A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

quarta-feira, abril 18, 2007

Arlindo Vicente
um exemplo de resistência







Há 100 anos, na freguesia do Troviscal, nasceu Arlindo Vicente, um nome que honra o património de luta contra o fascismo. Entre outras facetas, foi destacado protagonista de uma das batalhas que mais abalaram a ditadura: a farsa eleitoral para a Presidência da República, de 8 de Junho de 1958.

Reinava no país a ditadura dos monopólios e dos latifúndios, principal causa da situação de atraso e de miséria em que o País estava mergulhado. os registos desta época dão-nos conta da entrada em crise de sectores fundamentais para a economia, como os têxteis, a cortiça e as conservas, do aumento do desemprego e da subida do custo de vida para níveis insustentáveis para os trabalhadores.

Foi neste contexto de agravamento da situação económica e social, mas também do desenvolvimento da organização e luta dos trabalhadores, mobilizados, essencialmente, pela única força política com intervenção consequente na oposição ao regime, o PCP, que se travou este importante combate eleitoral.

Arlindo Vicente, ao aceitar a honrosa mas também perigosa missão de ser candidato da Oposição Democrática à Presidência da República, protagonizou um dos principais papeis deste confronto com o fascismo. Um confronto que, pelas brechas provocadas nas muralhas do regime, ficou para sempre referenciado como um marco histórico da longa luta pela liberdade.

Missão de risco na medida em que ia muito para além da mera concorrência eleitoral. Era uma candidatura em nome de um projecto de ruptura com o regime fascista. Um projecto que, apesar de unitário, era abertamente apoiado e dinamizado pela força política mais temida e odiada pelo fascismo: O Partido Comunista Português.

Por isso, ao aceitar esta missão, Arlindo Vicente teve correu o perigo de ser preso, como aliás, veio a ocorrer, ou até mesmo de perder a vida, como aconteceu com Humberto Delgado, mais tarde assassinado pela PIDE.

Surgida após a desistência da candidatura do engenheiro Cunha Leal por alegadas razões de doença, a escolha de Arlindo Vicente para candidato é votada por unanimidade numa Assembleia de Delegados do Movimento Oposição Democrática (MOD), realizada a 20 de Abril. Nos dias imediatos, para além dos materiais de campanha da candidatura, são também editados diversos documentos do PCP, apelando à unidade e à mobilização dos democratas em torno desta candidatura e dos seus princípios orientadores: a «unidade de toda a oposição através de comissões eleitorais organizadas sem discriminação»; a «participação activa e consequente até à boca das urnas»; a «defesa de um programa democrático de governo que unisse à sua volta toda a oposição».

Aproveitando ao máximo as escassas liberdades que o regime de Salazar foi obrigado a ceder, foi levada a cabo, por todo o país, uma activa e participada campanha de esclarecimento. Uma campanha de massas, como defendia o PCP, que contribui para abrir caminho a uma ampla unidade das forças antifascistas.

Arlindo Vicente participa ajudando, com a sua capacidade e prestígio, a propagar as ousadas ideias de mudança que norteavam esta candidatura.
Entre muitas outras intervenções, numa entrevista ao jornal República, avança como pontos fundamentais: a «unidade de todos os portugueses»; a «restauração das liberdades democráticas»; a «elevação do nível de vida do povo e o desenvolvimento da economia nacional»; a «modificação da política ultramarina» e o «entendimento e cooperação de todos os povos e de todos os governos».

Dias mais tarde, numa outra entrevista ao mesmo jornal, assume outro compromisso arrojado para época: o de instituir a igualdade de direitos entre homens e mulheres.

O seu passado com múltiplas provas dadas na luta contra o regime, as suas capacidades intelectuais e humanas e o prestígio que detinha, estiveram na base da escolha de Arlindo Vicente para o grande objectivo da Oposição democrática, o de reunir em torno de uma personalidade com este perfil todas as correntes opositores ao regime. No entanto, este não foi o entendimento de alguns oposicionistas, que preferiram avançar com a candidatura do general Humberto Delgado, um militar de carreira até aí afecto ao regime e, como tal, sem referências que transmitissem confiança aos sectores democráticos.

Contudo, apesar do carácter de divisão que a candidatura de Humberto Delgado trouxe às forças opositoras ao regime, o PCP teve, desde o seu surgimento, uma posição lúcida quanto ao essencial do que estava em jogo: «o salazarismo é o inimigo comum das forças que apoiam as duas candidaturas», considerou o Comité Central, ao mesmo tempo que apelava à unidade na acção, tanto em torno das reivindicações dos trabalhadores, como contra a repressão e pelas liberdades democráticas.

