O 25 de Novembro
1- O golpe militar em preparação2- A tese do «contra-golpe»
3- O «cerco» de S. Bento
4- O «contra-golpe» falhado
5- A saída da crise político-militar
1- O golpe militar em preparação
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O 25 de Novembro foi um golpe militar inserido no processo contra-revolucionário. A sua preparação começou muito antes das insubordinações e sublevações militares do verão quente e de Outubro e Novembro de 1975 .
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Talvez que as mais esclarecedoras informações dessa preparação em curso muitos meses antes de Novembro sejam as que dá o comandante José Gomes Mota no seu livro, esquecido ou guardado nas estantes, A Resistência. O Verão Quente de 1975 , Edições jornal Expresso , 2ª ed., Junho de 1976.
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Segundo José Gomes Mota, o golpe foi preparado pelo «Movimento», que define por ser contra o que chama «os dissidentes», — nomeadamente «os gonçalvistas» e o PCP. Fala em «novas estruturas reorganizadas». Diz que o «Movimento» deveria ter presença activa no Conselho da Revolução ( ob. cit. , p. 93) e aceitar a «manutenção formal dos órgãos de cúpula do Movimento — Conselho da Revolução e Assembleia do MFA» ( ob. cit. , p. 95).
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O «Movimento» chamava a si a preparação e decisão do golpe militar, mas, «preservando e garantindo a legitimidade revolucionária do Presidente da República» ( ob. cit. , p. 94). Segundo José Gomes Mota, a cúpula efectiva era o «Movimento», que dispunha de dois grupos dirigentes.
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Um «militar», «inicialmente constituído por Ramalho Eanes, Garcia dos Santos, Vasco Rocha Vieira, Loureiro dos Santos, Tomé Pinto e José Manuel Barroso». A sua «tarefa» principal era a «elaboração de um plano de operações» ( ob. cit. , p. 99), tarefa que «cumpriu rigorosamente», tendo «para isso muito contribuído a liderança de Ramalho Eanes» ( ob. cit. , p. 100).
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Outro «político», de que faria parte o «Grupo dos Nove», «veio a desempenhar o papel de um verdadeiro estado-maior de Vasco Lourenço», que «assumira a chefia do Movimento» ( ob. cit. , p.100).
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O livro encerra muitas contradições e obscuridades sobre o «Movimento». Diz que «a iniciativa [de um confronto militar] teria de partir sempre dos «dissidentes» ( ob. cit. , p. 93), que o «Movimento» tinha por objectivo «evitar qualquer possibilidade de uma guerra civil» e a criação da «Comuna de Lisboa» ( ob. cit. , p. 94). Mas o facto, que importa sublinhar, é a revelação de um efectivo centro político-militar a preparar um golpe ao longo do verão quente .
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Melo Antunes, por seu lado, fala da acção militar do «Grupo dos Nove» na preparação para o golpe: «Além das acções legais ou semilegais a que deitámos mão para obter a supremacia militar, também desenvolvemos acções clandestinas para nos prepararmos para uma confrontação que eu julgava inevitável. [...] Tínhamos uma organização militar em marcha. » ( Vida Mundial , Dezembro de 1998, p. 50.)
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A preparação do golpe «para pôr fim a uma situação insustentável» vinha pois de longe.
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Foi ulteriormente dado a conhecer que, no verão quente , muitos Comandos «deixaram os postos civis e se alistaram de novo para estarem operacionais».
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A colocação de Pires Veloso no Norte em Setembro de 1975, substituindo Corvacho, que Freitas do Amaral intitula de «famigerado Brigadeiro» «afecto ao PCP» ( O Antigo Regime e a Revolução , ed. cit., pp. 245 e 406), fazia parte dessa preparação. Não foi por acaso que, no 25 de Novembro, vieram ajudar o golpe várias Companhias do Norte, que depois levaram os presos para Custóias.
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O papel de Ramalho Eanes é sublinhado nas valiosas informações que, no 20º aniversário do golpe, revela Vasco Lourenço, designado em 22 de Novembro e confirmado a 24 Comandante da Região Militar de Lisboa em substituição de Otelo Saraiva de Carvalho.
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Segundo Vasco Lourenço, Eanes , « responsável por organizar o plano de operações», «desempenhou papel fundamental» , e «acabou por ser o principal comandante operacional », não cedendo às pressões dos militares mais radicais (artigo «Não aconteceu o pior», in Revista História , nº 14, Novembro de 1995, pp. 37-38).
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Também Jaime Neves, sublinhando que se tratou de «um golpe contra o PCP», confirma o papel de Eanes: « Conspirávamos [...] e o Eanes [...] passou a ser ele a coordenar as coisas. » (Entrevista à revista Indy , 21-11-1997.)
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O papel de Eanes expressou-se aliás publicamente, logo após a vitória do golpe, em factos tão significativos como a sua ascensão a Chefe do Estado-Maior do Exército (interino em 27-11-1975 — posse em 9-12-1975) e ulteriormente a Presidente da República eleito.
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Está mais que provado, assumido e confessado, que se tratou de um golpe militar contra-revolucionário há muito em preparação num turbulento processo de arrumação e rearrumação de forças.
