A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

terça-feira, julho 10, 2007


Entrevista: Júlio Pomar
A sociedade-espectáculo é o ópio do povo
* Myriam Zaluar
Nasceu em Lisboa, no mesmo ano em que foi implantado o Estado Novo, 1926. Desde sempre sentiu a resistência na pele e nos dedos. Vendeu o primeiro quadro a Almada Negreiros, por cem mil réis. Em 1947, a censura tapou-lhe os frescos que pintara para o Cinema Batalha. No mesmo ano, foi preso por veicular “informação subversiva”. Em Caxias, partilhou a cela da ditadura com Mário Soares. Mais tarde, pintou-lhe o retrato que figura na Galeria dos Presidentes. O Ministério da Cultura perdeu-lhe o rasto a um ‘Camões’.
Divide a sua vida entre Paris e Lisboa. Enquanto não fica pronto o novo atelier, projectado por Álvaro Siza, Júlio Pomar pinta, vários quadros ao mesmo tempo, no enorme sótão da sua casa em Lisboa, onde dezenas de animais de plástico comprados em lojas chinesas pontificam em bizarras composições.
- O que anda a fazer?
- Ultimamente quase só retratos. Estou a fazer um retrato do Carlos do Carmo, para a capa de um disco. Eu não trabalho com modelo, de forma que é algo trabalhoso, um exercício de memória. O Matisse dizia que quando tinha de pintar um retrato sentia a iminência de uma catástrofe.
- Tem uma rotina de trabalho?
- Não. Pinto todos os dias, mas não tenho uma disciplina rígida. Ultimamente tenho trabalhado bastante de manhã.
- Quando inicia um quadro já visualizou o resultado final?
- Não. É uma ideia muito vaga, quase como um sonho, que depois vai ganhando forma. Mas é como se fosse algo que já existisse, que vai nascendo através do corpo-a-corpo que se estabelece.
- Corpo-a-corpo?...
- Precisamente. É uma luta.
- Vendeu o primeiro quadro a Almada Negreiros. Como foi isso?
- Andava em Belas-Artes, que era uma coisa sinistra. Eu e um grupo de jovens artistas resolvemos fazer uma exposição num quarto que usávamos como atelier ali perto. Naquela altura não acontecia absolutamente nada em Lisboa. Na Brasileira, os senhores crescidos souberam que aqueles miúdos tinham a exposição e o Almada foi lá ver, com o António Dacosta, um pintor com quem acabei por ter uma relação muito próxima. E comprou o quadro, o que me deixou cheio de orgulho.
- Que quadro era?
- “Os Saltimbancos”, um quadro que entretanto desapareceu: ninguém sabe aonde foi parar.
- Quanto é que ele lhe pagou?
- Cem mil réis! Na altura, um bilhete de eléctrico custava sete tostões.
- Tem dificuldade em separar-se das suas obras?
- Nenhuma, desde que o quadro esteja acabado. Agora, enquanto sinto que ainda não terminei, não o largo por nada deste mundo. Mas há alguns que guardo para mim. E já me aconteceu voltar a comprar quadros. Recentemente, comprei de volta um, dos anos 40, de que precisava para a Fundação, por ter muito pouca coisa dessa altura. Não foi por nenhum motivo afectivo, foi por uma questão de coerência.
- Mas fotografa-os, guarda um registo?
- Ultimamente, sim, dos últimos anos tenho tudo fotografado. Mas antigamente não havia o hábito de fotografar, e eu nunca tive qualquer relação especial com a fotografia.
- Tem trabalhos relacionados com obras literárias. Também escreve. A escrita preenche algum vazio que a pintura deixa em aberto?
- No fundo, a escrita nasce, como a pintura, de uma necessidade de comunicar. A palavra impõe-se, tem presença, e precisa de se juntar a outras palavras, tal como um painel de mosaicos é constituído de várias pedrinhas ou um quadro nasce da combinação das cores. Não deve haver um único português que não tenha cedido à tentação de escrever versos. Além de poesia, escrevi alguns ensaios.
- Tem um grande fascínio por Pessoa. Como o descobriu?
