-            John Bellamy Foster e Robert W. Mcchesney           
 
 Com o capitalismo americano atolado  numa crise económica de uma tal severidade que lembra  cada vez mais a Grande Depressão dos anos 30, não é de espantar que haja  por toda a parte apelos a um «novo New Deal».  A nova administração Obama já delineou um vasto programa de estímulo  económico para dois anos, num montante de 850 mil milhões de dólares,  destinado a fazer sair o país da profunda crise.
A possibilidade de um novo New  Deal deverá ser bem acolhida por toda a esquerda uma vez que  promete um certo alívio da forte pressão que pesa sobre a  população trabalhadora. No entanto há importantes questões que se  levantam. Quais são as reais perspectivas de um novo New Deal  nos Estados Unidos hoje? Será esta a resposta à actual crise económica?  Qual deverá ser a posição da esquerda? Uma análise completa a todas  estas questões requereria um grande volume. Limitar-nos-emos aqui a  abordar alguns pontos que ajudam a clarificar os desafios que temos pela  frente.
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O New Deal não foi  inicialmente uma tentativa de estimular a economia e desencadear a  recuperação através da despesa pública, ideia que apenas foi aflorada no  começo da década 30. Pelo contrário, consistiu em medidas ad hocNew  Deal foi destinada a operações de salvamento. Na sua obra A  Política Fiscal e os Ciclos Económicos, de 1941, o economista de  Harvard, Alvin Hansen, um dos primeiros seguidores de Keynes nos Estados  Unidos, explicou:No início, a parte de leão das despesas do New Deal  de salvamento ou de saneamento, que visavam  sobretudo ajudar o mundo dos negócios.  Na sua obra A  Política Fiscal e os Ciclos Económicos, de 1941, o economista de Harvard, Alvin Hansen, um dos primeiros seguidores de Keynes nos EUA, explicou:
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«Em grande parte, o governo federal  [na época do New Deal] empenhou-se num programa de salvamento e  não num programa de expansão positiva. O programa de salvamento tomou a  forma de um refinanciamento da dívida rural e urbana, de uma  reconstrução da enfraquecida estrutura capitalista dos bancos e de um  apoio aos caminhos-de-ferro falidos ou à beira da falência (…) A Reconstruction  Finance Corporation [Sociedade de Financiamento da Reconstrução], a  Home Owner’s Loan Corporation [Sociedade de Empréstimos aos  Proprietários de Casas] e a Farm Credit Administration [Administração  de Crédito às Empresas Agrícolas] despejaram 18 mil milhões de dólares  nestas operações de salvamento. O governo federal por sua vez interveio  para socorrer e apoiar os estados federados e governos locais submetidos  a forte pressão – o que foi novamente uma operação de salvamento (…).
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«A necessidade de um programa de  salvamento de tal magnitude devia-se naturalmente à profundidade sem  precedentes que a depressão tinha atingido no início de 1933 (…). Em  tais circunstâncias, a economia é drenada como uma esponja. Os amplos  gastos do Estado destinados a repor a “esponja” num nível elevado de  prosperidade são, em vez disso, absorvidos pela própria esponja. Os  gastos parecem resultar em desperdício. Isto é uma operação de  salvamento. Só quando a economia volta a estar totalmente fluida é que  os fundos suplementares são capazes de a fazer flutuar em níveis de  rendimentos mais elevados. Uma depressão profunda requer grandes  despesas de salvamento antes que se possa desenvolver um vigoroso  processo de expansão.»1
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O mito das obras públicas
As despesas federais em obras  públicas, que na cultura popular se tornaram quase sinónimo de New  Deal, aumentaram quase todos os anos entre 1929 e 1938 (ver quadro  1). Contudo, as despesas totais do Estado em obras públicas não  retomariam o seu nível de 1929 antes de 1936, devido ao facto de as  reduções de verbas para esta rubrica ao nível dos estados e governos  locais não terem sido compensadas pelos aumentos ao nível federal. Num  primeiro momento, os estados e os governos locais responderam à crise  profunda aumentando as suas despesas em obras públicas. Todavia, ao fim  de dois anos os seus recursos ficaram em grande parte esgotados e as  suas despesas em obras públicas caíram abaixo do nível de 1929. Em 1936,  as despesas dos estados e governos locais representavam menos de metade  do seu nível de 1929. De resto, na maior parte da década da depressão,  como sublinhou Hansen, «o governo federal apenas ajudou a conter a maré  vazante». Não obstante o facto de as despesas federais neste domínio  terem aumentado quase 500 por cento, as despesas totais do Estado em  obras públicas apenas subiram 12 por cento ao longo de todo o período, o  que não é suficiente para poder constituir um grande estímulo ao  conjunto da economia.