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Cerca das 10 horas da própria manhã do dia 25, prontos para desencadear as operações, os conspiradores — numa diligência conjunta do «Grupo dos Nove», Eanes, Jaime Neves e oficiais dos Comandos da Amadora — procuraram e conseguiram obter a aprovação e cobertura institucional do Presidente da República, Costa Gomes (entrevista de Costa Gomes a Maria Manuela Cruzeiro, in Costa Gomes, o Último Marechal , Editorial Notícias, 3ª ed., Lisboa, 1998, p. 357; e in revista Indy, 27-11-1998).
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Para a compreensão do golpe e do que dele resultou é necessário ter em conta que, na sua preparação, participaram forças muito diversas associadas num complexo enredo de alianças contraditórias.
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Todas estavam aliadas para pôr fim à influência do PCP e ao processo revolucionário, restabelecer uma hierarquia e disciplina nas forças armadas e extinguir o MFA insanavelmente em vias de destruição pelas suas divisões e confrontos internos. Mas, como resultado do golpe relativamente ao poder político e às medidas concretas a tomar, havia importantes diferenças.
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Na grande aliança contra-revolucionária, internamente muito fragmentada, participavam fascistas declarados e outros reaccionários radicais, que visavam a instauração de um nova ditadura, que tomasse violentas medidas de repressão, nomeadamente a ilegalização e destruição do PCP. Participava também o Grupo dos Nove, de que alguns membros, receosos da possibilidade de saírem vitoriosas do golpe as forças mais reaccionárias, pretendiam a continuação de um regime democrático.
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Da parte dos fascistas e neofascistas, a ilegalização e repressão violenta do PCP era, não apenas um desejo mas um objectivo que pretendiam fosse alcançado no imediato.
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As organizações terroristas deviam também participar. Paradela de Abreu diz que «sempre tinha estado convencido de que o Plano Maria da Fonte só deveria ser desencadeado no seu «programa máximo — um programa de violência ou de guerra — em ligação com um golpe militar » ( Do 25 de Abril ao 25 de Novembro , ed. cit., p. 204), intervindo com «muitos grupos capazes de executar quem quer que fosse» ( ob. cit. , p. 197). Na noite de 25 de Novembro foi-lhe comunicado para não avançar com o «Plano» ( ob. cit. , p. 208).
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Este objectivo de desencadear uma vaga repressiva de extrema violência já na altura era abertamente proclamado nas campanhas anticomunistas. E muitos anos volvidos, mais claramente o dizem, nas suas confissões, alguns dos participantes.
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Jaime Neves, num jantar em sua homenagem realizado em Janeiro de 1996, declarou que « o “problema” seria resolvido “muito simplesmente com a prisão do líder do PC”, Álvaro Cunhal » ( Público , 11-1-1996). O seu estado de espírito é transparente, ao dizer que, se «havia uma manifestação realizada pelo Partido Comunista, eu recusava-me a ir com a tropa para a rua se não fosse para prender o dr. Álvaro Cunhal» (entrevista ao Semanário , 26-11-1983).
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Alpoim Calvão, operacional nº 1 da rede bombista, não deu por definitivamente derrotada a extrema direita depois do 25 de Novembro. Num encontro com Pinheiro de Azevedo (então Primeiro-Ministro), solicitou que fosse permitido o regresso a Portugal de Spínola e de todos os spinolistas exilados. Não são conhecidos os termos em que colocou o problema. Pedido? Exigência? O que diz é que uma tal decisão seria «uma solução pacífica», porque, apesar do 25 de Novembro, « muitos queriam pegar em armas e vir por aí abaixo matar comunistas » (entrevista a Eduardo Dâmaso, publicada no seu livro A Invasão Spinolista , Círculo de Leitores, 1997, p. 98). É o que teriam feito, pelo que se vê, se tivessem sido eles a impor o resultado.
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No próprio dia 25, não estando ainda certo como o golpe iria terminar política e militarmente, todos envolvidos num objectivo geral comum anticomunista, cada qual pretendia que o resultado correspondesse aos seus próprios objectivos.
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Mário Soares e o PS tinham representado um papel importante na acção política preparatória do 25 de Novembro. Mas o golpe do 25 de Novembro não foi o que projectaram. Nenhum dos seus três objectivos centrais imediatos se concretizou. Nem a liquidação da dinâmica revolucionária e das suas conquistas. Nem o esmagamento militar do PCP, do movimento operário e da esquerda militar, nem, como resultado do golpe, ser Soares o vencedor, aquele que teria salvado a democracia de um golpe e de uma ditadura comunista e que por isso assumiria naturalmente de imediato, no poder do Estado, as responsabilidades daí decorrentes. Tal operação foi tentada mas falhou. Não é por isso exagero dizer-se que Soares ficou de fora do 25 de Novembro .
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Os fascistas e neofascistas, participantes na preparação e no golpe, não conseguiram tão-pouco o que pretendiam.
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Quanto ao «Grupo dos Nove», Melo Antunes (tal como Eanes e Costa Gomes) defendia uma solução política da crise. Indo no dia 26 à televisão declarar que «a participação do PCP na construção do socialismo era indispensável», deu importante contribuição para a defesa da democracia.
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Como na altura considerámos, essa atitude expressava um objectivo político e uma apreensão: o objectivo de assegurar um regime democrático para o que considerava indispensável o contributo do PCP e a apreensão de que, se a extrema direita desencadeasse a repressão contra o PCP, ele e seus amigos acabariam também por ser reprimidos.
