Economia
Há três anos, o capitalismo mundial vive um novo período de crise extensa, grave, profunda, que afetou principalmente os países capitalistas desenvolvidos. O epicentro da crise situa-se nos Estados Unidos, revelando não só as tendências regressivas do capitalismo, como o insofismável fato de que os desequilíbrios da economia estadunidense se irradiam para todo o mundo e provocam uma instabilidade geral.
O presidente do Fed (Federal Reserve, o banco central dos EUA) Ben Bernanke, disse na última quarta-feira (21) que a economia dos Estados Unidos enfrenta perspectivas "atipicamente incertas", assunto analisado aqui por um dos editores do Vermelho, o jornalista Umberto Martins. Nesta sexta, o editor executivo do jornal Valor Econômico, José Roberto Campos, publica artigo revelando mais dados sobre a profundidade da crise nos Estados Unidos. Leia a íntegra:
O Fed encerrou em março seus programas de sustentação do mercado, para ver em seguida a economia desacelerar e o mercado imobiliário desabar. Para quem ainda se lembra dos empréstimos subprime, em que a encrenca começou: a inadimplência atual é de 40% no crédito a taxas flutuantes e de 20% no de taxas fixas. Além disso, a criação de emprego revelou-se insuficiente para reduzir rapidamente a taxa de desemprego, de 9,5%. Sem a melhoria no emprego, a renda não avança, o consumo patina e a economia não sai do lugar.
Os bancos ainda guardam em seus cofres grande quantidade de títulos problemáticos e continuam com perdas significativas. A oferta de crédito recuou nos últimos dois meses, com menos US$ 24 bilhões à disposição dos tomadores. Em maio, a contração foi de 4,2%. E mais do que se lançar em novas dívidas, os americanos estão pagando as velhas. A dívida total das famílias no primeiro trimestre de 2010 foi a menor em seis anos, algo equivalente a 12,5% da renda disponível.
A poupança total (famílias, empresas e governo) é hoje negativa em 2,5% do Produto Interno Bruto e sua composição conta um pouco do passo incerto da recuperação americana. O governo tem poupança negativa de 9% do PIB (o tamanho de seu déficit), enquanto a poupança privada é positiva em 7% do PIB, a maior em dez anos. O investimento em capital fixo é um dos pontos positivos da história, porque cresceu 11,5% no primeiro trimestre. Mas na construção comercial os investimentos caíram 27,5%.
A inflação, medida pela variação dos gastos pessoais de consumo, foi de 0,75% ao ano até maio, ante o dobro disso em 2009. Os preços dos bens que compõem o núcleo do índice diminuíram 1,5% no período. Com os preços em declínio e o alto desemprego, vários membros do Comitê de Política Monetária do Fed apontaram a existência de pressões deflacionárias. Outros, o risco de deflação. Como os rumos não estão claros, Bernanke decidiu proclamar que o BC americano está pronto para dar novos estímulos à economia se ela necessitar disso, sem mencionar a terrível ameaça de uma queda constante dos preços.
O roteiro para evitar a deflação é mais complicado e nele o arsenal disponível tem menor poder de fogo. Há um déficit público gigantesco e pouca esperança de aumento das receitas. A arrecadação federal americana caiu 16,5% no ano fiscal de 2009 (setembro a setembro) e a carga tributária federal atingiu no ano passado 14,5% do PIB, a menor em 60 anos. Até junho, decorridos nove meses do ano fiscal de 2010, as receitas cresceram apenas 0,5%. A dívida bruta americana atingirá no atual ano fiscal 65% do PIB, a maior em 50 anos (a do Brasil, em percentual, é a mesma).