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Foi já numa fase tardia da década da  depressão, no que os historiadores chamaram o «segundo New Deal»,  que culminou com a vitória eleitoral esmagadora de Roosevelt em 1936,  que a tónica passou de maneira decisiva das operações de salvamento para  os programas de apoio ao emprego e outras medidas que beneficiaram  directamente a classe operária. Foi a época da Works Progress  Administration (Administração para o Progresso dos Trabalhos – WPA),  sob a direcção de Harry Hopkins, assim como de outros programas e  medidas progressistas, como o subsídio de desemprego, a segurança social  e a Lei Wagner (consagrando o direito jurídico de organização). Estes  progressos foram possíveis graças à grande «revolta de baixo», realizada  pelos trabalhadores organizados nos anos 30.2  A WPA gastou 11 mil milhões de  dólares e empregou 8,5 milhões de pessoas.  Pagou a construção de  estradas, auto-estradas e pontes. Mas fez bem mais  do que isso. O  programa federal dos almoços escolares foi iniciado com  os dólares da WPA.  Na verdade, o que distinguiu a WPA dos outros programas para o  emprego foi o facto de ter contratado pessoas para fazerem coisas que  eram necessárias em todas as áreas da sociedade, em profissões para as  quais estavam já preparadas. A WPA financiou mais de 225 mil  concertos. Pagou a artistas para pintarem murais e a actores para  montarem produções teatrais.3
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Mas nada disto estava conforme com os  posteriores preceitos da economia keynesiana. Mesmo já tardiamente, em  1937, a administração do New Deal de Roosevelt ainda não tinha  renunciado ao seu objectivo de equilibrar o orçamento federal – o  principal intuito do secretário do Tesouro, Henry Morgenthau Jr., mesmo  no pico da Grande Depressão. Assim, foram tomadas medidas drásticas para  reduzir os gastos federais, mediante a redução das despesas nos  orçamentos dos anos fiscais de 1937 e 1938. Entretanto, o novo programa  de segurança social, adoptado em 1935, que se baseava numa tributação  salarial regressiva,4 começou a cobrar  contribuições aos trabalhadores no ano fiscal de 1936, ainda que o  pagamento de pensões de reforma não estivesse previsto ocorrer antes de  1941, o que gerou um efeito deflacionista massivo.5
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A recessão de 37-38
e a «salvação» da guerra
e a «salvação» da guerra
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Estas e outras contradições atingiram  o seu ponto crítico na recessão de 1937-38, durante a qual a  recuperação que vinha a ter lugar desde 1933 foi subitamente travada,  antes da recuperação completa, com o desemprego a disparar de 14 para 19  por cento. E só face à necessidade de contrariar o aprofundamento da  estagnação económica é que a administração Roosevelt foi finalmente  persuadida a pôr de lado decididamente a sua tentativa de equilibrar o  orçamento federal e a adoptar a estratégia preconizada pelo presidente  da Reserva Federal, Marriner Eccles, de recorrer a grandes despesas  públicas e ao financiamento pelo défice para soerguer a economia. Estas  medidas coincidiram com a publicação de Um Programa Económico para a  Democracia Americana, da autoria de Richard V. Gilbert, George H.  