou protegidos por patentes, ou cujo mercado tem um grau de concorrência muito baixo, que são mais caros e para doenças crônicas. Quando eu tenho patente, eu tenho monopólio. Com isso a gente começou a comprar melhor. Quando centralizamos no ministério ganhamos escala. Com a Novartis, fizemos um acordo para economizar R$ 450 milhões em dois anos e meio. Isso define um pouco essa estratégia.
Carta Maior – E como os genéricos entram nessa estratégia?
José Gomes Temporão: No mundo inteiro, os países têm políticas de estímulo aos genéricos com o objetivo de reduzir custos. Como ele é muito mais barato do que os medicamentos com patente, você amplia o acesso, reduz custos para o governo, quando ele compra, e para o consumidor, quando ele adquire diretamente. Nessa linha, o programa Farmácia Popular é uma iniciativa fundamental. Numa parceria do ministério com os municípios, essas farmácias vendem 105 produtos a preço de custo, a grande maioria genérico. Há outra modalidade que é o selo “Aqui tem Farmácia Popular”, que é a drogaria do varejo, da rua onde a gente mora, onde você tem medicamentos que o governo paga 90% do custo e o consumidor 10%. Nesses locais, você tem medicamentos para hipertensos, para diabetes, para o colesterol, anticoncepcional, entre outros.
Uma pesquisa feita recentemente mostrou que o segundo programa do governo mais bem avaliado pela população é o Farmácia Popular. Quem gastava R$ 100 por mês em medicamentos agora está gastando R$ 10. Dentro desse programa, o nosso objetivo é ampliar não apenas o número de farmácias mas também a lista de medicamentos envolvidos. Dentro do programa Mais Saúde, queremos chegar a 20 mil pontos até o ano que vem. O mercado de medicamentos está crescendo 15% ao ano, é um dos mais dinâmicos do mundo, e os genéricos evidentemente têm um papel importante nisso.
Carta Maior – E quanto à quebra de patentes? O ministério anunciou o licenciamento compulsório do Efavirez.
José Gomes Temporão: A indústria farmacêutica funciona num tripé: grandes investimentos em pesquisa e inovação, marketing e proteção patentária, que é a estratégia que a indústria tem de obter o retorno dos investimentos realizados. A lei brasileira garante a proteção a patentes por 20 anos. Ao final desse período, perde-se a proteção e cópias desse medicamento podem ser colocadas no mercado na forma de genéricos ou de similares.
Todo mundo acha que quem quebrou patentes de medicamentos foi o Serra, mas isso é um grosseiro engodo. O Serra não quebrou patente nenhuma. Ele fez uma estratégia inteligente que nós também fazemos: ele ameaçava quebrar as patentes, não quebrava, e conseguia um bom acordo. A primeira vez que se quebrou patentes foi no governo do presidente Lula, em maio de 2007 com o coquetel para o tratamento da AIDS Efravirenz. Nós decretamos o licenciamento compulsório, compramos da Índia o genérico e agora produzimos no Brasil por meio da Fiocruz.
O licenciamento compulsório é um instrumento importante, está no acordo TRIPS [tratado que regula as questões de propriedade intelectual em nível internacional], agora ele tem que ser usado com inteligência. Para você fazer o licenciamento compulsório de um produto, você tem que ter acesso a um genérico de qualidade, e nem sempre isso existe. Há medicamentos dos quais você não tem genéricos ainda. Se você não tem capacidade endógena de produzir os princípios ativos do medicamento, você fica numa situação complicada.
Quando quebramos, foi uma sinalização importante que o Brasil tem mercado importante, quer desenvolver esse mercado, quer expandir o acesso mas quer comprar medicamentos dentro do que nós consideramos que seja critério de economicidade que seja de interesse para o governo. Não tem sentido fazer licenciamento compulsório de tudo. Esse acordo que fizemos com a Novartis foi bom, principalmente porque a patente desse medicamento, usado no tratamento da leucemia, ele expira em 2012. Isso não impedirá um outro licenciamento compulsório se isso atender o interesse público. O licenciamento do Efravirenz foi um divisor de águas. Depois dele, fomos procurados por empresas oferecendo desconto voluntariamente.
Carta Maior – E de que forma isso contribui para fortalecer a indústria brasileira de medicamentos?