O Fed, com os estímulos, inflou seus ativos para US$ 2,34 trilhões. Novos anabolizantes teriam efeitos provavelmente residuais. O BC cortaria a zero a remuneração das reservas bancárias, para estimular os empréstimos, e compraria mais títulos de hipotecas e outros, para reduzir a nada os juros ao consumo. Nesta altura, a remuneração dos investidores, que já é pequena - 3% em um título do Tesouro de dez anos - encolheria ainda mais. Investidores e consumidores poderiam preferir dinheiro nas mãos, porque as aplicações pouco renderiam e os preços estariam em queda. Para evitar a deflação, restaria, como disse Bernanke em seus estudos sobre a Grande Depressão, a opção derradeira: jogar dinheiro de helicóptero e esperar que alguma inflação aparecesse.
O cenário da deflação é ainda o menos provável, mas que tenha sido ventilado agora, pelo mais importante BC do mundo, é urgentemente profilático: alertar para o que está em jogo. Os governos europeus, e parte do Congresso e opinião pública americanos, tendem a caminhar na rota contrária, a do aperto fiscal, e podem precipitar o indesejável.
O presidente do Banco Central Europeu, Jean Claude Trichet, em artigo ontem no "Financial Times", soltou um brado de guerra diferente do de Bernanke: aumento de impostos e corte de gastos públicos deveriam ser feitos imediatamente nos países desenvolvidos. Números positivos de encomendas e produção na zona do euro, especialmente na Alemanha, levaram Trichet a uma miragem resultante de um desejo - para ele, é melhor resolver o problema dos déficits o mais rápido possível antes que o crescimento deslanche e a inflação venha correndo. O presidente do BCE não tem sido reconhecido exatamente como um homem de visão. Na verdade, perdeu as principais batalhas na quais se envolveu recentemente. Na última delas, teve de fazer o BCE engolir contra a sua vontade títulos soberanos de países sob ataque dos mercados, como a Grécia.
Trichet disse que os estímulos dados em 2009, sob pressão do Fundo Monetário Internacional e EUA, foram um erro. Diante da falsa visão de uma recuperação pujante da economia europeia a curto prazo, é bem possível que daqui a pouco o BCE saia por aí aumentando os juros.
Um alerta soturno de Ben Bernanke
O presidente do Federal Reserve Bank, Ben Bernanke, deu um tom soturno a seu depoimento no Congresso americano esta semana e avisou que as perspectivas para a economia americana raras vezes foram tão incertas. Alan Greenspan, o ex-poderoso chefão do Fed, agora um comum mortal, apontou que a economia "bateu em um muro invisível". A recuperação perdeu força nos EUA e um pouco também no mundo. O fim dos enormes estímulos dados para deter a crise financeira não foi sucedido por um movimento já autoimpelido de crescimento, mas por um recuo, que pode ser temporário ou se transformar em algo pior - deflação. A hipótese consta da ata da última reunião do Fed e é aflitiva. O Fed e outros bancos centrais estão perto do grau zero da política monetária, aquele em que novos estímulos têm poucas chances de dar certo e os juros não podem mais ser reduzidos.O Fed encerrou em março seus programas de sustentação do mercado, para ver em seguida a economia desacelerar e o mercado imobiliário desabar. Para quem ainda se lembra dos empréstimos subprime, em que a encrenca começou: a inadimplência atual é de 40% no crédito a taxas flutuantes e de 20% no de taxas fixas. Além disso, a criação de emprego revelou-se insuficiente para reduzir rapidamente a taxa de desemprego, de 9,5%. Sem a melhoria no emprego, a renda não avança, o consumo patina e a economia não sai do lugar.
Os bancos ainda guardam em seus cofres grande quantidade de títulos problemáticos e continuam com perdas significativas. A oferta de crédito recuou nos últimos dois meses, com menos US$ 24 bilhões à disposição dos tomadores. Em maio, a contração foi de 4,2%. E mais do que se lançar em novas dívidas, os americanos estão pagando as velhas. A dívida total das famílias no primeiro trimestre de 2010 foi a menor em seis anos, algo equivalente a 12,5% da renda disponível.
