A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

quinta-feira, julho 23, 2009

A Conferência da Igualdade Racial e os desafios para luta contra o racismo (2/3)


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por Edson França*
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No dia 28 de junho de 2009 encerrou, em Brasília, a 2ª Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial. Todos estados realizaram conferências regionais e estaduais, foi um processo rico para o debate e construção de consensos. Várias leituras são possíveis desse importante episódio, guardou elementos negativos e positivos a serem analisados.
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Contudo é possível assegurar que o país deu mais um passo afirmativo contra o racismo, em consonância com os desejos da sociedade. Por isso reitero que, sem dúvidas, as conferências se constituem num método acertado de oitiva à sociedade civil organizada, fortalece a democracia participativa e pode conduzir a gestão pública ao caminho correto.

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Tenho um olhar positivo sobre o avanço das ações de combate ao racismo no Brasil, estamos combatendo com eficácia esse mal. A agenda social do atual governo Lula é ajuda porque inclui ações fundamentais para a população negra e pobre, como o fortalecimento do salário mínimo, combate a fome através do Programa Bolsa Família, maior acesso a educação superior, dentre outras, impactam decisivamente sobre a população pobre, onde se encontram a maioria os negros. Logo a efetiva universalização das políticas públicas sociais contribuirá com o progresso social do país.

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Se verificarmos o ativismo da sociedade civil brasileira, os espaços formais e informais de participação política, o volume de debates em variados espaços políticos e sociais, o aperfeiçoamento crescente de nossa democracia, o calhamaço legislativo anti-racista, as experiências de implantação de políticas públicas com base na Declaração de Durban e no Plano de Ação (DDPA) e os compromissos que o Estado, reiteradamente, assume com a população brasileira e com diversos países nas agendas multilaterais, constataremos que o Brasil está na dianteira das boas práticas de combate ao racismo, tem grande potencial para sua efetiva superação e tem muita contribuição ao mundo.

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No entanto, há muito a ser feito. Os direitos da população negra não estão devidamente resgatados. Os negros brasileiros continuam acumulando múltiplas desvantagens, por isso estão na base da pirâmide social, econômica e política da sociedade brasileira. O Estado tem o diagnóstico exato da demanda, por isso assumiu oficialmente, desde 1995, a existência do racismo e seu impacto nefasto sobre a população brasileira. Conhece o grau da desigualdade socioeconômica, sabe que há um grande fosso entre negros e brancos, pobres e ricos, a despeito das iniciativas conjunturais reconhecidamente positivas, falta mais política para superar esse impasse. O racismo está enraizado em nossa cultura, ainda há quem lucra construindo desvantagens sócio-econômicas com base na cor da pele das pessoas.

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A 2ª Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial é um espaço para convencionar políticas públicas que resgatem direitos sociais historicamente sonegados a população negra. É um evento chamado pelo Presidente da República, para que Estado e sociedade civil pactuem ações, governos assumam compromissos e sociedade civil demande políticas públicas para atender necessidades sociais e econômicas. Por isso é preocupante a ausência do Presidente Lula na abertura, e dos Ministros de Estado nos Painéis Temáticos da Conferência, após anuncio que estariam presentes. Faltaram, também, governadores, prefeitos e gestores públicos dos ministérios. Considero preocupante as ausências, porque denunciam dois fenômenos negativos na agenda construída na conferencia: isolamento político e raquitismo institucional da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial – SEPPIR.

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A mídia foi outra grande ausência lamentável, pois responde a um projeto político da elite midiática em tornar invisíveis os negros e as negras brasileiras. A mídia brasileira não abriu mão do projeto de branqueamento do Brasil, elaborado pelo Estado e pela minúscula elite nacional em meados do século 19. Tenta afastar os anseios propugnados pelo movimento negro do povo brasileiro, manipulando e deturpando as informações. Trata-se de um método de construir e consumar ilegitimidade das propostas anti-racistas, darem-lhes um caráter periférico e alienígena, por isso não veiculam ou veiculam tendenciosamente as ações do movimento negro. Para o Brasil avançar na implantação das políticas de ações afirmativas preconizadas pela SEPPIR, proposta na PL que institui o Estatuto da Igualdade Racial e referendada em todas as instâncias da Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial, é necessário buscar o mais amplo apoio da população brasileira. Nesse sentido os burgueses proprietários das principais empresas de comunicação de massa prestam um desserviço ao país, na medida em que trabalham contra a resolução de um problema nacional que envergonha o Brasil desde Cabral.

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Objetivamente essas ausências são negativas, pois simbolicamente os faltosos viraram as costas ao problema, não se comprometerem, não tomaram conhecimento. Em política, os símbolos e as subjetividades têm peso, constroem cenários. Por isso, é possível vaticinar que haverá mais dificuldades de aprofundar o convencimento político no interior do governo para obter mais recursos para fortalecer a Seppir e a política de promoção da igualdade racial; qualificar a transversalidade das políticas nos ministérios, articular a aprovação de políticas de Estado no Parlamento e garantir continuidade do órgão após o governo Lula.