- Boa ideia, como o descobri... Lá em casa, havia os três exemplares da revista ‘Atena’. Foi aí que li o “Guardador de Rebanhos”. Eu e o Mário Cesariny costumávamos ir para uns terrenos que existiam onde é hoje Alvalade e compartilhávamos as nossas descobertas: Pessoa, Mário de Sá-Carneiro... Atirávamos, literalmente, versos um ao outro. Eram desgarradas de poesia.
- E Almada Negreiros, como era?
- Uma figura. Lembro-me de uma vez o ter encontrado na Brasileira e ele pergunta-me: ‘Então, tem trabalhado?’ Eu digo: ‘Sim, tenho.’ E vai ele, com aquela voz grave e pousada que enchia a Brasileira: ‘Pois eu não tenho trabalho.’ (risos). O que ele queria dizer era que não tinha encomendas. Para mim, na minha inocência de miúdo, trabalhar era pintar, fazer esboços.
- Há algum quadro seu de que hoje não goste que tenha perdido o sentido com o passar do tempo?
- Passado algum tempo, deixam de me pertencer. Parece que foram pintados por outra pessoa.
- Alguma vez deitou coisas fora?
- Muitas vezes! No caso dos desenhos, claro, há muito papel que vai para o lixo. Nos quadros também acontece, mas de forma diferente, enquanto ando ali à procura, naquele processo de raspar ou de sobrepor camadas.
- Já apareceu o ‘Camões’?
- Não. Deve estar enfaixado nalgum lado.
- Como ficou a tentativa de recuperação dos frescos do Cinema Batalha, no Porto?
- Penso que a única coisa que se salvou foram os esboços iniciais. Como o próprio nome indica, o fresco é um processo específico em que se pinta por cima do reboco ainda fresco. Percebeu-se que os frescos tinham sido destruídos.
- E já foi tomada alguma decisão? Como irá aquilo ficar?
- Eu fiz uma sugestão. Os frescos foram fotografados pelo Ernesto de Sousa. A ideia era colocar ali as fotografias.
- O que tinham os frescos?
- Era uma representação das Festas de S. João no Porto. Recriavam todo aquele ambiente, mas era algo obscuro, não representava aquele Portugal inocente, folclórico, que o regime queria. A temática andava em torno dos operários, das mulheres. Curiosamente, à porta do tal cinema, o Américo Braga tinha feito uns baixos-relevos, com figuras do mesmo género: uma mulher com uma foice, por exemplo. Os baixos-relevos foram mantidos, só a foice desapareceu. Ficou uma coisa um pouco fálica, uma mulher com um pau na mão (risos). Os frescos foram destruídos.
- E foi preso...
- Sim, fui preso. Naquela altura, fazia parte do MUD (Movimento de União Democrática), juntamente com outros camaradas, como Mário Soares. Alguns dos manifestos que veiculávamos foram classificados como informação falsa. Fui depois condenado a três meses de prisão. Tinha ficado preso durante quatro, tenho a haver um mês (risos).
- Foi preso juntamente com Mário Soares. Estavam na mesma cela?
- Na mesma cela. Tivemos ocasião de cultivar a nossa amizade.
- Nasceu em 1926, o ano em que foi implantado o Estado Novo.
- Pois foi, mas isso acabou e eu ainda não.- Em que altura começou a perceber que era contra o regime? Desde sempre. Sim, um tio meu tinha até sido enviado para Timor, que era o que acontecia a quem tinha actividade subversiva.
- Nasceu em Lisboa. Que relação tem com a cidade?
- Nasci e vivi num quarto andar em Santos, do qual tinha vista sobre o porto. Na altura havia um movimento enorme naquele porto. Os barcos entravam e saíam e era por ali que chegavam os ‘excursionistas’, que era o nome que na altura se dava aos turistas. E eu lembro-me, desde pequeno, de observar toda aquela actividade. Lisboa nessa época fervilhava de vida. Hoje a cidade – as cidades, não é só Lisboa – está deserta. As pessoas já não vão aos cafés, às tabernas. Vão para casa e vêem televisão.
- Como está Portugal 33 anos depois do 25 de Abril?
- Quando eu era miúdo, estava-se no pós-guerra e falava-se da figura do ‘gaseado’. Quando alguém era um pouco louco dizia-se que era “um gaseado”.
- Mas em relação ao ideal, era este o País que pretendia?