Hildebrand Jr., Arthur W. Stuart, Maxine Y. Sweezy, Paul M. Sweezy,  Lorie Tarshis e John D. Wilson – um grupo de jovens economistas de  Harvard e de Tufts, que representava a revolução keynesiana. Este livro  foi um bestseller em Washington e tornou-se de imediato a  fundamentação intelectual, a posteriori, das medidas  expansionistas do New Deal de 1936-39.6  Contudo, as medidas de incentivo adoptadas nesta fase eram demasiado  exíguas para contrariar as condições da depressão que prevaleciam  naquele tempo. O que salvou a economia capitalista foi a Segunda Guerra  Mundial. «A Grande Depressão dos anos 30», escreveu John Kenneth  Galbraith, «nunca chegou ao fim. Desapareceu muito simplesmente na  grande mobilização dos anos 40.»7
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Mas isto levanta outras questões,  como as colocadas em 1966 por Paul Baran e Paul Sweezy no seu Monopoly  Capital: «Porque é que não se verificou um tal aumento [da  despesa pública] durante toda a década de depressão? Porque  é que o New Deal falhou um objectivo que a guerra provou estar  facilmente ao seu alcance? A resposta a estas questões», argumentavam  os autores, «é que, dada a estrutura de poder do capitalismo  monopolista nos Estados Unidos, o aumento [da despesa pública]  estava perto de atingir os seus limites extremos em 1939. As forças que  se opunham ao prosseguimento da expansão eram demasiado fortes para  poderem ser contrariadas.»
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A tese de Baran e Sweezy, de que a  despesa pública civil no final do New Deal «estava perto de  atingir os seus limites extremos», referia-se fundamentalmente às  compras totais não militares do Estado em percentagem do PIB. Este  indicador inclui praticamente todas as contribuições directas do Estado  para o bem-estar da população, abrangendo a educação pública, as  estradas e auto-estradas, a saúde, os serviços de saneamento, água e  electricidade, o comércio, a reabilitação, o lazer, a polícia e a  protecção contra incêndios, os tribunais, as prisões, os serviços  jurídicos, o sector administrativo, etc. Baran e Sweezy afirmaram que o  conjunto destas áreas cruciais do Estado tinha atingido em 1939 a sua  parte máxima do PIB, dada a estrutura de poder do capitalismo  monopolista norte-americano.8
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É notável que a tese de Baran e  Sweezy sobre o limite da despesa pública civil tenha sido confirmada ao  longo de mais de 40 anos após a sua formulação (ver gráfico 1). As  despesas civis de consumo e investimento do Estado, em percentagem do  PIB, cresceram até 14,5 por cento do PIB em 1938 (14,4 por cento em  1939), caindo nos anos 40 devido à enorme expansão dos gastos militares  durante a Segunda Guerra Mundial, e voltaram a ganhar terreno nas  décadas de 50, 60 e princípios da de 70. As despesas civis de consumo e  investimento do Estado atingiram o seu ponto mais alto, 15,5 por cento  do produto nacional, em 1975 (voltando a cair em 1976 para 14,9 por  cento, o segundo nível mais alto), e estabilizando por fim em torno dos  14 por cento desde o final dos anos 70 até ao presente. Em 2007, as  despesas civis de consumo e investimento do Estado representaram 14,6  por cento do PIB, ou seja, quase exactamente o mesmo nível de 1938-39!
