A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

domingo, abril 29, 2007

Bento de Jesus Caraça (1901-1948)

Bento de Jesus Caraça nasceu em Vila Viçosa a 18 de Abril de 1901. Era filho dos trabalhadores rurais João António Caraça e Domingas da Conceição Espadinha. Revelou desde muito cedo uma grande capacidade e rapidez de aprendizagem que fizeram com que os seus estudos fossem apoiados pela família Albuquerque, de quem o pai de Caraça era feitor, em Vila Viçosa. Completou a sua instrução primária em 1911, tendo ido então para o Liceu de Sá da Bandeira, em Santarém, Aos 13 anos mudou-se para Lisboa, onde concluiu os seus estudos do ensino secundário em 1918, no Liceu Pedro Nunes.


Matriculou-se em 1918 no Instituto Superior de Comércio, posteriormente designado Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (I.S.C.E.F.), actual Instituto Superior de Economia e Gestão (I.S.E.G.). Concluiu a licenciatura em 1923. Entretanto, a partir de 1919, era 2º assistente do 1º grupo de cadeiras do ISCEF. Terminada a licenciatura em 1923, foi nomeado 1º assistente em 13 de Dezembro de 1924, tendo no ano lectivo de 1924-1925 regido a cadeira de «Matemáticas Superiores - Análise Infinitesimal, Cálculo das Probabilidades e suas Aplicações». Em 1927 foi nomeado professor extraordinário e, em 28 de Dezembro de 1930, foi nomeado professor catedrático da cadeira de «Matemáticas Superiores - Álgebra Superior. Princípios de Análise Infinitesimal. Geometria Analítica». Manteve a regência desta cadeira até à sua demissão compulsiva em 7 de Outubro de 1946.


A par da sua carreira académica, Bento Caraça desenvolveu uma intensa actividade política em acções contra o regime ditatorial de Oliveira Salazar (1889-1970), quer a nível clandestino, quer em movimentos legais e semi-legais. Foi membro da Liga Portuguesa contra a Guerra e o Fascismo, criada em 1934, do Movimento de Unidade Anti-Fascista (MUNAF), de que foi fundador em 1943, e do Movimento de Unidade Democrática (MUD), fazendo parte da sua comissão central em 1945. Em Setembro de 1946 foi-lhe instaurado um processo disciplinar pelo Ministro da Educação, na sequência da assinatura de um manifesto contra a admissão de Portugal na ONU. Em seguida foi expulso da cátedra universitária, sendo-lhe proibida a docência, no ensino público ou privado. Em Outubro desse ano foi preso pela Polícia Internacional e de Defesa do Estado (PIDE), o que aconteceu de novo em Dezembro. Em 1948 foi preso pela terceira vez, juntamente com outros membros do MUD, que entretanto foi proibido. Interveio activamente na preparação da candidatura de Norton de Matos (1867-1955) à Presidência da República e em 25 de Junho morreu em sua casa.


Actividade Científica e Pedagógica


Bento de Jesus Caraça integrou o Conselho Administrativo da Universidade Popular Portuguesa desde a sua fundação em 1919, tendo assumido a sua presidência em Dezembro de 1928. Nesta Universidade reorganizou a biblioteca, criou um Conselho Pedagógico e fez várias conferências e cursos, entre os quais se podem destacar: “Curso de Comércio e Finanças”, em 1922; “Curso de Iniciação Matemática”, em 1931; conferência “As Universidades Populares e a Cultura” na Universidade Popular de Setúbal, em 1931; conferência “As bases fundamentais da Matemática, em 1931; conferência “A Cultura Integral do Indivíduo – Problema central do nosso tempo”, em 1933; conferência “A Arte e a Cultura Popular”, em 1936; conferência “Rabindranath Tagore”, em 1939; conferência “Leonardo da Vinci”, em 1943. Para além desta actividade na Universidade Popular, efectuou diversas conferências noutros organismos, entre as quais se destacam: “A Escola Única”, na Sociedade de Estudos Pedagógicos em 1935; “Aspectos do Conceito do Infinito”, no Centro de Estudos de Matemática da Faculdade de Ciências do Porto, em 1942; “Algumas reflexões sobre a Arte”, na Casa do Alentejo em 1943.