- Não. Mas o Mundo evoluiu numa direcção que ninguém imaginava. A ideologia era fundamental para dirigir os nossos destinos. O Mundo dividia-se em função da opção económica entre o capitalismo e o chamado socialismo. Imaginava-se que as ideologias iriam tomar o lugar das religiões. Hoje verifica-se o contrário: as ideologias morreram e as religiões... Tudo é espectáculo. A sociedade-espectáculo é o novo “ópio do povo”. A nova forma de alienação.
NÃO SENTE ANGÚSTIA
Afirma não sentir qualquer angústia face à tela em branco e pinta sempre vários quadros ao mesmo tempo. No atelier de Pomar, os quadros convivem com curiosas composições em que “os bichos” são reis de uma selva de tubos de tinta e botas de gesso. “Brincadeiras”, explica o mestre. Na casa, de dois andares, “sobrevivente do Terramoto”, foi instalado um ultramoderno elevador que transporta o pintor e a sua musa para cima e para baixo, entre a sala de estar e o local de criação. Quando a obra da casa em frente, onde será a Fundação Júlio Pomar, estiver concluída, ficará ali o atelier, projectado por Álvaro Siza. Quando o pintor “passar as armas para o outro lado”, será transformado num museu.
in Correio da Manhã 2007.07.08

Quadro - Júlio Pomar

Júlio Pomar
Júlio Pomar nasceu em Lisboa, em 1926. Aos 8 anos um escultor amigo da família leva-o a frequentar como aluno livre as suas aulas de desenho na, então, Escola de Arte Aplicada António Arroio. Na adolescência frequenta esta escola, onde se prepara para ingressar na Escola de Belas Artes de Lisboa, na qual é admitido em 1942. A sua permanência nesta escola é relativamente curta, ao fim de dois anos de frequência abandona-a.
Em 1944 Pomar transfere-se para a Escola de Belas Artes do Porto.
Com o fim da II Grande Guerra e a derrota do Nazi-fascismo, o regime de Salazar fica mais exposto e as suas contradições tornam-se mais evidentes.
Tal como outros jovens artistas da época, Júlio Pomar é influenciado por escritores que se impunham no panorama literário português, como Alves Redol ou Soeiro Pereira Gomes, ligados ao Partido Comunista Português. O momentâneo fortalecimento da oposição a Salazar e uma temporária permeabilidade da censura promovem a entrada em Portugal de influências decorrentes da reconstrução cultural do pós-guerra. Complementarmente as obras de artistas como Portinari e os grandes muralistas mexicanos - Orozco, Rivera e Siqueiros - encorajam os jovens artistas portugueses, como Júlio Pomar, a fazer da sua arte um veículo de intervenção sócio-política.
Ainda em 1945, Pomar expõe uma das suas obras paradigmáticas - O Gadanheiro - na Sociedade Nacional de Belas Artes (SNBA). Mário Dionísio escreve a propósito um artigo intitulado "O princípio de um grande pintor ?"
Pomar assume-se então como um agitador da contestação ao regime, promovendo a 1ª Exposição da Primavera no Ateneu Comercial do Porto, onde se agrupam artistas que recusam qualquer colaboração com o regime salazarista.
Esta participação activa no movimento de oposição ao regime leva-o a integrar a comissão central do Movimento de Unidade Democrática. A sua intervenção nas lutas estudantis custa-lhe a interdição da frequência da Escola de Belas Artes do Porto.
Para a decoração do Cinema Batalha naquela cidade é-lhe encomendado um grande mural, mandado destruir pela polícia política poucos meses depois da abertura da sala ao público.
Pomar regressa então a Lisboa, onde viria a ser preso durante quatro meses. Nesse período um dos seus quadros, intitulado Resistência, é apreendido na II Exposição Geral de Artes Plásticas.
Em 1950, realiza uma exposição individual na SNBA, em Lisboa, onde apresenta obras marcantes da pintura portuguesa do século XX, como O Almoço do Trolha, Menina com um Gato Morto, Varina Comendo Melancia ou O Cabouqueiro. Ainda com conteúdo neo-realista, estas obras prenunciam, pela marca do gesto na pintura, o início de um percurso autónomo que se irá progressivamente libertando das fórmulas enunciadas nos postulados da ideologia política que inicialmente tinham orientado o seu trabalho.