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Contradição de interesses
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As razões disto são claras. Para além  de um certo nível mínimo, os interesses imobiliários opõem-se à  habitação pública, os interesses privados na saúde e dos profissionais  da medicina opõem-se ao sistema público de saúde, as companhias de  seguros opõem-se aos programas públicos de segurança social, os  interesses privados na educação opõem-se ao sistema público de educação,  etc. As grandes excepções no âmbito das despesas públicas civis são as  auto-estradas e as prisões, juntamente com os gastos militares. Baran e  Sweezy escreveram:
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«Este ponto pode ser elucidado  analisando-se duas rubricas do orçamento em simultâneo, por exemplo, a  habitação e a saúde. São poucos os que hoje se opõem a um modesto  programa de habitação pública e, naturalmente, todos concordam com  despesas de saúde pelo menos suficientes para controlar doenças  epidémicas. Mas, para lá de um certo ponto, a oposição começa a crescer  em cada caso, primeiro da parte dos interesses imobiliários contra a  habitação pública e da classe médica contra os programas públicos de  cuidados de saúde. Todavia os interesses imobiliários não têm nenhuma  razão particular para se opor aos cuidados de saúde, nem os médicos  razões para se opor à habitação pública. Contudo, uma vez que cada um  deles se opõe a novas despesas no seu próprio domínio, ambos rapidamente  descobrem que é do seu interesse comum unir forças para se oporem  juntos a mais habitação social e mais saúde pública. Assim, a oposição a  cada rubrica individual aumenta mais rapidamente quando duas rubricas  estão a ser consideradas, e aumentará muito mais ainda se estiverem em  causa aumentos a todos os níveis do conjunto do Orçamento do Estado.  Podemos dizer em sentido figurado que se se considerar uma só rubrica a  oposição crescerá proporcionalmente ao valor do aumento, enquanto que se  se considerar todas as rubricas a oposição crescerá proporcionalmente  ao quadrado do aumento.»9
O facto de o limite da despesa  pública no sistema norte-americano constituir uma barreira mais política  do que económica é demonstrado pelos níveis muito diferentes da despesa  pública em percentagem do PIB nos países capitalistas avançados. O  quadro 2 apresenta dados comparativos para os países do G-7 mais a  Suécia relativos a 2007. A despesa pública total (coluna 1) compreende  designadamente: a) as compras directas do Estado, que contribuem  directamente para a procura agregada total e b) as despesas que  redistribuem rendimento e capital dentro da economia, tais como o  pagamento de juros, pagamento de transferências para a segurança social,  subsídios agrícolas e apoios ao investimento.10  As despesas de consumo final público (coluna 2) constituem a maior  componente da parte das compras públicas da coluna 1 e incluem os gastos  para fins militares. As transferências para a segurança social (coluna  3) englobam a totalidade dos esquemas de segurança social que cobrem o  conjunto da comunidade, constituindo a principal fatia das despesas com a  protecção social. Os dados sobre os gastos militares (coluna 4) foram  retirados da Base de Dados dos Gastos Militares do Instituto  Internacional de Investigação para a Paz de Estocolmo (SIPRI) e  referem-se ao ano de 2006. (NB: as colunas 2, 3 e 4 não se somam  à coluna 1, mas apenas mostram componentes seleccionadas desta última.  Algumas das outras alíneas da despesa pública total que não estão  incluídas são a formação de capital, os pagamentos de juros e outros  pagamentos de transferências.)
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Ao examinarmos estes números torna-se  claro que os EUA apresentam o mais baixo consumo final público (que  inclui o consumo militar) em percentagem do PIB e que estão entre os  países que menos gastam com pagamentos de transferências para a  segurança social em percentagem do PIB. Os Estados Unidos são também os  que gastam a maior fatia do seu produto nacional para fins militares. As  despesas de consumo público, excluindo os gastos militares, atingiram  apenas 11,8 por cento do PIB em 2007. É pois evidente que há uma ampla  margem para que os Estados Unidos possam expandir a despesa pública  civil e as transferências para a segurança social. O plafonamento de  tais despesas até determinada percentagem do produto nacional é um dos  reflexos da estrutura de poder da sociedade norte-americana, do nível  relativamente fraco de organização do trabalho e da força relativa do  grande capital. Apesar do seu carácter formalmente democrático, os  Estados Unidos estão firmemente nas mãos de uma oligarquia abastada,  provavelmente a classe dominante mais poderosa da história.
