A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

sexta-feira, abril 13, 2007


Casas de Vila do Conde (uma, onde nasceu, outra, onde faleceu (Casa José Régio)


Casa Museu de Portalegre

Toada de Portalegre

* José Régio

Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros
Morei numa casa velha,
À qual quis como se fora
Feita para eu morar nela...

Cheia dos maus e bons cheiros
Das casas que têm história,
Cheia da ténue, mas viva, obsidiante memória
De antigas gentes e traças.
Cheia de sol nas vidraças
E de escuro nos recantos,
Cheia de medo e sossego,
De silêncios e de espantos,
- Quis-lhe bem como se fora
Tão feita ao gosto de outrora
Como as do meu aconchego.

Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De montes e de oliveiras
Ao vento suão queimada
(Lá vem o vento suão!,
Que enche o sono de pavores,
Faz febre, esfarela os ossos,
E atira aos desesperados
A corda com que se enforcam
Na trave de algum desvão...)
Em Portalegre, dizia,
Cidade onde então sofria
Coisas que terei pudor
De contar seja a quem fôr,
Na tal casa tosca e bela
À qual quis como se fora
Feita para eu morar nela,
Tinha, então,
Por única diversão,
Uma pequena varanda
Diante de uma janela

Toda aberta ao sol que abrasa,
Ao frio que tosse e gela
E ao vento que anda, desanda,
E sarabanda, e ciranda
Derredor da minha casa,
Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos e sobreiros
Era uma bela varanda,
Naquela bela janela!

Serras deitadas nas nuvens,
Vagas e zuis de distância,
Azuis, cinzentas, lilases,
Já roxas quando mais perto,
Campos verdes e amarelos,
Salpicados de oliveiras,
E que o frio, ao vir, despia,
Rasava, unia
Num mesmo ar de deserto
Ou de longínquas geleiras,
Céus que lá em cima, estrelados,
Boiando em lua, ou fechados
Nos seus turbilhões de trevas,
Pareciam engolir-me
Quando, fitando-os suspenso
Daquele silêncio imenso,
Sentia o chão a fugir-me,
- Se abriam diante dela
Daquela
Bela
Varanda
Daquela
Minha
Janela,
Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros
Na casa em que morei, velha,
Cheia dos maus e bons cheiros
Das casas que têm história,
Cheia da ténue, mas viva, obsidiante memória
De antigas gentes e traças,
Cheia de sol nas vidraças
E de escuro nos recantos,
Cheia de medo e sossego,
De silêncios e de espantos,
À qual quis como se fora
Tão feita ao gosto de outrora
Como as do meu aconchego...

Ora agora,
Que havia o vento suão
Que enche o sono de pavores,
Faz febre, esfarela os ossos,
Dói nos peitos sufocados,
E atira aos desesperados
A corda com que se enforcam
Na trave de algum desvão,
Que havia o vento suão
De se lembrar de fazer?

Em Portalegre, dizia,
Cidade onde então sofria
Coisas que terei pudor
De contar seja a quem for,
Que havia o vento suão
De fazer,
Senão trazer
Àquela
Minha
Varanda
Daquela
Minha
Janela,
O documento maior
De que Deus
É protector
Dos seus
Que mais faz sofrer?

Lá num craveiro, que eu tinha,
Onde uma cepa cansada
Mal dava cravos sem vida,
Poisou qualquer sementinha
Que o vento que anda, desanda,
E sarabanda, e ciranda,
Achara no ar perdida,
Errando entre terra e céus...,
E, louvado seja Deus!,
Eis que uma folha miudinha
Rompeu, cresceu, recortada,
Furando a cepa cansada
Que dava cravos sem vida
Naquela
Bela
Varanda
Daquela
Minha
Janela
Da tal casa tosca e bela
À qual quis como se fora
Feita para eu morar nela...
Como é que o vento suão
Que enche o sono de pavores,
Faz febre, esfarela os ossos,
Dói nos peitos sufocados,
E atira aos desesperados
A corda com que se enforcam
Na trave de algum desvão,
Me trouxe a mim que, dizia,
Em Portalegre sofria
Coisas que terei pudor
De contar seja a quem for,
Me trouxe a mim essa esmola,
Esse pedido de paz
Dum Deus que fere... e consola
Como o próprio mal que faz?

Coisas que terei pudor
De contar seja a quem for
Me davam então tal vida
Em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros,
Me davam então tal vida
- Não vivida!, sim morrida
No tédio e no desespero,
No espanto e na solidão,
Que a corda dos derradeiros
Desejos dos desgraçados
Por noites de tal suão
Já várias vezes tentara
Meus dedos verdes suados...

Senão quando o amor de Deus
Ao vento que anda, desanda,
E sarabanda, e ciranda,
Confia uma sementinha
Perdida entre terra e céus,
E o vento a trás à varanda
Daquela
Minha
Janela
Da tal casa tôsca e bela
À qual quis como se fôra
Feita para eu morar nela!