No mesmo ano, Pomar desloca-se a Espanha, onde estuda o trabalho de Goya, o qual marcará fortemente a sua pintura, sobretudo mais tarde, em 1957, em Maria da Fonte e os Cegos de Madrid.
Na Galeria de Março, em 1952, expõe desenhos, aguarelas, guaches e cerâmicas.
Nos anos seguintes trabalha em retratos de proeminentes intelectuais como Maria Lamas, Mário Dionísio e outros. Participa ainda na experiência colectiva que ficou conhecida por Ciclo do Arroz.
Em 1956, em conjunto com outros artistas, como Rogério Ribeiro e José Júlio, funda a Gravura, cooperativa de produção e divulgação de obras gráficas, da qual será o principal animador até 1963.
O movimento adquire na pintura de Pomar um papel primordial, assumindo-se como a marca da sua pintura a partir desta altura, surgindo descontinuado, agitado, contraditório, reflectindo-se nos temas que escolhe - movimentos de multidão e cenas de trabalho - de que são exemplos os quadros Maria da Fonte e Pescadores.
Em 1960 Pomar realiza trinta pequenas pinturas a preto e branco para ilustrar uma versão de D.Quixote, de Aquilino Ribeiro, seguidas por outros trabalhos de escultura e pintura versando o mesmo tema. Neste mesmo ano dá inicio à série Tauromaquias.
A proximidade do novo atelier, em Paris, do campo de corridas de cavalos de Auteuil, vai influenciar o aparecimento de uma nova série de trabalhos em que o movimento atinge na sua pintura um maior protagonismo. Les Courses são expostos na Galeria Lacloche onde, em 1964, Pomar já tinha apresentado Tauromachies.
Em 1968, inspirado nos acontecimentos de Paris, realiza uma série subordinada ao tema da insurreição, reflectindo o desejo de registar um acontecimento pintando a História. Nesta fase Pomar abandona quase por completo a pintura a óleo, adoptando o acrílico como material de eleição para a sua pintura.
Até 1975, o trabalho do pintor incide principalmente no retrato, com recurso ao desenho e à pintura. Deste período destacam-se a utilização da cor saturada e o rigor geométrico. Os planos monocromáticos ocupam a quase totalidade da superfície da tela, estabelecendo o diálogo entre o vazio e a representação pontual de partes do corpo e da fisionimia do sujeito retratado.
Quando se dá o 25 de Abril de 1974 Pomar encontra-se em Lisboa, onde permanecerá nos meses seguintes ao golpe de Estado, vivendo os acontecimentos revolucionários que se lhe seguiram. Em 10 de Junho participa, com 48 artistas, na elaboração de um painel colectivo destinado a comemorar a queda do regime.
Em 1983, expõe na Galeria 111 a série Os Tigres. Um ano depois realiza a decoração da estação de metropolitano do Alto dos Moinhos, adoptando como tema quatro poetas ligados à cidade de Lisboa - Camões, Bocage, Pessoa e Almada.
Em 1988, Pomar permanece dois meses no Brasil, em Mato Grosso, acompanhando a rodagem do filme de Ruy Guerra, Kuarup. Após a convivência com a realidade dos índios do Alto Xingu, dá início a uma série dedicada a esta temática.
Em 1994 realiza a exposição Fables et Portraits na Galerie Piltzer, em Paris, e o O Paraíso e Outras Histórias na Culturgest em Lisboa. Naquela galeria parisiense apresenta, em 1996, Les Méfaits du Tabac ou l'année du couchon, que em conjunto com a série anterior são testemunho de uma forma de encarar a pintura e a vida com um humor que se encontra muito distante dos sorumbáticos anos do neo-realismo.
Em 1997, apresenta no Centro Cultural da Gandarinha, em Cascais, as obras produzidas em 1958-1960, para a publicação D.Quixote, de Aquilino Ribeiro, e na sua sequência até 1963, acompanhadas de um trabalho de 1997, em quatro elementos, intitulado D.Quixote e os Carneiros.

in http://www.citi.pt/cultura/artes_plasticas/desenho/alvaro_cunhal/pomar.html

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