José Gomes Temporão: No caso do licenciamento compulsório do Efavirenz, usamos uma engenharia interessante, que vai servir para outras experiências. Chamamos um conjunto de empresas privadas que produzem o princípio ativo, que também chamamos de farmoquímicas, elas desenvolveram o princípio ativo, entregam esse material para o laboratório da Fiocruz, que transforma num produto e repassa para o Ministério da Saúde. Tem uma diferença entre a estratégia do genérico no governo FHC e no governo Lula. Quando você coloca como estratégia o lançamento de genéricos no mercado, o que é importante, sem pensar também no domínio da tecnologia da produção de genéricos, você pode estar ao mesmo tempo criando um fenômeno paradoxal: ao mesmo tempo eu coloco o genérico, aumento o preço e reduzo o consumo; mas por outro lado, posso aumentar minha dependência dos princípios ativos que são todos produzidos no exterior.
Com a nossa estratégia de valorizar os princípios ativos produzidos aqui, eu estou criando um fenômeno novo: reduzo preço, amplio o acesso, e fortaleço a indústria brasileira de princípios ativos, que foi destruída durante o governo Collor e durante o período de política neoliberal. O Brasil, nos anos 1990, era superavitário: exportava mais princípios ativos do que importava. E agora 80% de tudo o que o Brasil usa na produção de medicamentos é importada.
Neste momento existem 22 parcerias público-privadas para produção de medicamentos. Estamos fazendo a mesma engenharia que fizemos com o Efavirenz. Eu chamo empresas privadas para desenvolver o princípio ativo, e estabeleço parcerias dessas empresas com laboratórios públicos. O Brasil tem uma rede de laboratórios estatais, entre os quais os mais importantes são: Farmanguinhos, o do governo do estado de Pernambuco, o da Fundação Ezequiel Dias, do estado de Minas Gerais, a FURP do governo do estado de São Paulo, além dos laboratórios das forças armadas. Essas 22 PPPs envolvem compras no valor estimado de R$ 850 milhões de reais, e nós estamos economizando R$ 160 milhões. Ao mesmo tempo estou fortalecendo a capacidade nacional de produzir o princípio ativo, os laboratórios e ampliando acesso da população aos medicamentos, tudo isso usando o poder de compra do Estado. Nós garantimos a compra, então não há risco para as empresas.
Carta Maior - No Distrito Federal, problemas na saúde, inclusive no acesso a medicamentos, derrubaram o secretário da área. Depois de todo esse esforço , há dificuldade de fazer com que os medicamentos cheguem na mão do cidadão?
José Gomes Temporão: Estamos melhorando muito. Você tem décadas de conhecimento. Você tem fábricas que produzem princípios ativos. Tem o gigantesco esforço de produzir o remédio. Aí o remédio está pronto e você não entrega para a população? É injustificável que isso aconteça por uma questão de organização. Isso é grave. Não é nem recurso financeiro, é gestão, é gerência, é o mínimo que o sistema de saúde tem que oferecer. Claro que podem existir problemas eventuais, atrasos na entrega, mas são questões isoladas, e não as reclamações da falta de medicamentos. Não há nenhuma justificativa para isso.
Uma outra coisa são os pacientes que entram na justiça para ter acesso a determinados medicamentos. Isso é uma questão série que estamos enfrentando neste momento. Concluímos 84 novos protocolos que vão nos permitir incluir novos medicamentos. Mas aí tem uma questão de fundo que é a judicialização da saúde. Quando o cidadão procura o judiciário para fazer valer o direito constitucional à saúde, a nossa avaliação é que ao mesmo tempo você tem pleitos justos, tem também tratamentos não validados cientificamente, terapias experimentais, medicamentos não registrados no Brasil, e restrições orçamentárias que impedem a incorporação de remédios.
Nós estamos apostando toda as nossas fichas em um projeto de lei que já foi aprovado no Senado e está na Câmara que estabelece critérios para que a gente rompa de uma vez por todas algo que me parece bem ruim que é estar levando uma questão de saúde pública para o judiciário. Você precisa definir critérios claros de como vai se dar a incorporação de medicamentos à lista dos remédios distribuídos à população. O projeto obriga que periodicamente o governo atualize a sua lista de medicamentos, mas ao mesmo tempo traz critérios a serem observados, como: não pode ser tratamento experimental, tem que estar registrado na Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária]. Ele também prevê a criação de uma estrutura tripartite, governo, médicos e pacientes. A partir de uma avaliação de custos e de efetividade, você toma a decisão se vai incorporar ou não. Acho que essa lei, se aprovada, pode ser uma interessante saída para uma situação que gera desgastes.