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Tudo isto é inseparável do papel dos  Estados Unidos enquanto potência imperialista e dos efeitos que isso tem  na sua estrutura interna de poder. Segundo o Gabinete de Gestão e  Orçamento (U.S. Office of Management and Budget), os gastos  militares norte-americanos foram de 553 mil milhões de dólares (4 % do  PIB), ao passo que actualmente estes gastos são de um bilião (um milhão  de milhões) de dólares (7,3% do PIB). Em 2007, o consumo federal e as  despesas de investimento, excluindo os gastos militares, de acordo com o  Gabinete de Análise Económica, representaram menos de metade do consumo  federal e das despesas de investimento no sector militar.11
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A ameaça da III Guerra
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A nossa conclusão é por conseguinte  simples. Dado que o tecto político da despesa pública civil, em  percentagem do PIB, persiste há mais de sete décadas nos EUA, e apesar  da existência de uma administração relativamente progressista e de  vivermos a pior crise económica desde a Grande Depressão, não é provável  que tal possa ser alterado sem uma luta de massas, uma luta efectiva de  transformação social. Mesmo a maior crise ambiental da história da  civilização, que ameaça a vida em todo o planeta, não terá uma resposta  suficientemente vigorosa por parte do governo sem que o sistema  norte-americano sofra uma reviravolta. As forças que controlam a despesa  pública civil são demasiado poderosas para ceder a qualquer outra coisa  que não seja uma grande convulsão no seio da sociedade.
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Naturalmente, a história do  capitalismo americano depois da Segunda Guerra mundial poderá sugerir  que o recurso mais provável dos que estão no poder, numa conjuntura tão  grave como a que vivemos, será tentar estimular a economia através de um  aumento extraordinário dos gastos militares. O facto de a administração  Obama já ter anunciado a intenção de manter o actual orçamento militar e  intensificar a guerra no Afeganistão apenas reforça esta preocupação.12  Torna-se pois imperativo que a esquerda redobre de esforços para se  opor ao militarismo e reclamar que os recursos sejam empregues para  fins civis.
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Simultaneamente, a ideia de que nas  presentes circunstâncias as despesas militares podem fornecer um  estímulo económico efectivo é posta em dúvida mesmo em círculos da  classe dominante. Desde logo porque os gastos militares dos EUA estão já  ao nível de uma guerra aberta, representando metade (ou mais) das  despesas militares mundiais. Teríamos de remontar à Roma antiga para  encontrar uma situação comparável de dominação militar. A situação não é  comparável à de 1939-1941, altura em que as despesas militares dos EUA  cresceram virtualmente a partir do zero. Duplicar ou triplicar as  despesas militares na actual situação significaria que os Estados Unidos  deveriam gastar duas ou três vezes mais do que o resto do planeta em  guerras e em preparativos de guerra (presumindo que as outras nações  manteriam o actual nível dos seus gastos militares). Politicamente isso  seria difícil, tanto no plano internacional, dado que as outras grandes  potências com as quais os Estados Unidos têm de trabalhar já estão  alarmadas com o unilateralismo dos EUA, como no plano interno, onde até  os submissos media norte-americanos teriam dificuldades em  explicar a racionalidade de um direccionamento ainda maior da economia  para o militarismo num momento em a qualidade de vida se desmorona.
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Mas o mais importante é talvez o  facto de que a tese segundo a qual o aumento das despesas militares  estimularia eficazmente o equilíbrio da economia está a ser rejeitada  pelos economistas, mesmo os da corrente dominante, que sublinham que  aumentos marginais das despesas com a «defesa» têm um impacto muito  menos positivo sobre o emprego do que a maioria da despesa civil  pública, dada a natureza altamente tecnológica-intensiva dos gastos  militares modernos e o facto de uma grande parte das aquisições ser  efectuada no estrangeiro.
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Deste modo, o principal impacto de  uma duplicação das despesas militares americanas seria o aumento  considerável da probabilidade de ocorrência de guerras maiores e mais  alargadas e da destruição da civilização humana. Como escreveu C. Wright  Mills, «a causa imediata da Terceira Guerra mundial é a sua preparação  militar».13 Até membros da classe  dominante poderão hesitar em face da ameaça de um recurso crescente à  guerra e aos preparativos da guerra na era da proliferação nuclear.