A poupança total (famílias, empresas e governo) é hoje negativa em 2,5% do Produto Interno Bruto e sua composição conta um pouco do passo incerto da recuperação americana. O governo tem poupança negativa de 9% do PIB (o tamanho de seu déficit), enquanto a poupança privada é positiva em 7% do PIB, a maior em dez anos. O investimento em capital fixo é um dos pontos positivos da história, porque cresceu 11,5% no primeiro trimestre. Mas na construção comercial os investimentos caíram 27,5%.
A inflação, medida pela variação dos gastos pessoais de consumo, foi de 0,75% ao ano até maio, ante o dobro disso em 2009. Os preços dos bens que compõem o núcleo do índice diminuíram 1,5% no período. Com os preços em declínio e o alto desemprego, vários membros do Comitê de Política Monetária do Fed apontaram a existência de pressões deflacionárias. Outros, o risco de deflação. Como os rumos não estão claros, Bernanke decidiu proclamar que o BC americano está pronto para dar novos estímulos à economia se ela necessitar disso, sem mencionar a terrível ameaça de uma queda constante dos preços.
O roteiro para evitar a deflação é mais complicado e nele o arsenal disponível tem menor poder de fogo. Há um déficit público gigantesco e pouca esperança de aumento das receitas. A arrecadação federal americana caiu 16,5% no ano fiscal de 2009 (setembro a setembro) e a carga tributária federal atingiu no ano passado 14,5% do PIB, a menor em 60 anos. Até junho, decorridos nove meses do ano fiscal de 2010, as receitas cresceram apenas 0,5%. A dívida bruta americana atingirá no atual ano fiscal 65% do PIB, a maior em 50 anos (a do Brasil, em percentual, é a mesma).
O Fed, com os estímulos, inflou seus ativos para US$ 2,34 trilhões. Novos anabolizantes teriam efeitos provavelmente residuais. O BC cortaria a zero a remuneração das reservas bancárias, para estimular os empréstimos, e compraria mais títulos de hipotecas e outros, para reduzir a nada os juros ao consumo. Nesta altura, a remuneração dos investidores, que já é pequena - 3% em um título do Tesouro de dez anos - encolheria ainda mais. Investidores e consumidores poderiam preferir dinheiro nas mãos, porque as aplicações pouco renderiam e os preços estariam em queda. Para evitar a deflação, restaria, como disse Bernanke em seus estudos sobre a Grande Depressão, a opção derradeira: jogar dinheiro de helicóptero e esperar que alguma inflação aparecesse.
O cenário da deflação é ainda o menos provável, mas que tenha sido ventilado agora, pelo mais importante BC do mundo, é urgentemente profilático: alertar para o que está em jogo. Os governos europeus, e parte do Congresso e opinião pública americanos, tendem a caminhar na rota contrária, a do aperto fiscal, e podem precipitar o indesejável.
O presidente do Banco Central Europeu, Jean Claude Trichet, em artigo ontem no "Financial Times", soltou um brado de guerra diferente do de Bernanke: aumento de impostos e corte de gastos públicos deveriam ser feitos imediatamente nos países desenvolvidos. Números positivos de encomendas e produção na zona do euro, especialmente na Alemanha, levaram Trichet a uma miragem resultante de um desejo - para ele, é melhor resolver o problema dos déficits o mais rápido possível antes que o crescimento deslanche e a inflação venha correndo. O presidente do BCE não tem sido reconhecido exatamente como um homem de visão. Na verdade, perdeu as principais batalhas na quais se envolveu recentemente. Na última delas, teve de fazer o BCE engolir contra a sua vontade títulos soberanos de países sob ataque dos mercados, como a Grécia.
Trichet disse que os estímulos dados em 2009, sob pressão do Fundo Monetário Internacional e EUA, foram um erro. Diante da falsa visão de uma recuperação pujante da economia europeia a curto prazo, é bem possível que daqui a pouco o BCE saia por aí aumentando os juros.
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