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Poucos dias depois, o chefe do EMGFA, general Costa Gomes, enviou aos três ramos das Forças Armadas uma directiva na qual se afirmava que «só os militares [...] estão em condições de servir o projecto de construção da sociedade proposta pelo Movimento do 25 de Abril, sociedade onde não seja mais possível a exploração do homem pelo homem» ( Jornal de Notícias , 2-12-1975).
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E, ao tomar posse como Chefe do Estado-Maior do Exército, no dia 6 de Dezembro, Ramalho Eanes, então promovido a general, declarou como «objectivos políticos prioritários a independência nacional e a construção de uma nova sociedade democrática e socialista.» ( Jornal de Notícias , 7-12-1975)
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2- A tese do «contra-golpe»
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Desde o 25 de Abril, todos os golpes e tentativas de golpes contra-revolucionários — golpe Palma Carlos, 28 de Setembro, 11 de Março e outros — foram explicados pelos seus autores, apoiantes e cúmplices como respostas a golpes ou tentativas de golpes do PCP visando o assalto ao poder. Assim sucedeu também no verão quente de 1975, quando forças contra-revolucionárias desenvolviam o terrorismo bombista e preparavam um novo golpe militar.
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Ao contrário do que dizem (como acabamos de ver) os principais protagonistas do 25 de Novembro, Mário Soares e seus amigos não desistiram até hoje de dizer que, no 25 de Novembro, « houve uma tentativa de golpe, animado pela Esquerda Militar e pelo PCP, e uma resposta, [...] um contra-golpe da parte do sector democrático, isto é, militares moderados, “Grupo dos 9” e PS » (Maria João Avillez, Soares. Ditadura e Revolução , ed. cit., p. 487).
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Esta versão dos acontecimentos foi através dos anos repetida incansavelmente.
José Manuel Barroso , sobrinho de Soares e adjunto de Spínola, é ainda mais categórico: « O 25 de Novembro [diz ele] foi um golpe de força militar, preparado pelo Partido Comunista ». «“Páras” e “fuzos” receberam, assim, ordens de saída directamente da direcção militar do PCP ». O 25 de Novembro foi «uma operação dirigida por dois postos de comando: um, militar, situado no SDCI, e outro, civil, a partir da direcção militar do Partido Comunista » ( Diário de Notícias , 25-11-1993).
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Manuel Monge , destacado oficial spinolista próximo de Soares e que tinha fugido para o estrangeiro com Spínola depois do 11 de Março, afirma também que «o 25 de Novembro foi um golpe desencadeado pela ala “gonçalvista” do MFA com o total apoio do PC. » ( Público , 17-4-1994.)
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E, já agora, lembremos que, em 1997, Carlucci informava a Câmara dos Representantes de que no 25 de Novembro «o golpe comunista foi derrotado » ( Dossier Carlucci/CIA , ed. cit., p. 109).
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Como a orientação e acção do PCP e os acontecimentos provassem que não tinha havido nem golpe nem tentativa de golpe do PCP, inventou-se então a tese do «recuo» — a história de que o PCP, vendo que o seu golpe militar, já desencadeado, iria falhar, recuou e desistiu do golpe . Essa tese do «recuo do PCP» é condimentada com uma insultuosa afirmação de Mário Soares: que o PCP teria lançado o golpe, mas, vendo que ia ser derrotado, deixou no terreno os esquerdistas «abandonados pelo PC» à sua sorte e à repressão (Maria João Avillez, Soares. Ditadura e Revolução , ed. cit., p. 487). Falsidade e calúnia retomada por Freitas do Amaral ( O Antigo Regime e a Revolução, ed. cit., p. 477).
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Explique-se. Esta invencionice, como argumento, deturpa dois factos reais: Um , as orientações dadas pela Direcção do PCP na noite de 24 para 25 a algumas das suas organizações para não se deixarem arrastar em atitudes ou na participação em aventuras esquerdistas de confronto militar (casos do Forte de Almada e do RAL 1).
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Outro , uma conversa telefónica na mesma noite de 24 para 25 entre o Presidente da República Costa Gomes e o secretário-geral do PCP, Álvaro Cunhal, em que este, tendo tomado a iniciativa do contacto, nos termos habituais da ligação institucional com a Presidência da República, comunicou ao Presidente, desmentindo especulações em curso, que o PCP não estava envolvido em qualquer iniciativa de confronto militar e insistia em apontar a necessidade de uma solução política. Soares diz contudo que Costa Gomes conseguiu «convencer o Partido Comunista a desistir » do 25 de Novembro (entrevista ao Público-Magazine , 24-4-1994). A verdade é que não houve «recuo» nem «desistência» porque não houve golpe nem tentativa de golpe do PCP, mas a realização empenhada da orientação definida pelo Comité Central em 10 de Agosto, até ao último minuto, incluindo as indicações acima referidas dadas às organizações do Partido e a diligência que se lhes seguiu junto do Presidente da República.
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Apesar de ficar claramente comprovado que o 25 de Novembro foi um golpe militar contra-revolucionário, há muito em preparação, Soares diz ainda, tantos anos passados, que «a tese de Álvaro Cunhal» de o 25 de Novembro ter sido um golpe e não um contra-golpe « permanece hoje historicamente indefensável » (Maria João Avillez, Soares. Ditadura e Revolução , ed. cit., p. 490).