Fonte: Carta Maior
.Nos anos 1990, o Brasil exportava mais princípios ativos usados para a fabricação de remédios do que importava. Hoje, 80% do que o país usa produção de medicamentos é importada. É esta realidade que o ministro da Saúde, José Gomes Temporão, quer mudar. Em sua gestão, especialmente, e desde 2003, vem buscando inverter a lógica de favorecimento dos grupos farmacêuticos internacionais em favor da recuperação da soberania tecnológica do país neste setor.
Em paralelo, Temporão vem apostando nos genéricos e na melhoria das condições de compra de medicamentos pelo governo para ampliar o acesso da população a esses produtos e, ao mesmo tempo, gerar economia para o Estado. Entre 2003 e 2010, o governo federal investiu R$ 6 bilhões em pesquisa e tecnologia no setor. Durante o mesmo período, foram celebradas 17 parcerias entre a União, empresas privadas e laboratórios públicos que possibilitaram o início da fabricação de 22 produtos farmacêuticos. A economia resultante destas medidas vem sendo de R$ 170 milhões ao ano.
Outros R$ 60 milhões foram economizados com o licenciamento compulsório do medicamento Efavirez, usado no tratamento de soropositivos. Diferente do que é dito, esclarece Temporão, esta foi a primeira vez que o governo “quebrou uma patente” na área farmacêutica. “Todo mundo acha que quem quebrou patentes de medicamentos foi o Serra, mas isso é um grosseiro engodo. O Serra não quebrou patente nenhuma. Ele fez uma estratégia inteligente que nós também fazemos: ele ameaçava quebrar as patentes, não quebrava, e conseguia um bom acordo”, diz.
O ministro da Saúde também destaca a política de fortalecimento dos genéricos como um êxito de sua gestão. De 2002 a 2009, este grupo de remédios saiu de uma participação de 5,8% no mercado para 19,2%. A ampliação dos rótulos disponibilizados também é destacado como um feito importante. O número de registros desses medicamentos passou de 213, em 2003, para 2.972 em 2009.
Nesta entrevista à Carta Maior, o ministro da saúde fala sobre as ações para reverter a dependência tecnológica do país em relação à indústria farmacêutica internacional e sobre a política para levar mais medicamentos aos brasileiros.
Carta Maior – Qual é a importância de uma política voltada à produção de medicamentos?
José Gomes Temporão – A questão do acesso aos medicamentos é um dos pontos centrais em qualquer política de saúde. Se você pegar a pesquisa de orçamento das famílias do IBGE [Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística], você tem alguns estudos da Opas [Organização Pan-americana de Saúde] que mostram que no Brasil o peso do desembolso direto com medicamentos onera proporcionalmente mais as famílias de mais baixa renda. Ou seja, tem aí uma questão crucial que é: muitas vezes a pessoa tem acesso à consulta, ao atendimento e depois tem dificuldade de acessar o medicamento. Sempre foi uma preocupação do governo a ampliação do acesso a medicamentos.
Carta Maior – E o que o ministério da saúde está fazendo para democratizar este acesso a medicamentos no país?
José Gomes Temporão: A primeira linha é o que chamamos de farmácia básica, para doenças mais comuns, como hipertensão e diabetes. O Ministério da Saúde repassa um per capita por ano para os municípios e esse per capita se soma ao que o governo estadual e ao que o próprio município coloca. Isso é distribuição gratuita. Como esses medicamentos, na sua grande maioria, são genéricos – ou seja, não estão protegidos por patentes - você tem um grau de competição maior. Como o grau de competição é muito grande, você tem em tese uma competição maior por texto e a nossa estratégia foi descentralizar para os municípios essa compra.
Por outro lado, centralizamos a compra dos medicamentos ou protegidos por patentes, ou cujo mercado tem um grau de concorrência muito baixo, que são mais caros e para doenças crônicas. Quando eu tenho patente, eu tenho monopólio. Com isso a gente começou a comprar melhor. Quando centralizamos no ministério ganhamos escala. Com a Novartis, fizemos um acordo para economizar R$ 450 milhões em dois anos e meio. Isso define um pouco essa estratégia.
