A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

segunda-feira, abril 30, 2007

Privatizações em Portugal: Afinal o que mudou?

* Ricardo Jorge Costa

"Vejo com horror a privatização das águas, das auto-estradas e da saúde. Caso se entre numa política cega de privatizações, qualquer dia não há capital português e os grupos económicos estrangeiros tomam conta dos nossos sectores estratégicos."

Mário Soares
Ex-presidente da República

"Não sei se não estaremos a exagerar. Além de privatizar empresas comerciais e industriais, estamos a privatizar serviços públicos que fazem parte da cultura do Estado social. O Estado não deve ser um empresário, mas há serviços públicos que devem continuar a ser da sua responsabilidade"

Vital Moreira
Professor Universitário
Constitucionalista

"(...) o processo de integração internacional da economia portuguesa realizou-se a partir do abandono de qualquer modelo ou estratégia que não fosse deixar actuar livremente a lógica de mercado capitalista. A destruição da agricultura e de largos sectores da economia produtiva muito para além do que haveria de ser o interesse do país e a racionalidade daí dedutível; o desmantelamento sistemático dos sectores públicos estratégicos da economia (comunicações, energia, transportes e outros sectores básicos) através de privatizações traduzidos em fabulosos e obscuros negócios, subtraídos ao escrutínio da opinião pública (...)."

Fernando Rosas
Professor universitário

Depois das nacionalizações da banca e dos seguros, das indústrias vitais e das infraestruturas de transportes no pós-25 de Abril, o processo de privatizações que se iniciou no final dos anos oitenta teve um forte impacto na opinião pública do país e no debate público/privado, constituindo, desde então, uma opção económica praticamente "inevitável" nos programas governamentais.

Os argumentos a favor de uma redução da intervenção do Estado na economia sustentavam que a iniciativa privada conduziria a um crescimento da produtividade e da competitividade das empresas, permitindo, ao mesmo tempo, aliviar o peso da dívida externa portuguesa com as receitas obtidas através das privatizações. De acordo com dados do Ministério das Finanças, entre 1985 e 1995 o Estado Português arrecadou cerca de cinco biliões de euros.

Em Junho de 1999, o Estado português continuava a deter participações em 93 companhias de sectores tão variados como a produção de cereais, gás, petróleo, indústria química, polpa de papel, construção naval, caminhos de ferro, indústria metalúrgica, portos e banca, mas a tendência, usando a terminologia dos economistas, foi a de prosseguir com a "alienação" do património através da segunda fase de privatização de grandes empresas como a Portugal Telecom, a Brisa ou EDP.

Depois das infraestrutras, parecem seguir-se os serviços. A Associação Empresarial de Portugal, um dos mais influentes lobbies económicos do país, não esconde no documento "Uma nova Ambição para Portugal" - apresentado como um manifesto em prol da manutenção em mãos portuguesas de empresas estratégicas para a economia nacional - a necessidade de privatizar largos sectores da administração pública, nomeadamente a Saúde, a Educação, a Segurança Social e a Justiça, deixando antever a criação de uma legião de 150 e 200 mil desempregados.

Apesar de estar longe destes números, uma das principais medidas previstas na actualização do Programa de Estabilidade do Crescimento Nacional para o período 2003-2006, divulgada recentemente pelo governo, é a redução do emprego nas administrações públicas a uma taxa média anual de 1,5%, o que, na prática, significa a perda de mais de 40 mil postos de trabalho.

Recentemente, o primeiro-ministro Durão Barroso anunciou, na Assembleia da República, a privatização da EPAL - Águas de Lisboa, vindo ao encontro dos desejos das empresas privadas que reclamavam há muito por uma maior "intervenção" neste sector. Apesar de o Estado deter actualmente mais de 40 empresas no sector das águas e dos resíduos, a venda da Águas de Portugal, que aglomera esse universo, poderia representar um encaixe próximo dos 2,9 mil milhões de euros. Apesar de estar previsto apenas uma venda parcial de acções desta empresa, perfila-se no horizonte a sua privatização total, havendo já empresas estrangeiras, associadas a grupos de grande dimensão, interessadas em tomar posição estratégica no negócio.

Mas a água é apenas uma das faces visíveis deste processo. O governo pretende igualmente avançar na privatização da Saúde, transformando o Serviço Nacional de Saúde num sistema misto entre público e privado, prevendo também outras modalidades de privatização aplicadas, nomeadamente, à gestão de unidades de saúde. O serviço público de comunicação é outra das áreas que o governo pretende transferir para a iniciativa privada, privatizando um dos canais da RTP e abrindo caminho à extinção da Antena 2.

O programa de governo aponta igualmente para a privatização total ou parcial de empresas públicas em diversos sectores estratégicos como o Instituto de Participações do Estado (IPE), a TAP, a Rede Eléctrica Nacional (REN) ou a Portucel, bem como empresas públicas de transportes terrestres, rodoviários e ferroviários.

Com estas operações o governo prevê arrecadar em 2003 cerca de 1,5 mil milhões de euros. Porém, de acordo com a opinião de alguns especialistas na área financeira e económica, muitas destas empresas são habitualmente subavaliadas e vendidas por um preço abaixo do seu valor real, lesando o Estado e os contribuintes em dezenas de milhões de euros.

Esta factura atinge em particular os trabalhadores. Citando apenas alguns exemplos, ao longo dos últimos anos foram suprimidos oito mil postos de trabalho na EDP, tendo sido anunciada a decisão de reduzir mais cinco mil a médio prazo; sete mil no sector da banca; 4800 na Portucel; e 3300 na Siderurgia Nacional.