Em 1938 propôs ao Conselho Escolar do ISCEF, com os professores Mira Fernandes e Beirão da Veiga, a criação do Centro de Estudos de Matemáticas Aplicadas à Economia. Foi eleito director deste Centro até à sua extinção, em 1946. Este Centro foi o primeiro centro de estudos de Matemática fundado em Portugal, tendo promovido a realização de vários cursos e séries de conferências e colóquios. Através da actividade desenvolvida pelo Centro, incluindo o apoio a bolseiros e a participação em congressos, pretendia Bento Caraça combater o isolamento científico português.


Foi um dos fundadores da Sociedade Portuguesa de Matemática (S. P. M.), em Dezembro de 1940, sendo eleito Presidente na sua segunda direcção, em 1943, substituindo o professor Mira Fernandes. Foi eleito Delegado da SPM aos congressos da Associação Luso-Espanhola para o Progresso das Ciências, em 1942 e 1944. Criou e orientou a Comissão Pedagógica, organismo da SPM.


Fundou a Gazeta de Matemática em 1940, com os professores António Aniceto Monteiro (1907-1980), Hugo Ribeiro (1910-1988), José da Silva Paulo e Manuel Zaluar Nunes. Nesta publicação ficou responsável pela secção “Pedagogia”.


Em 1941 fundou a “Biblioteca Cosmos”, de que foi o único director, cujas publicações, num total de 114 títulos e 793 500 exemplares (tiragem média por livro de 6960 exs.), tiveram um grande sucesso. Nesta colecção publicou o seu livro Conceitos Fundamentais da Matemática, obra que constitui um marco importante na forma de abordagem da história da matemática e um exemplo de divulgação da matemática a um público não especializado. Esta obra continua a ser uma referência para quem se quiser iniciar nos aspectos técnicos, históricos e filosóficos desta ciência.


No campo do ensino e da investigação matemática destacam-se as obras: Interpolação e Integração Numérica (1933), Lições de Álgebra e Análise (1935), e Cálculo Vectorial (1937). Nas palavras de José Sebastião e Silva (1914-1972), “[Caraça] não foi um investigador, isto é, não foi um criador de ciência. E como poderia sê-lo, tendo sido nomeado assistente aos 18 anos (!) e professor catedrático aos 28, numa Escola da Universidade Técnica, onde grande parte da massa discente entrava com uma preparação deficientíssima em matemática? O que devemos admirar, sim, é o seu esforço de autodidacta, as suas invulgares qualidades de trabalho, de que as «Lições de Álgebra e Análise» são um dos frutos. E sinto-me inclinado a admitir que, sob esse aspecto, a sua actividade foi realmente criadora; isto é, sou levado a pensar que Bento Caraça criou, efectivamente, um estilo de ensino da matemática, de que eu próprio sou beneficiário.” (Diário de Lisboa, 25 de Junho de 1968). Foi um matemático humanista, que procurou humanizar o ensino da matemática, procurando integrá-lo no complexo cultural da sua época e tornando-o fascinante. Ainda segundo Sebastião e Silva, na juventude de Bento de Jesus Caraça não havia em Portugal uma escola de investigação matemática, “havia, quando muito, casos isolados de matemáticos investigadores. Um desses casos excepcionais foi Mira Fernandes, mestre e grande amigo de Caraça.” (Diário de Lisboa, 25 de Junho de 1968). Sebastião e Silva considerava que Caraça tinha sido influenciado pela escola matemática italiana, nomeadamente em duas ideias directrizes da sua obra: as suas preocupações de historicismo e as suas tentativas de interpretação do desenvolvimento científico pelo método dialéctico. A sua obra Lições de Álgebra e Análise, editada em 1935 e revista em 1945, provocou um grande impacto entre os estudantes da época, uma vez que apresentava a matemática com uma linguagem nova. A teoria analítica dos números era tratada de forma cativante e clara.


Publicações

“Sobre a intervenção do primeiro princípio de substituição dos infinitésimos no estabelecimento de algumas fórmulas fundamentais do Cálculo Diferencial”, Revista do Instituto Superior de Comércio de Lisboa, Lisboa, 12 (20), Março de 1929.

“Sobre a aplicação de um grupo de fórmulas do Cálculo de Probabilidades na teoria dos Seguros de Vida”, Revista do Instituto Superior de Comércio de Lisboa, Lisboa, 13 (23), Abril de 1930.

“A Vida e Obra de Evaristo Galois” , Economia e Finanças, Lisboa, 2 (2), Abril 1932.

“Interpolação e integração numerica”, Revista do Instituto Superior de Comércio de Lisboa, Lisboa, 12 (24,25), Julho-Outubro de 1930, continua em Economia e Finanças, Lisboa, 2 (2, 3), Abril-Outubro de 1932.