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A verdade dos factos e os testemunhos mais válidos (de Costa Gomes, de Melo Antunes, de Vasco Lourenço, de Ramalho Eanes) mostram que «indefensável» é a «tese» de Soares e seus amigos quando insistem no golpe do PCP e no contra-golpe de 25 de Novembro.
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3- O «cerco» de S. Bento
.Na medida em que avançava a preparação do golpe militar contra-revolucionário, travou-se acesa luta política em torno dos trabalhos e das funções da Assembleia Constituinte.
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Soares pretendia (tal como Freitas do Amaral) que a Assembleia Constituinte, sem aprovar a Constituição, se transformasse de imediato num órgão do poder para fazer leis gerais e escolher novo governo. Pretendia no imediato, tendo Mário Soares como Primeiro-Ministro, formar governo em substituição do VI Governo Provisório. Jorge Miranda a pedido do PS e do PPD (segundo testemunho de Freitas do Amaral a pp. 531-532 do seu livro já citado) chegou a redigir um projecto de lei constitucional segundo o qual a «Assembleia Constituinte assume a plenitude dos poderes legislativos e de fiscalização do Poder Executivo em Portugal» (art. 1º ). Compreende-se assim melhor que, nas suas memórias, Mário Soares chame «Parlamento» à Assembleia Constituinte (Maria João Avillez, Soares. Ditadura e Revolução , ed. cit., p. 483). Pretendia ainda, como os acontecimentos pouco depois comprovaram, impedir a aprovação da nova Constituição.
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Na preparação do golpe contra-revolucionário, que veio a realizar-se em 25 de Novembro, e no quadro desses objectivos, chegou a ser examinada a possibilidade de transferência para o Porto dos chefes da conspiração, de unidades militares comprometidas e da Assembleia Constituinte, para depois, a partir do Norte, desencadear a guerra civil e esmagar militarmente o Sul, o que chamaram a «Comuna de Lisboa».
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O conhecimento da existência desse plano é necessário para compreender a conduta de Mário Soares no chamado «cerco a S. Bento», assim chamado pela contra-revolução.
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Foi o caso de, em tão polémica situação, no dia 12 de Novembro, os trabalhadores terem realizado uma concentração em frente da Assembleia Constituinte com objectivos de carácter reivindicativo laboral .
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Conhecendo as posições dos vários partidos relativas às suas reivindicações, os trabalhadores aplaudiram os deputados do PCP e alguns outros, que saíram calmamente do edifício e seguiram os seus destinos.
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Mário Soares conta à sua maneira os acontecimentos:
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«Vieram dizer-me que havia uma importante manifestação de operários da construção civil em frente ao Palácio. Fui a uma janela e apercebi-me de que uma verdadeira milícia paramilitar [?!!!], que enquadrava [?!!!] os manifestantes, se preparava [?!] para ocupar certas posições chave perto das saídas » (?!) (Mário Soares, Portugal: Que Revolução? , ed. cit., p. 187).
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Segue-se a descrição da «fuga», que vale a pena ler como testemunho de uma operação teatral, espectacular e rocambolesca. Corredores fora no edifício, «começou a correr» com seus amigos, atravessou em correria os jardins de S. Bento até lá cima à residência do Primeiro-Ministro e saiu pelas traseiras... (Maria João Avillez, Soares. Ditadura e Revolução , ed. cit., p. 483). O próprio Soares conta este episódio com um colorido que faz inveja aos melhores ficcionistas. Leia com gosto, se tiver ocasião.
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A história do «cerco de S. Bento», como ameaça comunista de assalto à Assembleia Constituinte com tais «milícias paramilitares», correu mundo, espalhada pela contra-revolução, tal como tinham sido os casos República e do Patriarcado.
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A ameaça comunista e a «fuga» a que Soares fora forçado para escapar ao perigo «provavam» que a Assembleia Constituinte não tinha condições para continuar em Lisboa.
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Segundo o pormenorizado plano de ir para o Norte, era imperativo deslocar a Assembleia para o Porto, para, a partir do Norte, lançar-se à conquista da «Comuna de Lisboa». É esclarecedor que, no dia 20 de Novembro, PS, PPD e CDS aprovam na Assembleia Constituinte a possibilidade de a Assembleia reunir «em qualquer momento e em qualquer lugar» ( Diário da Assembleia Constituinte , p. 2779).
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Para o Porto não foi a Assembleia mas, como veremos, foi Mário Soares, pensando poder realizar o tenebroso plano, que fora rejeitado.
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Quanto à manifestação dos trabalhadores, «a ordem repôs-se» com «cedências do Primeiro-Ministro a algumas das reivindicações salariais», segundo acabou por confirmar o próprio Soares (Maria João Avillez, Soares. Ditadura e Revolução , ed. cit., p. 483). Para quê ter abalado em tal correria e saído pelas traseiras?
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4- O «contra-golpe» falhado
.A ida, no próprio dia 25 de Novembro, de Soares para o Porto com os seus amigos, constituiu um episódio que esclarece e evidencia alguns dos mais sérios perigos de um plano muito diferente do que veio a ser o golpe do 25 de Novembro e os seus resultados.