Foi este ângulo de visão de valorização dos pontos comuns das candidaturas oposicionistas, numa perspectiva da construção de uma forte oposição em torno do objectivo central de derrotar o fascismo, que, em 31 de Maio, se chegou ao entendimento entre Humberto Delgado e Arlindo Vicente.

Em volta das candidaturas da oposição, tinha sido criado um poderoso movimento popular, para o qual muito tinham contribuído o MOD e o seu candidato. Por isso, como expressa o comunicado da Comissão Política do PCP, emitido no dia seguinte à celebração do acordo, a desistência da candidatura de Arlindo Vicente foi um acto de lucidez e de coragem política, na medida em que, naquele momento, a candidatura de Humberto Delgado era a que «oferecia maiores possibilidades e perspectivas de se alcançar uma grande vitória».

A estrondosa farsa eleitoral montada a 8 de Junho deu a vitória a Américo Tomás, o candidato do regime. Mas o movimento popular e democrático desenvolvido em torno do processo eleitoral tinha acossado o fascismo e, como fera ferida, às denúncias da fraude responde com feroz repressão. Sucedem-se as vagas de prisões de comunistas e outros democratas. Arlindo Vicente pouco tempo depois é também acusado de actos «subversivos» e por isso condenado à prisão e à perda de direitos políticos. Humberto Delgado é obrigado a exilar-se, mas mesmo assim é assassinado pela PIDE.

O fascismo não foi derrotado neste combate, mas a sementeira de confiança na perspectiva de mudança de regime foi grande e profícua. Apesar do fascismo ainda ter conseguido sobreviver mais dezasseis anos, esta batalha eleitoral constitui uma parte importante do processo que levou ao derrube do fascismo em Portugal.

Advogado de réus políticos e artista

Arlindo Vicente salientou-se também no exercício da advocacia e nas artes da escrita e da pintura.

Como advogado, cuja actividade iniciou em Anadia e que prosseguiu em Lisboa, destaca-se a corajosa defesa de réus acusados de crimes políticos, atitude que poucos tinham coragem de assumir, dada a perseguição a que ficavam sujeitos.

Como artista, a sua actividade vai desde o papel de director do jornal de caricatura Pena, Lápis e Veneno, ao de pintor com méritos reconhecidos. Em 1927, organiza o 1º Salão de Arte dos Estudantes da Universidade de Coimbra. Em 1930 e 1931, participa na organização do 1º e 2º Salão dos Artistas Modernos Independentes, em Lisboa. Em Novembro de 1974, as suas obras são novamente expostas na Sociedade Nacional de Belas Artes. Já depois do seu falecimento, realizam-se várias exposições, entre as quais, em 1990, na Fundação Dionísio Pinheiro, em Águeda, e no Museu Soares dos Reis, no Porto.

O reconhecimento de grande figura nacional

Arlindo Vicente ainda viveu os primeiros anos da revolução de Abril, participando em algumas das suas iniciativas.

Após o seu falecimento, em 1977, diversas iniciativas levadas a cabo um pouco por todo o País ilustram bem que é elevado o apreço que os democratas têm por esta figura: em 1983, foi agraciado postumamente com o Grau de Grande Oficial da Ordem da Liberdade; pelo menos em Lisboa, Coimbra, Oliveira do Bairro, Seixal e Grândola, Arlindo Vicente deu nome a ruas e avenidas; há poucos anos, em Aveiro, foi inaugurado o Museu da República Arlindo Vicente; presentemente, há sugestões para que em Bustos, freguesia vizinha da sua terra natal, seja criada a Escola de Artes Arlindo Vicente.

Em Oliveira do Bairro, concelho donde é natural, no passado dia 25 de Abril, uma comissão constituída por democratas, com o apoio dos órgãos autárquicos locais, comemorou o centenário do nascimento de Arlindo Vicente com a realização de uma sessão evocativa e uma exposição. Os eventos, cujo lema foi «Arlindo Vicente, um lutador pela Democracia», estiveram à altura do homenageado. Contudo, o exemplo dado por esta figura nacional precisa de ser mais reconhecido e divulgado. Porque em tempos de globalização do egoísmo e da corrupção de princípios, é importante recordar que vale a pena lutar por valores altruístas, mesmo quando essa luta se trava contra a corrente, como fez Arlindo Vicente.

in AVANTE 2006.11.23

NOTA - O museu da República - Arlindo Vicente, entretanto e em 2006 (ano do aniversário do nascimento de AV) transformado em Museu da Cidade pela C. M. Aveiro, nunca chegou a concretizar-se, conforme já foi referido neste blog. (VN)

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