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Se nós estivermos certos neste ponto,  como esperarmos estar, o aumento da despesa pública como resposta à  crise actual incidirá principalmente na expansão das despesas civis.  Inicialmente, tais despesas destinar-se-ão prioritariamente a operações  de salvamento ou de saneamento. Esses esforços cruciais para o capital  serão legitimados por programas de obras públicas mais pequenos  dirigidos à população de mais baixos recursos. Os aumentos da despesa  pública, no seu conjunto, serão em grande parte concebidos mais como  medidas temporárias de alavancagem da economia do que como um  alargamento permanente da intervenção do Estado. Mesmo que os aumentos  da despesa federal venham a pesar fortemente em termos orçamentais, é  pouco provável que fiquem perto de poder compensar o declínio do  consumo, do investimento e da despesa dos estados e governos locais.  Dado que o conjunto da economia está a ser espremido como uma esponja,  uma boa parte da despesa pública, que deveria repor a esponja a flutuar, em  níveis mais elevados de rendimento, será, pelo contrário, absorvida pela própria  esponja, como sucedeu nos anos 30, produzindo efeitos muito pouco  visíveis. Consequentemente, a recuperação será lenta e a economia, já  profundamente atolada em problemas de estagnação e de solvabilidade  financeira, continuará enfraquecida.14
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A necessidade da luta de  massas
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Um regresso ao tipo de programas  sociais associados ao New Deal, o autêntico ou o  segundo New Deal, a verificar-se, só será expectável mais  tarde, depois do esforço inicial de salvamento. Além disso, é improvável  que tal venha a concretizar-se numa extensão considerável caso não haja  uma revolta de baixo, numa escala pelo menos tão grande como a de  meados dos anos 30. O movimento laboral tem mais uma vez de renascer das  cinzas. Só uma mudança radical nas políticas do EUA, resultante de um  amplo levantamento da base, será capaz de deslocar sensivelmente o tecto  da despesa pública.
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Nestas circunstâncias, a  responsabilidade específica da esquerda consiste em impulsionar não  apenas a organização militante da população mais desfavorecida mas  também o tipo de mudanças que vão contra a lógica do sistema e  assentem numa maior intervenção do Estado, de forma a poderem contribuir  para uma melhoria substancial das condições dos mais desfavorecidos.  (...)
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Naturalmente que, dada a actual  estrutura de poder da sociedade norte-americana e o plafonamento durante  sete décadas das despesas públicas civis em percentagem do PIB, tudo  isto pode parecer castelos no ar. E a nossa mensagem é de que assim é de  facto, a menos que a estrutura de poder da sociedade americana seja  modificada. Só um movimento de reforma, tão radical que pareceria  revolucionário no contexto da actual ordem económica e social americana,  reduzindo fundamentalmente o campo de acção do mercado capitalista,  teria alguma hipótese de melhorar substancialmente as condições da  maioria da população. É inútil dizer que para uma tal luta ter êxito as  pessoas precisam de estar conscientes da realidade para lutarem por  aquilo que mudará materialmente as suas vidas.
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Estas conquistas só poderão ser  alcançadas através de uma enorme luta de classes feita a partir da base.  Em caso de vitória, sublinhamos, os ganhos obtidos não terão contudo  eliminado os males do capitalismo nem os perigos que ele representa para  os povos do mundo. No fim de contas, não há uma verdadeira resposta que  não seja o desmantelamento tijolo a tijolo do próprio sistema  capitalista e a reconstrução de toda a sociedade nos princípios  socialistas. É uma coisa que a grande maioria da população aprenderá sem  qualquer dúvida no decurso das suas lutas por um mundo mais igual, mais  humano, mais colectivo e mais sustentável. Entretanto, é tempo de  iniciar a organização de uma revolta contra o plafonamento imposto pela  classe dirigente à despesa pública civil e pela protecção social na  sociedade americana. 
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Notas:
Tradução e adaptação, título,  subtítulos da responsabilidade da redacção do Avante!. O original em inglês foi publicado sob o título «A New New  Deal under Obama?», na revista Monthly  Review, em Fevereiro de  2009, e está disponível em (http://www.monthlyreview.org/090201foster-mcchesney.php). 
John Bellamy Foster é redactor-chefe de Monthly Review e professor de Sociologia na Universidade de  Oregon.
Robert W. McChesney é professor no departamento de Comunicação da  Universidade de Illinois em Urbana-Champagne. 