Carta Maior – E como os genéricos entram nessa estratégia?
José Gomes Temporão: No mundo inteiro, os países têm políticas de estímulo aos genéricos com o objetivo de reduzir custos. Como ele é muito mais barato do que os medicamentos com patente, você amplia o acesso, reduz custos para o governo, quando ele compra, e para o consumidor, quando ele adquire diretamente. Nessa linha, o programa Farmácia Popular é uma iniciativa fundamental. Numa parceria do ministério com os municípios, essas farmácias vendem 105 produtos a preço de custo, a grande maioria genérico. Há outra modalidade que é o selo “Aqui tem Farmácia Popular”, que é a drogaria do varejo, da rua onde a gente mora, onde você tem medicamentos que o governo paga 90% do custo e o consumidor 10%. Nesses locais, você tem medicamentos para hipertensos, para diabetes, para o colesterol, anticoncepcional, entre outros.
Uma pesquisa feita recentemente mostrou que o segundo programa do governo mais bem avaliado pela população é o Farmácia Popular. Quem gastava R$ 100 por mês em medicamentos agora está gastando R$ 10. Dentro desse programa, o nosso objetivo é ampliar não apenas o número de farmácias mas também a lista de medicamentos envolvidos. Dentro do programa Mais Saúde, queremos chegar a 20 mil pontos até o ano que vem. O mercado de medicamentos está crescendo 15% ao ano, é um dos mais dinâmicos do mundo, e os genéricos evidentemente têm um papel importante nisso.
Carta Maior – E quanto à quebra de patentes? O ministério anunciou o licenciamento compulsório do Efavirez.
José Gomes Temporão: A indústria farmacêutica funciona num tripé: grandes investimentos em pesquisa e inovação, marketing e proteção patentária, que é a estratégia que a indústria tem de obter o retorno dos investimentos realizados. A lei brasileira garante a proteção a patentes por 20 anos. Ao final desse período, perde-se a proteção e cópias desse medicamento podem ser colocadas no mercado na forma de genéricos ou de similares.
Todo mundo acha que quem quebrou patentes de medicamentos foi o Serra, mas isso é um grosseiro engodo. O Serra não quebrou patente nenhuma. Ele fez uma estratégia inteligente que nós também fazemos: ele ameaçava quebrar as patentes, não quebrava, e conseguia um bom acordo. A primeira vez que se quebrou patentes foi no governo do presidente Lula, em maio de 2007 com o coquetel para o tratamento da AIDS Efravirenz. Nós decretamos o licenciamento compulsório, compramos da Índia o genérico e agora produzimos no Brasil por meio da Fiocruz.
O licenciamento compulsório é um instrumento importante, está no acordo TRIPS [tratado que regula as questões de propriedade intelectual em nível internacional], agora ele tem que ser usado com inteligência. Para você fazer o licenciamento compulsório de um produto, você tem que ter acesso a um genérico de qualidade, e nem sempre isso existe. Há medicamentos dos quais você não tem genéricos ainda. Se você não tem capacidade endógena de produzir os princípios ativos do medicamento, você fica numa situação complicada.
Quando quebramos, foi uma sinalização importante que o Brasil tem mercado importante, quer desenvolver esse mercado, quer expandir o acesso mas quer comprar medicamentos dentro do que nós consideramos que seja critério de economicidade que seja de interesse para o governo. Não tem sentido fazer licenciamento compulsório de tudo. Esse acordo que fizemos com a Novartis foi bom, principalmente porque a patente desse medicamento, usado no tratamento da leucemia, ele expira em 2012. Isso não impedirá um outro licenciamento compulsório se isso atender o interesse público. O licenciamento do Efravirenz foi um divisor de águas. Depois dele, fomos procurados por empresas oferecendo desconto voluntariamente.
Carta Maior – E de que forma isso contribui para fortalecer a indústria brasileira de medicamentos?