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O grande desafio do Ministro Edson Santos será encontrar rapidamente meios para garantir uma boa interlocução no governo, com o parlamento e com a sociedade civil, especialmente no movimento negro, que, em última instância, será o personagem que fará a avaliação da Seppir. Há elementos que, extraído da conferência, permitem que seja bem sucedido nessa tarefa. Sabemos que o Ministro Edson Santos será candidato ao Senado ou a Câmara Federal no próximo pleito, antes de se descompatibilizar do cargo deve deixar a casa em ordem. É uma obrigação ética e política entregar a Seppir melhor que recebeu de Matilde Ribeiro, sob pena de desenhar uma página negativa em sua biografia. Confio que momentos alvissareiros para a política de promoção da igualdade racial virão com a contribuição do Ministro Edson Santos, pois tem dirigido a Seppir com responsabilidade, amplitude, espírito público e arguta capacidade política.


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Queremos mais e melhor

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A meu ver o comportamento político dos participantes da 2ª Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial deixa-nos a entender que a frase síntese que caracteriza quase a totalidade das opiniões é “queremos mais e melhor”. Traduzindo. A sociedade civil beneficiária das políticas de promoção da igualdade racial, sob a liderança do movimento negro acusou a insuficiência e enunciou sua concordância política com a agenda anti-racista do governo federal. Em nenhum momento houve choque de posicionamento, as propostas em curso foram aceitas, mas desejam a quantidade e qualidade adequada. O governo federal está sintonizado com os desejos da maioria das organizações do movimento negro, não há proposta que se contraponha ao pleito do movimento, não há contradição entre o que se oferece e o que se reivindica. Penso que essa sintonia é um poderoso instrumento político nas mãos do Ministro Edson Santos, deve ser utilizado no diálogo interno do governo, para aprimorar o convencimento governamental e disponibilizar maior investimento político e financeiro nas políticas de promoção da igualdade racial.

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Constatar a existência de sintonia entre as propostas de políticas de promoção da igualdade do governo e os anseios dos potenciais beneficiários não pode ser confundido com satisfação plena da sociedade civil. Drummond no poema A Flor e a Náusea diz que “Sob a pele das palavras há cifras e códigos”, distante do campo literário e retornando a análise da conferência, é possível dizer que sob as palavras “queremos mais e melhor”, as cifras e os códigos são as avaliações políticas que permitem essa interpretação. Então, queremos mais e melhor significa crítica a tímida observância da Lei 10.639, que institui a obrigatoriedade do ensino da África e da cultura afrobrasileira nas escolas; denúncia da violência policial e das condições carcerárias desumanas; insatisfação com a morosidade dos processos de titulação das terras quilombolas; repúdio ao trabalho escravo e infantil; exigência de créditos para empreendedorismo negro; recursos para capacitação profissional; além das centenas de medidas reivindicadas durante muitos anos pelo movimento negro, mas que não saem do papel. A conferência acusou que demanda reprimida é gigantesca.

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Alertamos (a UNEGRO) antes e durante a conferência que precisávamos aproveitar o evento para discutir quais instrumentos necessários para tirar as propostas do movimento negro do papel e dar maior eficácia às políticas contra o racismo implantadas. Esse desafio não foi enfrentado na conferência por diversos motivos, dentre os quais destaco a inadequada metodologia implantada e o vacilo da Seppir na proposição da pauta. Faltou o debate do financiamento da política de promoção da igualdade racial e o fortalecimento de seu órgão gestor; ações de combate ao racismo institucional e um debate político sobre temas gerais que incidem contra as ações sociais – lugar que se encontra as políticas de combate ao racismo.

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Ainda assim, questões como a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial e a reiteração do conjunto de propostas e medidas no campo da educação e cultura, saúde, política internacional, terra e habitação, trabalho e renda, segurança e justiça que somadas compõe os eixos prioritários da política de igualdade racial do governo Lula, tornam a conferência um momento positivo, bem como consolidou um paradigma em construção. A participação do movimento negro na conferência foi exemplar, os participantes se dedicaram a construção do plano desde os debates nos municípios.

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Volto mais uma vez a esse tema após análise do relatório que será divulgado em até 90 dias.

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*Edson França, É Coordenador Geral da Unegro, membro do Conselho Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (CNPIR) e da coordenação da Conen-Coordenação Nacional de Entidades Negra



* Opiniões aqui expressas não refletem, necessariamente, a opinião do site.
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in Vermelho - 23 DE JULHO DE 2009 - 17h05
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