1 Alvin H. Hansen, Fiscal Policy and Business Cycles, Nova Iorque: W.W. Norton, 1941, pp. 85-87.
2 David Milton, The Politics of Labor: From the Great Depression to the New  Deal, Nova Iorque: Monthly  Review Press, 1982.
3 Harry Magdoff e Paul M. Sweezy, «The  Responsibility of the Left », Monthly  Review 34, n.º 7 (Dezembro  de 1982), p. 6-9; Nick Taylor, American-Made, New York: Bantam, 2008; «FDR’s New Deal  Blueprint for Obama», CBS News, 14 de Dezembro de 2008, http://www.  cbsnews.com.
4 Ao contrário dos impostos progressivos, que  aumentam proporcionalmente ao aumento do rendimento tributável, os  impostos ou tributações regressivos diminuem proporcionalmente ao  aumento do rendimento tributável, com o objectivo de beneficiar os altos  rendimentos. (N.R.)
5 Allan H. Meltzer, A History of the Federal Reserve, vol. 1, Chicago: University of Chicago  Press, 2003, p. 521; Dean L. May, From  New Deal to New Economics,  New York: Garland, 1981, p. 91-113, 122; Hansen, Fiscal Policy and Business Cycles, p. 88. A segurança social passou para o sistema de repartição em parte  devido ao feito da recessão de 1937.
6 May, From New Deal to New Economics, p. 147-48; John Kenneth Galbraith, Money:  Whence It Came, Where it Went, Boston: Houghton Mifflin, 1995, p. 232-36;  Richard V. Gilbert, George H. Hildebrand, Jr., Arthur W. Stuart, Maxine  Y. Sweezy, Paul M. Sweezy, Lorrie Tarshis e John D. Wilson, An Economic Program for American  Democracy, Nova Iorque:  Vanguard Press, 1938. Outros  autores do An Economic  Program for American Democracy não assinaram o livro por razões diversas, designadamente por  receio de perderem o emprego, caso de Alan Sweezy e Emile Despres. Interview of Paul M. Sweezy, The  Coming of Keynesianism to America, sob a direcção de David C. Collander e Harry Landreth,  Brookfield, Vermont: Edward Elgar, 1996, p. 81.
7 John Kenneth Galbraith, American Capitalism, Boston: Houghton Mifflin,  1952, p. 69.
8 Paul A. Baran e Paul M. Sweezy, Monopoly Capital, Nova Iorque: Monthly Review Press, 1966, pp.  151-61.
9 Baran e Sweezy, Monopoly Capital, p. 164.
10 Estas duas categorias de despesas  governamentais são designadas como despesas exaustivas e não exaustivas.  A este propósito, ver Francis M. Bator, A Question of Government Spending, Nova Iorque: Collier Books, 1960, pp. 17-46.  Sobre a construção das contas da OCDE, ver François Lequiller e Derek  Blades, Understanding  National Accounts, Paris:  Organização Para a Cooperação e Desenvolvimento Económico, 2006.
11 Ver John Bellamy Foster, Hannah Holleman e  Robert W. McChesney, «The U.S. Imperial Triangle and Military Spending»,  Monthly Review, 60, n.º 5, de Outubro de 2008, pp. 9-10,  Bureau of Economic Analysis, National Income and Product Accounts,  quadros 3.1, 3.2.
12 «A Fighter Jet’s Fate Poses a Quandary for  Obama», New York Times, de 10 Dezembro de 2008.
13 C. Wright Mills, The Causes of World War Three, Nova Iorque, Simon & Schuster, 1958, p.  85.
14 Deve notar-se que os restantes países do G-7  (e a Suécia) aqui referidos estão confrontados com problemas análogos,  partindo de níveis mais elevados de despesa pública em percentagem do  PIB. Estão também presos na armadilha da estagnação e poderiam recorrer  ao aumento da despesa pública para dinamizar as suas economias, mas são  controlados por poderosas forças de classe no topo da sociedade, que  limitam a magnitude e a direcção dessa despesa.
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N.º 1910
8.Julho.2010 - Avante
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