Começou mal o mandato do novo secretário-geral da ONU: Ban Ki Moon
Em Bruxelas, primeiro destino da sua tournée internacional inaugural, o responsável da ONU encontrou-se na última semana de Janeiro com os máximos representantes da UE e da NATO, não enjeitando a oportunidade para enfatizar a importância da cooperação da ONU com ambas as organizações supranacionais. São particularmente graves as suas afirmações após se reunir com Jaap de Hoop Scheffer, secretário-geral da NATO. Agradecendo o contributo da NATO «para a paz e estabilidade (…) no Afeganistão, Kosovo ou em África, em estreita coordenação com a ONU (…)» e asseverando que «falamos a uma só voz» (RIA Novosti, 24.01.07), Ki Moon destacou como «objectivos comuns» das duas organizações «a paz, a segurança, a prosperidade e a protecção dos direitos humanos no mundo» e anunciou que «estamos muito comprometidos em trabalhar muito estreitamente no futuro» (EFE, 24.01.07).
Ainda antes da viagem, o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros sul-coreano que sucedeu a Kofi Annan, já dera mostras do seu cunho, ao defender a diminuição do estatuto do departamento de Desarmamento da organização, e provocar uma reacção negativa do Movimento dos Não Alinhados.
Estranhamente, tão ostensivas e escandalosas declarações passaram quase «clandestinas» na generalidade dos media. E, no entanto, raras vezes um secretário-geral das Nações Unidas terá ido tão longe na assunção do papel instrumental da organização ao serviço da projecção de uma nova arquitectura mundial imperialista, à medida das necessidades e interesses do grande Capital e das potências dominantes.
Impõe-se pois a pergunta: será que Ban Ki Moon se esqueceu que na base dos processos de «cooperação» que enaltece estão a humilhação da organização a que preside, a brutal violação da Carta da ONU e dos seus princípios básicos por parte da política dos EUA, da NATO e UE, e que essa sim é uma das causas principais da grave situação humanitária e de «segurança» existente? Veja-se o Kosovo, onde precisamente nestes dias a NATO se apressou a aplaudir o plano do representante da ONU, Ahtisaari, que não só eterniza a presença da força militar (KFOR) estacionada no protectorado como delega a tutela política deste na UE, através de um representante com poderes discricionários. Que a leonina e arquimoderna fórmula de «independência condicionada» para o Kosovo – com direito, inclusive, a assento na ONU – vá contra a garantia da «integridade territorial» da Sérvia expressa na resolução 1244 do CS da ONU, parece ser questão irrelevante nesta altura do campeonato…
Obviamente, que Ban sabe e bem que cada vez mais a ONU se converte em «carro-vassoura» humanitário e entidade legitimadora a posteriori das guerras e atrocidades desencadeadas pelo imperialismo. Os exemplos da Jugoslávia, Afeganistão e Iraque falam por si.
Mais: sob a sombra das ameaças da nova escalada belicista dos EUA, as suas palavras enquadram-se perigosamente na actual estratégia da NATO que alarga a sua composição e área de intervenção, estabelece parcerias militares globais (Austrália, Japão, Coreia do Sul) e assume novas funções políticas em clara sobreposição e subordinação da própria ONU.
A crise da ONU não deixa de ser expressão do agravamento das contradições estruturais do capitalismo e do aprofundamento da crise política e militar. O que está realmente em causa não é a possibilidade ilusória de, por si só, mudar a correlação de forças mundial a partir da «reforma» da instituição fundada em 1945. Mas, ao invés, a perspectiva real de uma estocada final nos princípios básicos consagrados na sua Carta e a sua gradual transmutação em apêndice de uma nova ordem totalitária e neocolonial. Nunca como hoje foi tão vivo o espectro da defunta Sociedade das Nações...
Só a luta dos trabalhadores e dos povos, e a vontade e coerência políticas de Estados soberanos poderão contrariar e inverter o cenário sombrio que reverte da «comunhão» entre Scheffer e Ki Moon.
Artigo publicado na Edição Nº1732 do AVANTE 2997.02.08 Cartoon - Banegas
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