Lá no craveiro que eu tinha,
Onde uma cepa cansada
Mal dava cravos sem vida,
Nasceu essa acaciazinha
Que depois foi transplantada
E cresceu; dom do meu Deus!,
Aos pés lá da estranha casa
Do largo do cemitério,
Frente aos ciprestes que em frente
Mostram os céus,
Como dedos apontados
De gigantes enterrados...
Quem desespera dos homens,
Se a alma lhe não secou,
A tudo transfere a esperança
Que a humanidade frustrou:
E é capaz de amar as plantas,
De esperar nos animais,
De humanizar coisas brutas,
E ter criancices tais,
Tais e tantas!,
Que será bom ter pudor
De as contar seja a quem for!

O amor, a amizade, e quantos
Mais sonhos de oiro eu sonhara,
Bens deste mundo!, que o mundo
Me levara
De tal maneira me tinham,
Ao fugir-me,
Deixando só, nulo, vácuos,
A mim que tanto esperava
Ser fiel,
E forte,
E firme,
Que não era mais que morte
A vida que então vivia,
Auto-cadáver...

E era então que sucedia
Que em Portalegre, cidade
Do Alto Alentejo, cercada
De serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros
Aos pés lá da casa velha
Cheia dos maus e bons cheiros
Das casas que têm história,
Cheia da ténue, mas viva, obsidiante memória
De antigas gentes e traças,
Cheia de sol nas vidraças
E de escuro nos recantos,
Cheia de medo e sossego,
De silêncios e de espantos,
- A minha acácia crescia.

Vento suão!, obrigado...
Pela doce companhia
Que em teu hálito empestado
Sem eu sonhar, me chegara!
E a cada raminho novo
Que a tenra acácia deitava,
Será loucura!..., mas era
Uma alegria
Na longa e negra apatia
Daquela miséria extrema
Em que vivia,
E vivera,
Como se fizera um poema,
Ou se um filho me nascera.

Biografia

José Régio licenciou-se em Filologia Românica, em 1925, na Universidade de Coimbra. Lecciona no Porto e, a partir de 1929, dá aulas de francês e português, em Portalegre.

Em 1927 é um dos fundadores, e director, da revista Presença, que veio a marcar o segundo modernismo português, e de que Régio foi o principal impulsionador e ideólogo. Para além da contribuição para esta revista, ainda escreveu para vários jornais, como por exemplo o Diário de Notícias e o Comércio do Porto.

Fez também frente ao Estado Novo, tendo sido membro do Movimento de Unidade Democrática (MUD) e apoiado a candidatura do General Humberto Delgado. Como escritor, José Régio dedicou-se ao romance, ao teatro, à poesia e ao ensaio. A sua obra é fortemente marcada por conflitos entre Deus e o Homem, o indivíduo e a sociedade, numa análise crítica da solidão e das relações humanas. Como ensaísta, dedicou-se ao estudo de Camões, Florbela Espanca, entre outros.

Destaca-se ainda, de entre as suas obras, a Toada de Portalegre, poema dedicado à cidade que o acolheu e que tantos anos ele apreciou Daquela bela varanda, daquela minha janela,em Portalegre, cidade do Alto Alentejo, cercada de serras, ventos, penhascos, oliveiras e sobreiros

É considerado, por alguns, como um dos vultos mais significativos da moderna literatura portuguesa. Recebeu, em 1961, o prémio Diário de Notícias e, postumamente, em 1970, o Prémio Nacional de Poesia, pelo conjunto da sua obra poética. As suas casas de Vila do Conde e de Portalegre são hoje museus.

Obras publicadas

Poesia

  • 1925 - Poemas de Deus e do Diabo.
  • 1929 - Biografia.
  • 1935 - As Encruzilhadas de Deus.
  • 1945 - Fado (1941), Mas Deus é Grande.
  • 1954 - A Chaga do Lado.
  • 1961 - Filho do Homem.
  • 1968 - Cântico Suspenso.
  • 1970 - Música Ligeira.
  • 1971 - Colheita da Tarde.


Ficção

  • 1934 - Jogo da Cabra-Cega.
  • 1941 - Davam Grandes Passeios aos Domingos.
  • 1942 - O Príncipe com Orelhas de Burro.
  • 1945 a 1966 - A Velha Casa.
  • 1946 - Histórias de Mulheres.
  • 1962 - Há Mais Mundos.


Ensaio

  • 1936 - Críticas e Criticados.
  • 1938 - António Botto e o Amor.
  • 1940 - Em Torno da Expressão Artística.
  • 1952 - As Correntes e as Individualidades na Moderna Poesia Portuguesa.
  • 1964 - Ensaios de Interpretação Crítica.
  • 1967 - Três Ensaios sobre Arte.
  • 1977 - Páginas de Doutrina e Crítica da Presença.


Teatro

  • 1940 - Jacob e o Anjo.
  • 1947 - Benilde ou a Virgem-Mãe.
  • 1949 - El-Rei Sebastião.
  • 1954 - A Salvação do Mundo.
  • 1957 - Três Peças em Um Acto.

Ver também

Ligações externas

in Wikipedia

Ver também

A Casa de José Régio de Vila do Conde foi adquirida pela Câmara Municipal e aberta ao público em 17 de Setembro de 1975.

Não se trata de um Museu organizado enquanto tal. É a casa que o poeta herdou de sua tia - A Madrinha Libânia - , e que preparou para viver quando se aposentou. É o local onde José Régio expôs algumas das muitas peças que foi recolhendo ao longo da sua vida.

in http://www.geira.pt/museus/atrio/index.asp?id=14

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