Talvez mais preocupante é o facto de a Educação também não parecer escapar a esta "fúria" privatizadora. O crescente discurso em torno do "estatismo" e do "monopólio da escola pública" parece indicar que uma crescente fatia do "mercado educativo" deverá, nos próximos anos, ser entregue à iniciativa privada. A proposta de institucionalizar os cheques escolares, ou vouchers, admitida pelo ministro da Educação, é talvez um dos primeiros passos nesse sentido.

Opinião pública dividida

O processo de privatizações realizado ao longo da última década permitiu reduzir a dívida pública portuguesa para valores próximos dos restantes países europeus. Em 1997 e 1998, altura em que o processo de privatizações abrandou temporariamente, as receitas obtidas com a venda de empresas públicas ascendiam, respectivamente, a 4,9% e 4,0% do Produto Interno Bruto. Apesar disso, se em 1988 se assumia o compromisso de pelo menos 80% das receitas das privatizações do Estado serem canalizadas para a amortização da dívida, em 1993 esse limite foi reduzido para 40%.

Além das vantagens decorrentes das privatizações na descida dos preços de bens e serviços, que seria estimulada, em princípio, pela livre concorrência, os sucessivos governos têm-se referido à disseminação do capital e à passagem de clientes a accionistas como um dos triunfos do "capitalismo popular". Porém, os números demonstram que cerca de 99% dos accionistas dispõem de menos de 1% do capital social das empresas privatizadas. Então, que vantagens decorrem das privatizações? O que pensam os cidadãos acerca do processo e que melhorias introduziu na sua qualidade de vida? As opiniões recolhidas pela PÁGINA estão longe de ser consensuais.

"Não acho que as privatizações tenham trazido, em geral, melhorias na prestação de serviços. Em muitas empresas o funcionamento continua a estar marcado por um grave defeito da sociedade portuguesa: a desorganização". Esta opinião, porém, não a impede de classificar a própria empresa com nota positiva: "Nos Correios a gestão privada trouxe alguns benefícios em termos de racionalização de meios e julgo que os serviços melhoraram", diz Rita Cardoso, 31 anos, que admite gostar de se manter informada sobre política e economia.

Regra geral, as pessoas inquiridas pela PÁGINA desconhecem este tema e evitam formular uma opinião. Apesar de a maioria estar familiarizada com o termo privatizações - há quem admita inclusivamente ter comprado acções - não consegue reconhecer vantagens ou inconvenientes para o país ou consequências para o próprio futuro. Das cerca de vinte pessoas abordadas, apenas seis soube ou quis responder às questões levantadas pelo jornalista. Porém, uma das ideias mais frequentemente associados ao processo de privatizações é o aumento do desemprego.

"É um facto que as privatizações vieram contribuir muito para o desemprego em Portugal, mas é um processo inevitável para o crescimento do país", diz Nelson Machado, 29 anos, publicitário, que não vê com maus olhos a concessão de um determinado número de serviços a empresas privadas. É o caso da conservação das estradas e auto-estradas que, na sua opinião, o Estado não tem capacidade para manter. Desta maneira, explica, "os privados mantêm as estradas em boas condições em troca de portagens. Penso que é uma medida justa..."

Quem também parece concordar com esta opinião é Raquel Andrade, 26 anos, estudante do curso de Farmácia, para quem as privatizações fazem "todo o sentido" quando o Estado, por falta de meios, não consegue garantir a prestação dos níveis mínimos dos serviços em determinadas áreas. Ao contrário, a privatização de "empresas lucrativas", como as dos sectores da energia, das telecomunicações ou das águas, é um "desperdício". É que dessa maneira, diz, "o Estado e os contribuintes estão a perder receitas que poderiam ser aplicadas em áreas não lucrativas, como a Saúde e a Educação".

Há também quem afirme abertamente que a progressiva privatização da economia não irá trazer quaisquer benefícios para o cidadão. "O princípio de qualquer empresa privada é obter lucro, o que significa que a privatização de determinados serviços, como o fornecimento de água e de energia, levará inevitavelmente a um aumento dos preços", refere Rui Teixeira, 38 anos, funcionário administrativo numa empresa de transportes rodoviários. Por outro lado, argumenta Teixeira, as receitas arrecadadas pelo Estado poderão servir para "melhorar alguns serviços" da administração pública. "Perde-se por um lado, ganha-se por outro. É ela por ela...", conclui com alguma resignação.

Pelo discurso dir-se-ia que estaremos perante um sindicalista, mas não é esse o caso. Nuno Mendes é estudante do 1º ano do curso de Ciências e militante de um partido "realmente de esquerda", como sublinha, preferindo, no entanto, abster-se de revelar qual. Munido de um espírito crítico quanto baste, afirma que o processo de privatizações em curso representa a "completa desmantelamento do nosso aparelho produtivo" e a "venda de sectores estratégicos por barato" a empresas multinacionais, sejam elas portuguesas ou estrangeiras. "É uma espécie de "polvo" a nível mundial que está a tornar o mundo dependente de uma dúzia de países", diz este jovem.

Nos antípodas deste discurso está José Soares, 57 anos, que considera que o Estado deverá ter um mero "papel regulador" na economia. Na sua opinião está provado que em outros países que já passaram pelo mesmo processo "o nível de vida melhorou", pelo que não vê motivos para interromper o processo. Para este ex-mediador de seguros, actualmente na reforma, o Estado deve privatizar o resto das suas empresas para garantir a "igualdade de oportunidades" no mercado. Tal como está, o sistema é "injusto" porque "beneficia o sector público". O capitalismo, esse, parece ter vindo para ficar. "Já reparou como a China, o país mais comunista do mundo, é hoje provavelmente onde o capitalismo está em maior ascensão? É assim..."

Jornal a Página da Educação" , ano 12, nº 121, Março 2003, p. 11.

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