“A luta contra a guerra”, Liberdade, Lisboa, 5 (181-182), Novembro de 1932.

“Primeira lição de um curso de Álgebra Superior”, Técnica, Lisboa, 47, Dezembro de 1932.

Globo, [semanário de que se publicaram apenas dois números], direcção, com José Rodrigues Miguéis.

“O único remédio”, Liberdade, Lisboa, 5 (206-207), Maio de 1933.

“A Cultura Integral do Indivíduo” problema central do nosso tempo”, Lisboa, Edições Mocidade Livre, 1933.

“Galileu Galilei, Valor Científico e Valor Moral da sua Obra”, Seara Nova, Lisboa, 12 (353, 354, 358, 360), Agosto-Setembro de 1933. Separata.

Lições de Álgebra e Análise, Lisboa, Oficinas Gráficas do I. S. C. E. F. e Sá da Costa, 1935-40, 2 vols.

“Crítica Científica. Ciências fisico-matematicas”, Seara Nova, Lisboa, 15 (463), Janeiro de 1936.

“A Arte e a Cultura Popular”, in REYS; Emma Romero Santos Fonseca da Câmara, Divulgação Musical, vol. 3, Lisboa, Imp. na Tip. da Seara Nova, 1936.

“Um dobre a finados”, O Diabo, Lisboa, 3 (105), Junho 1936.

“Organização Escolar”, Manifesto, Coimbra, 3, Julho 1936.

Cálculo vectorial, Lisboa, Publicações do Núcleo de Matemática, Física e Química, 1937, 1 vol.

“«A evolução da Física» de Albert Einstein e Leopold Infeld”, O Diabo, Lisboa, 5 (223), Dezembro 1938.

“Rebindranath Tagore”, Seara Nova, Lisboa, 18 (607, 608, 609), Abril 1939.

Conceitos Fundamentais da Matemática, Lisboa, Cosmos, 1941-1942, 2 vols.

Finalmente, inspirou e colaborou no primeiro número da inovadora Revista de Economia, que veio a público em Março de 1948, ano da sua morte. Publicou ainda outros textos em vários jornais e revistas da época, tais como Seara Nova, Vértice, Diabo, Liberdade, e República, bem como na Gazeta Matemática, desde o primeiro número, em 1940, até 1948.

Fernando Reis

Bibliografia

Gazeta de Matemática, Lisboa, vol. 141, Julho 2001.

NASCIMENTO, Ulpiano, “Caraça, Bento de Jesus”, in BARRETO, António; MÓNICA, Maria Filomena, Dicionário de História de Portugal, Porto, Figueirinhas, 1999, vol. VII, pp. 230-231.

PITA, António Pedro, “Para Situar a Filosofia da Cultura de Bento de Jesus Caraça”, Revista da Universidade de Coimbra, Coimbra, vol. XXXVII, 1992, pp. 112-127.

RESENDE, Jorge, “Bento de Jesus Caraça O Matemático e Lutador”, O Militante, 253, Julho/Agosto 2001.

SEBASTIÃO E SILVA, J., “Bento Caraça e o ensino da Matemática em Portugal”, Diário de Lisboa, 25 de Junho de 1968.

Universidade Popular de Setúbal, Conferências de Homenagem a Bento de Jesus Caraça, anos de 1981, 1996, 1997 e 1998, Setúbal, Universidade Popular de Setúbal, 1998.

Vértice, Revista de Cultura e Arte, Coimbra, Vol. XXVIII, 301-302-303, Out-Nov-Dez., 1968.

Vértice, Revista de Cultura e Arte, Coimbra, Vol. XXXVIII, 412-413-414, Set-Out-Nov., 1978.

Apontadores

Bento de Jesus Caraça, 1901/2001 – Um pensamento e uma Obra para o Novo Século
Bento de Jesus Caraça - Fundação Mário Soares
Vidas Lusófonas – Bento de Jesus Caraça
Bento de Jesus Caraça
Dicionário de Filosofia – Bento de Jesus Caraça
Centenário do nascimento de Bento de Jesus Caraça (1901-2001)
Sociedade Portuguesa de Matemática
Para a História da Sociedade Portuguesa de Matemática


in

http://www.instituto-camoes.pt/cvc/ciencia/p19.html


Um dossier sobre Bento de Jesus Caraça pode ser encontrado em:

http://www.pcp.pt/index.php?option=com_content&task=view&id=186&Itemid=116

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