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Nesse dia, partindo para o Porto, Soares ia certamente esperançado e decidido a que o golpe contra-revolucionário vitorioso seria um confronto militar violento, que tivesse como resultado a ilegalização e repressão violenta do PCP, do movimento operário e da esquerda militar e a não aprovação da Constituição da República já elaborada pela Assembleia Constituinte.
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Um tal plano foi desvendado vinte anos mais tarde pelas extraordinárias revelações de Vasco Lourenço que, nas vésperas do 25 de Novembro, substituiu Otelo no Comando da Região Militar de Lisboa e acompanhou de perto, em ligação com Eanes, a preparação final e a realização do golpe.
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Vasco Lourenço revela que, já depois da formação do Grupo dos Nove e da publicação do seu documento, foi levantada e esteve quase em vias de ser aprovada a hipótese (à qual Vasco Lourenço diz ter-se oposto «firme e deliberadamente», porque seria «provocar a guerra civil») da « retirada para o Norte, com as forças que nos apoiavam (Comandos da Amadora, Artilharia de Cascais, Infantaria de Mafra e Cavalaria de Santarém), permitindo, ou provocando, [!] que se criasse a Comuna de Lisboa , que depois se procuraria reconquistar» (artigo in Revista História , nº 14, Novembro de 1995, p. 35). Seria também de considerar «passar a reunir no Porto» a Assembleia Constituinte ( ibid. ), ideia esta que Mário Soares sugere, inventando e lançando a cabala do «cerco a S. Bento» pelos comunistas. Sendo impossível à Assembleia funcionar como Constituinte em tais condições, com a ida para o Porto tornar-se-ia um Parlamento, faria leis e escolheria o governo, como consta do projecto de lei constitucional de Jorge Miranda atrás referido.
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Reveladora também da natureza e execução do mesmo plano a pouco conhecida transferência para o Norte do ouro do Banco de Portugal , em «operação devidamente concertada com o sindicato dos bancários, na altura de orientação conjunta socialista e MRPP» ( Vida Mundial , Dezembro de 1998).
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Os factos mostram que, ao ir para o Porto no dia 25, ainda Soares sonhava com a «hipótese» de guerra civil contra a «Comuna da Lisboa» desvendada anos mais tarde por Vasco Lourenço.
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Também Melo Antunes informa «a sua vontade de evitar a deslocação do poder para o Norte, com a intenção de daí se partir à conquista da “comuna de Lisboa” » ( Vida Mundial , Dezembro de 1998, p. 50).
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As revelações de Vasco Lourenço e de Melo Antunes são ainda mais esclarecedoras, se lhes acrescentarmos outras confissões, igualmente sensacionais, feitas pelo próprio Soares a Maria João Avillez: « Talvez uma semana antes do 25 de Novembro, o então Primeiro-Ministro [da Grã-Bretanha] James Callaghan enviara-me um oficial do Intelligence Service que eu, através de Jorge Campinos, apresentei aos militares operacionais [é pena não dizer quais] que, entretanto, tinham começado a gizar o seu plano militar — conforme Callaghan conta nas suas Memórias .»
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«A consumar-se a divisão entre o Norte e o Sul do país [informa Soares], o Reino Unido não só nos apoiaria politicamente, como colaboraria ainda com Portugal através de apoios concretos. Prometeram-nos fazer chegar rapidamente ao Porto combustível para os aviões e também armamento. » (Maria João Avillez, Soares. Ditadura e Revolução , ed. cit., p. 491.)
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Isto é: Uma semana antes do 25 de Novembro já Soares estava a combinar com os ingleses a ida para o Norte, o fornecimento de gasolina para os aviões e de armamento.
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E não só. Conta Rui Mateus referindo os apoios financeiros dos ingleses: que «a entrega mais [...] volumosa, seria a 24 de Novembro, nas vésperas da partida de Mário Soares para o Porto. [...] As instruções que Mário Soares me tinha dado eram no sentido de eu me dirigir com o “pacote” a sua casa, pois o seu conteúdo era necessário para esta segunda viagem para a capital do Norte. Dirigi-me então [...] à sua casa no Campo Grande.» ( Contos Proibidos. Memórias de Um PS Desconhecido , Publicações Dom Quixote, Lisboa, 1996, p. 89.)
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Acompanhemos o desenrolar dos acontecimentos militares. No dia 25 de Novembro, pilotos e aviões são levados de Tancos para Monte Real e Cortegaça, os pára-quedistas abandonados pelos oficiais saem de Tancos e ocupam o Estado-Maior da Força Aérea em Monsanto. Está tudo preparado para desencadear em Lisboa as operações do golpe contra-revolucionário há muito preparado e definido no «Plano das Operações». Soares vai à sede do PS, aí «trocando informações com os seus camaradas e recolhendo dos militares as precisões possíveis». Vai depois ao Palácio de Belém, onde «se montara um posto de informações chefiado pelo tenente-coronel Ferreira da Cunha» , o mesmo que no 11 de Março se encontrava com Manuel Alegre e outros dirigentes do PS. «Após ter sido decretado por Costa Gomes o “estado de emergência”, mas quando a situação militar era muito confusa e Lisboa estava cercada [em vez de ficar no teatro de operações do golpe a desencadear-se nesse mesmo dia], decidiu-se, numa reunião da direcção do Partido, que alguns de nós iríamos para o Porto» (Maria João Avillez, Soares. Ditadura e Revolução , ed. cit., p. 490).
