Saldos dos salários
Nos  últimos meses, desde que a crise do euro colocou em causa a posição de  Portugal, muitos economistas, nacionais ou estrangeiros, propuseram uma  magnífica cura para todos os nossos males: descer os salários nacionais.
- 0h30 - 2010.07.21
Alguns  falam em 10 por cento, outros em 15, e outros, mais afoitos, chegam a  falar em 20 ou mesmo 30 por cento. A lógica desta "medida" é de uma  simplicidade encantadora: como a produtividade dos portugueses não  cresce, e já não é possível desvalorizar a moeda, então a única forma de  sermos competitivos é uma descida geral dos salários, para tornar toda a  nossa economia, mais… ups, está-me a faltar a palavra, é isso,  "competitiva"!
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Quando ouço essas luminárias a  propor semelhante remédio para a nossa doença, desconfio logo de que se  trata, certamente, de pessoas bem pagas. Se eu ganhar 20 ou 30 mil  euros, descer os salários em 2 ou 3 mil euritos não vai mudar muito a  minha vida. Contudo, se eu ganhar mil euros, ou seiscentos, perder 20  por cento do meu salário é capaz de já me fazer muita diferença, não é  verdade?
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Mas, esqueçamos por uns segundos os  rendimentos das luminárias, e examinemos o que cada um de nós faria com  menos 20 por cento do salário. A maioria dos portugueses, além de vir  para a rua furioso em manifestações (o que até podia ser divertido), só  tinha uma coisa a fazer: cortava nas suas despesas. Fazia menos compras  nos supermercados, em gasolina, em despesas domésticas e familiares,  etc., etc. Ou seja, o efeito combinado de milhões de portugueses a  baixarem as suas despesas provocava uma tremenda recessão no consumo. E,  como se tratava de uma medida permanente, na verdade descíamos todos  para um patamar abaixo, para sempre. Para agravar ainda mais o cenário,  convém lembrar que as nossas dívidas não baixavam 20 por cento, e  teríamos de continuar a pagá-las, desse por onde desse. 
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Exportaríamos  mais, com essa queda nos salários? É duvidoso, pois não é garantido que  os preços das exportações descessem 20 por cento, nem que os  estrangeiros nos comprassem mais só por causa disso. Os saldos salariais  são pois uma ideia idiota, saída de cérebros desprovidos de qualquer  preocupação social. São uma ideia desesperada, de quem se recusa a  reconhecer a evidência de que o euro, com as regras que tem, teve  efeitos nefastos em Portugal. Infelizmente, é sempre mais fácil negar a  realidade com truques de ilusionistas do que enfrentá-la.
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