José Gomes Temporão: No caso do licenciamento compulsório do Efavirenz, usamos uma engenharia interessante, que vai servir para outras experiências. Chamamos um conjunto de empresas privadas que produzem o princípio ativo, que também chamamos de farmoquímicas, elas desenvolveram o princípio ativo, entregam esse material para o laboratório da Fiocruz, que transforma num produto e repassa para o Ministério da Saúde. Tem uma diferença entre a estratégia do genérico no governo FHC e no governo Lula. Quando você coloca como estratégia o lançamento de genéricos no mercado, o que é importante, sem pensar também no domínio da tecnologia da produção de genéricos, você pode estar ao mesmo tempo criando um fenômeno paradoxal: ao mesmo tempo eu coloco o genérico, aumento o preço e reduzo o consumo; mas por outro lado, posso aumentar minha dependência dos princípios ativos que são todos produzidos no exterior.
Com a nossa estratégia de valorizar os princípios ativos produzidos aqui, eu estou criando um fenômeno novo: reduzo preço, amplio o acesso, e fortaleço a indústria brasileira de princípios ativos, que foi destruída durante o governo Collor e durante o período de política neoliberal. O Brasil, nos anos 1990, era superavitário: exportava mais princípios ativos do que importava. E agora 80% de tudo o que o Brasil usa na produção de medicamentos é importada.
Neste momento existem 22 parcerias público-privadas para produção de medicamentos. Estamos fazendo a mesma engenharia que fizemos com o Efavirenz. Eu chamo empresas privadas para desenvolver o princípio ativo, e estabeleço parcerias dessas empresas com laboratórios públicos. O Brasil tem uma rede de laboratórios estatais, entre os quais os mais importantes são: Farmanguinhos, o do governo do estado de Pernambuco, o da Fundação Ezequiel Dias, do estado de Minas Gerais, a FURP do governo do estado de São Paulo, além dos laboratórios das forças armadas. Essas 22 PPPs envolvem compras no valor estimado de R$ 850 milhões de reais, e nós estamos economizando R$ 160 milhões. Ao mesmo tempo estou fortalecendo a capacidade nacional de produzir o princípio ativo, os laboratórios e ampliando acesso da população aos medicamentos, tudo isso usando o poder de compra do Estado. Nós garantimos a compra, então não há risco para as empresas.
Carta Maior - No Distrito Federal, problemas na saúde, inclusive no acesso a medicamentos, derrubaram o secretário da área. Depois de todo esse esforço , há dificuldade de fazer com que os medicamentos cheguem na mão do cidadão?
José Gomes Temporão: Estamos melhorando muito. Você tem décadas de conhecimento. Você tem fábricas que produzem princípios ativos. Tem o gigantesco esforço de produzir o remédio. Aí o remédio está pronto e você não entrega para a população? É injustificável que isso aconteça por uma questão de organização. Isso é grave. Não é nem recurso financeiro, é gestão, é gerência, é o mínimo que o sistema de saúde tem que oferecer. Claro que podem existir problemas eventuais, atrasos na entrega, mas são questões isoladas, e não as reclamações da falta de medicamentos. Não há nenhuma justificativa para isso.
Uma outra coisa são os pacientes que entram na justiça para ter acesso a determinados medicamentos. Isso é uma questão série que estamos enfrentando neste momento. Concluímos 84 novos protocolos que vão nos permitir incluir novos medicamentos. Mas aí tem uma questão de fundo que é a judicialização da saúde. Quando o cidadão procura o judiciário para fazer valer o direito constitucional à saúde, a nossa avaliação é que ao mesmo tempo você tem pleitos justos, tem também tratamentos não validados cientificamente, terapias experimentais, medicamentos não registrados no Brasil, e restrições orçamentárias que impedem a incorporação de remédios.
Nós estamos apostando toda as nossas fichas em um projeto de lei que já foi aprovado no Senado e está na Câmara que estabelece critérios para que a gente rompa de uma vez por todas algo que me parece bem ruim que é estar levando uma questão de saúde pública para o judiciário. Você precisa definir critérios claros de como vai se dar a incorporação de medicamentos à lista dos remédios distribuídos à população. O projeto obriga que periodicamente o governo atualize a sua lista de medicamentos, mas ao mesmo tempo traz critérios a serem observados, como: não pode ser tratamento experimental, tem que estar registrado na Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária]. Ele também prevê a criação de uma estrutura tripartite, governo, médicos e pacientes. A partir de uma avaliação de custos e de efetividade, você toma a decisão se vai incorporar ou não. Acho que essa lei, se aprovada, pode ser uma interessante saída para uma situação que gera desgastes.
Fonte: Carta Maior
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