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Chegara para Mário Soares a hora do seu «contra-golpe», a hora do plano referido por Vasco Lourenço, ao qual este se tinha «firmemente oposto»: a retirada para o Norte «permitindo, ou provocando, que se criasse a Comuna de Lisboa, que depois se procuraria reconquistar». Agora não seria com as unidades das Forças Armadas nessa altura consideradas. Mas poderia ser com as unidades do Norte e do Centro e com os pilotos e aviões que tinham abandonado Tancos e estavam em Monte Real e Cortegaça. E com mais armas, que poderiam fornecer os amigos ingleses, conforme não só prometera Callaghan directamente, mas confirmara por intermédio de um oficial do Intelligence Service .
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E, à maneira da «fuga» espectacular do «cerco de S. Bento», aí vão eles agora para o Porto — do Estoril para Sintra, pela estrada da costa, até às Caldas da Rainha, ali pela Nazaré e S. Pedro de Muel até ao Porto (Maria João Avillez, Soares. Ditadura e Revolução , ed. cit., p. 490).
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Conta Freitas do Amaral que Mário Soares, imediatamente antes de partir para o Norte, lhe telefonou a «“pedir-lhe que desse instruções para os dirigentes e os Deputados do CDS irem também todos para o Porto”», a fim de a partir dali combaterem a «Comuna de Lisboa». Perguntando-lhe Freitas do Amaral: «Acha que devemos partir antes do fim-de-semana?», Mário Soares respondeu-lhe «à queima-roupa: “Antes do fim-de-semana não, Sr. Professor. Têm de partir antes do jantar. Hoje mesmo”.» ( O Antigo Regime e a Revolução , ed. cit., p. 461.)
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Melo Antunes e Costa Gomes fazem interessantes apreciações à ida para o Porto de Soares e seus amigos no momento crucial do 25 de Novembro.
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Melo Antunes, usa palavras importantes para compreender esta deslocação: «Admito que tenha havido conivência entre o PS e o Pires Veloso, nomeadamente na ideia da fuga para o Norte , que, do meu ponto de vista, era completamente disparatada e só ia criar condições de dramatização, que podiam conduzir à guerra civil . Passado este tempo todo, não me custa a admitir que o PS, em particular o Mário Soares, quisessem ter, mais uma vez, um enorme protagonismo no meio disto tudo, aparecendo no fim como os grandes heróis. » (Entrevista a Maria Manuela Cruzeiro, revista Indy , 27-11-1998.)
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Diz por sua vez Costa Gomes : «Achei de um ridículo espantoso a decisão de os principais dirigentes do PS se refugiarem no Norte . E parece que o Mário Soares foi um deles. Acho que isso é uma fraqueza que as pessoas têm de vez em quando. Talvez levadas, porque vejo o Mário Soares como uma pessoa corajosa. Mas, nesse momento não foi o mais corajoso. Fugiu do centro onde havia maior actividade revolucionária para um sítio onde julgava que havia paz . Mas era uma paz podre, com laivos de MDLP. » (Entrevista a Maria Manuela Cruzeiro, revista Indy , 27-11-1998. Cf. Costa Gomes. O Último Marechal , ed. cit., p. 363.)
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Costa Gomes revela com frontalidade a situação, mas os factos atrás apontados mostram que não se tratou de uma «fuga» e sim da partida para a realização de um plano.
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Indo para o Norte, onde o aguardavam o comandante da Região Militar Pires Veloso e Lemos Ferreira, levando os aviões e pilotos de Tancos, e contando com o apoio político, diplomático e financeiro da Grã-Bretanha, gasolina para os aviões e mais armamento, Mário Soares vai com a ideia de que o golpe contra-revolucionário em Lisboa poderá ser derrotado e então ele, a partir do Norte, desencadeará a guerra civil para esmagar a «Comuna de Lisboa».
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E, sobre os pilotos que, com os aviões, abandonaram «em bloco» Tancos, e que «constituíam a parte mais importante dos “páras”» e os seus comandos todos, não é de mais lembrar que Costa Gomes lhes atribui grande responsabilidade por abandonarem os «páras» ( Indy, 27-11-1998) que em desespero foram ocupar em Monsanto o EMGFA e prender o seu comandante.
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No Norte, os aliados de Soares não eram famosos.
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Segundo Melo Antunes, Soares e o PS « aliaram-se ao que de pior havia nas Forças Armadas. Como já se haviam aliado ao Spínola . Numa aliança que se tornou mais evidente depois da vinda dos oficiais do ELP e do MDLP. Que se tornaram nos aliados militares preferenciais do PS.» ( Indy, 27-11-1998).
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No Porto (já realizado o encontro com Pires Veloso e Lemos Ferreira) Soares dá, no dia 26, uma conferência de imprensa. Insistindo na sua tese do «contra-golpe» à tentativa de um golpe comunista, afirma que o 25 de Novembro foi (o inventado golpe comunista, claro) « o mais grave atentado à democracia portuguesa desde o 25 de Abril » ( Primeiro de Janeiro , 27-11-1975).
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Dois dias depois, num comício realizado também no Porto, acusa: «os responsáveis são em primeiro lugar os dirigentes do PCP» ( Jornal de Notícias , 27-11-1975). Sottomayor Cardia classifica o 25 de Novembro como « uma insurreição comunista para a conquista total do poder e eliminação dos adversários do comunismo » ( O Jornal , 5-12-1975).
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Nesse comício destacou-se uma delegação do PC de P(m-l), muito aplaudida segundo o jornal, com um sugestivo cartaz: «Prisão para Cunhal e seus lacaios» ( Comércio do Porto , 27-11-1975).
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Vê-se que Soares e o PS se identificavam, quanto aos objectivos do golpe, não com o que veio a ser o golpe e o seu resultado, mas com os fascistas e «laivos de MDLP» como Costa Gomes refere. Com spinolistas e «o pior que havia nas Forças Armadas», como refere Melo Antunes. Com os reaças a ferver para « vir por aí abaixo matar comunistas », como diria dias depois o chefe da rede bombista do MDLP Alpoim Calvão. Ainda com a ideia de liquidar pelas armas a «Comuna de Lisboa».
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Uma observação mais para melhor se compreender o alcance das palavras.
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Os contra-revolucionários chamaram «Comuna de Lisboa» à eventual conquista insurreccional do poder pelo PCP na grande região de Lisboa. Este nome não foi utilizado por acaso. Foi por analogia com a «Comuna de Paris» de 1871, a qual nas palavras de Marx «era essencialmente um governo da classe operária» (Marx//Engels, Obras Escolhidas em três tomos, Edições «Avante!»-Edições Progresso, Lisboa-Moscovo, 1983, Tomo II, p. 243). Tão-pouco por acaso a analogia da repressão que projectavam para a «Comuna de Lisboa» com a conquista de Paris pelas tropas reaccionárias e o terrível e cruel esmagamento da «Comuna de Paris» com fuzilamentos em massa de dirigentes e da população.
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5- A saída da crise político-militar
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A preparação e a execução do golpe militar contra-revolucionário de 25 de Novembro realizou-se no quadro complexo e movediço de alianças diversas e contraditórias, de arrumações e desarrumações de forças em movimento, de objectivos políticos e militares diferenciados e incompatíveis no que respeita ao que cada qual pretendia como resultado final do golpe.
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Mário Soares e o PS participaram com importante contribuição na formação da grande aliança contra-revolucionária anticomunista e anti-MFA, que conduziu ao golpe. Mas, pela identificação dos seus objectivos e pela sua colaboração estreita e prioritária com as forças mais reaccionárias, estiveram à margem do processo efectivo de preparação do golpe e não conseguiram desencadear o que apelidavam de «contra-golpe», nem conseguiram o seu objectivo de reprimir e ilegalizar violentamente o PCP e o movimento operário.
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Muitos anos mais tarde, Soares diz que, logo no dia 26, apoiou e «pareceu-lhe sensata» a célebre declaração de Melo Antunes na televisão: que «os comunistas eram indispensáveis para que se cumprissem as regras do jogo democrático» (Maria João Avillez, Soares. Ditadura e Revolução , ed. cit., p. 489). Fantástica reviravolta, na hora do fracasso da tentativa de desencadear a guerra civil a partir do Norte.
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A verdade é que, no 25 de Novembro, Soares, de companhia com a extrema direita, sofreu séria derrota política . Nem a liquidação militar da «Comuna de Lisboa», nem guerra civil, nem ilegalização e repressão do PCP, nem intervenção efectiva na saída política da situação. É pertinente a observação de Melo Antunes de que «não é por acaso que das suas declarações continuam a não constar grandes referências ao 25 de Novembro» ( Indy, 27-11-1998).
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Há quem não compreenda como foi possível a surpreendente solução política, que no imediato veio a resultar do golpe. Com a salvaguarda das liberdades e da democracia. Com a formação de um governo em que continuou o PCP. Com a aprovação e promulgação da Constituição pela Assembleia Constituinte.
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E entretanto essa solução política era uma possibilidade há muito considerada pelo PCP na sua análise da situação e na sua acção prática. Uma tal saída política do golpe «contra o PCP» resultou da aliança, não negociada, não debatida, não acordada, não explicitada, mas aliança com o PCP, conjuntural e objectivamente existente , de chefes das Forças Armadas, destacados participantes na preparação do golpe e na sua execução, mas defensores da continuação das liberdades e da democracia política.
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A aliança, que decidiu da saída política do 25 de Novembro, não foi pois a que Mário Soares indicava como sendo a do «contra-golpe» — «militares moderados, Grupo dos Nove e PS». Não, não foi essa aliança que realizou o 25 de Novembro nem a que interveio na saída política do golpe. No complexo quadro da grande aliança contra-revolucionária, o PS, no 25 de Novembro, acabou por ficar de fora , como atrás anotámos. É Eanes que, citando o «Plano de Operações», o testemunha ( O Independente , 29-4-1994).
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De facto, o «Plano de Operações», publicado como anexo em vários livros, e não nos consta tenha sido desmentido, justifica inteiramente essa afirmação.
Embora admitindo poder vir a ser necessário um «plano de acção política com deslocação dos órgãos do poder político para o Norte», o Plano estabelece que «a acção decisiva processar-se-á na Região Militar de Lisboa» «seja ou não» a iniciativa das «forças da ordem».
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Elaborado sob a direcção pessoal de Eanes (como Gomes Mota informa e Vasco Lourenço confirma) o Plano permite explicar e compreender muitos dos aspectos mais contraditórios e polémicos do golpe.
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O «Plano de Operações» contém, objectivamente, não o plano de um contra-golpe mas de um golpe. Não uma acção militar para responder a um golpe efectuado ou em curso, mas o plano de um golpe militar, exigindo longa preparação, com o objectivo de pôr fim a uma situação político-militar cuja responsabilidade atribuem ao PCP.
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O Plano é concebido como um golpe à escala nacional e com plano de operações em todas as regiões. Faz um balanço das «unidades favoráveis» e «unidades não seguras» indicando as operações militares do golpe decorrentes da situação avaliada em cada caso.
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Aponta os termos concretos da intervenção tanto das unidades das Regiões Militares do Norte, do Centro, do Sul e de Lisboa, como dos partidos que apoiam o golpe.
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O Plano, embora admitindo que o momento da execução possa ter de ser determinado por circunstâncias não previstas, «está elaborado para a hipótese da iniciativa ser das forças da ordem» (hipótese 2ª) e vai ao ponto de indicar a altura do dia para o começo das operações de tais ou tais unidades.
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O Plano, nas alternativas que coloca em muitos casos ao desenvolvimento das operações, contém uma avaliação de incertezas e contradições, que reflectem e correspondem às contradições do próprio golpe.
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Por um lado, constitui um elemento do processo geral da contra-revolução no caminho para o fim da dinâmica revolucionária, para a efectiva dissolução do MFA, para o restabelecimento da hierarquia militar controlada pelas forças de direita.
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Por outro lado, o seu resultado imediato não foi a repressão ao PCP e ao movimento operário e a instauração de uma nova ditadura, como queriam, e não estiveram longe de conseguir, os protagonistas e apoiantes fascistas e fascizantes, mas a continuação (com os comunistas e com um forte movimento sindical de classe) de um regime democrático.
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Os principais dirigentes dos partidos que tinham participado e apoiado a realização do golpe evitaram até hoje dar sobre isso uma apreciação frontal. Deixaram isso para o Jardim e para os bombistas.
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Pouco conformado com a saída política, Galvão de Melo (em 8 de Dezembro), brandindo a moca, apelava para que os comunistas fossem lançados ao mar.
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Alberto João Jardim diria mais tarde que «o problema foi que as Forças Armadas voltaram a falhar por deixarem incompleta a missão patriótica, em que se envolveram a 25 de Novembro. Passou-se uma esponja sobre os crimes que vinham sendo cometidos desde o 25 de Abril » « mantiveram uma Assembleia Constituinte eleita em condições de total falta de imparcialidade e liberdade para vários partidos políticos, o que deu a borrada ainda hoje em vigor, quando deviam ter dissolvido essa Assembleia e, então sim, isso feito, realizar eleições verdadeiramente livres» ( O Diabo , 4-4-1994).
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O chefe do movimento terrorista Maria da Fonte responsável por numerosos assaltos, atentados, destruições de instalações do PCP, lamentando não ter vencido o «Plano» gizado para liquidar fisicamente o PCP, referirá o golpe realizado como «aquele 25 de Novembro», «o pudico golpe militar de Novembro de 1975», que quis «evitar» que a intervenção dos civis na execução do «Plano» «pudesse resultar em algumas centenas de mortos» (Paradela de Abreu, ob. cit., pp. 153 e 154). Que importância teria isso?
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Joaquim Ferreira Torres, destacado activista do MDLP e contratador do mercenário Ramiro Moreira, considerou o 25 de Novembro « uma traição » ( ob. cit. , p. 188).
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Também o cónego Melo ficou manifestamente desiludido. Tanto empenho, tanta mobilização das populações arregimentadas pela Igreja e pelos padres, tantos assaltos e destruições de Centros de Trabalho do PCP, tantas bombas, tantos atentados — alguns dos quais até tem sido difícil manter impunes — e afinal um tal resultado: liberdades, regime democrático, aprovação da Constituição. Desapontamento profundo. Não sabe como explicar mas explica: « O 25 de Novembro foi da total responsabilidade dos marxistas […] foi uma luta de marxistas » (entrevista ao Diário do Minho/Rádio Renascença , 13-3-1999). Só faltava mais esta, não é verdade?
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Como podiam fascistas e fascizantes, militares radicais, bombistas do MDLP, do Maria da Fonte e do ELP, como podiam PS, PPD e CDS aceitar que a saída política de um golpe contra-revolucionário anti-PCP fosse a continuação e retomada de funções de um governo com a continuação da participação do PCP, com um ministro e seis secretários de Estado?
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Não podiam aceitar e não se deram por vencidos. Voltaram à carga no imediato numa ressaca que, como veremos, teve como objectivos imediatos fundamentais inverter a situação, impedir a aprovação e promulgação da Constituição pela Assembleia Constituinte e assegurar a efectiva tomada do poder pela contra-revolução.
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[*] Ex-secretário-geral do Partido Comunista Português. Capítulo 8 do livro "A verdade e a mentira na Revolução de Abril: A contra-revolução confessa-se", Edições Avante!, Lisboa, Setembro de 1999, ISBN 972-550-272-8
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