Polícias sob suspeita
Magistrados não controlam informadores
* Henrique Machado / Carlos Tomás
Os informadores “são perigosos. Jogam dos dois lados”. Dão outros traficantes à morte e “enriquecem à margem da Lei. Vivem relações promíscuas com a polícia e trocam favores sem o controlo dos magistrados”, garantem ao CM fontes judiciais. São mal necessário e “é preciso saber de que lado estão”, reconhece José Braz. Mas a Judiciária não foge à “legalidade” e o líder do combate ao tráfico de droga desafia, no CM, “os retóricos e polícias de gabinete a apresentarem provas”.
Todo o crime conhecido é punido por igual, diz a Lei. E o Código Penal “não prevê o mal menor nem um fechar de olhos – manter em liberdade o informador-traficante só para se chegar aos grandes tubarões”, recorda um magistrado.
O informador “estabelece uma relação de confiança com um inspector. No anonimato. E procura sempre a impunidade nas informações que troca. Os juízes nem chegam a saber que eles existem e conseguem andar cinco, dez anos, às vezes uma vida inteira, no crime sem passarem uma noite pela cadeia”.
Mas as informações de quem conhece o tráfico por dentro “são essenciais à PJ no combate ao crime organizado e uma ferramenta do dia-a-dia”, admite José Braz. O director nacional adjunto lidera a Direcção Central de Investigação ao Tráfico de Estupefacientes (DCITE) e conta com eles “sobretudo nas pequenas e médias apreensões. Via terrestre”, adianta ao CM um inspector da DCITE. Porque “as grandes apreensões, via marítima, são hoje feitas através da cooperação internacional. Pelas informações que chegam de outros países”.
Só que é precisamente no pequeno e médio tráfico que José Braz se sente atacado. Na determinação do director nacional da PJ, Alípio Ribeiro, em retirar estes casos à DCITE e distribuí-los pelas directorias espalhadas pelo país.
O desvio de 94 mil euros de duas apreensões da PJ (ver caixa em baixo), em Lisboa, foi motivo para os “políticos hábeis em intriga de bastidores” criticarem a política de informadores.
“Querem pôr em causa o funcionamento da própria DCITE”, lamenta José Braz.Mas ao contrário do que acontece com os agentes infiltrados (ver caixa na página ao lado), “elementos ligados ao mundo do crime, mas que a lei prevê e dá cobertura, os infiltrados fogem ao controlo judicial”, diz um magistrado. “A PJ tem alguém que passa sete, oito informações e, há nona decidem apanhá-lo. Porquê agora? Que critério é este?
” EX-POLÍCIA BENEFICIAVA DE PROTECÇÃO"
O perigo do recurso a informadores por parte da autoridades tem sido evidenciado em vários casos. Por norma, quem fornece as pistas é também criminoso e acaba por, em paralelo, manter essa actividade, sabendo que dificilmente será alvo de uma investigação. Um dos casos mais flagrantes é o de Alfredo Morais, um ex-polícia da Divisão da PSP da Amadora, que, a troco de informações sobre criminosos, beneficiava de grande impunidade nas actividades ilícitas que praticava e que, segundo o Ministério Público, englobavam crimes de extorsão, lenocínio (fomento da prostituição) e auxílio à imigração ilegal, vindo a ser detido no âmbito daquele que ficou conhecido como o caso Passerelle.
Além de beneficiar com as informações que fornecia às autoridades, lucrava ainda com os inúmeros amigos que conheceu enquanto desempenhou funções policiais.
Alfredo Morais está referenciado pelas autoridades como sendo o alegado cabecilha de um grupo que recrutava mulheres para as introduzir no mundo da diversão nocturna à sociedade com o dono do Passerelle, Vítor Trindade.
Antes de ser detido numa grande operação realizada pela PJ, em Janeiro de 2006, Alfredo Morais dividia o seu tempo entre Portugal e o Brasil, presumindo-se que tenha sido quem participou em muitas das acções de selecção de cidadãs daquele país sul--americano.
O esquema funcionava a partir de uma primeira escolha feita por angariadores locais. Em alguns casos, terá havido troca de fotografias pela internet, para avaliar os dotes físicos das mulheres. Mas o recrutamento era quase sempre feito ao vivo, com a deslocação de elementos do grupo ao outro lado do Atlântico. Alfredo está em prisão domiciliária.
IRMÃOS PINTO APANHADOS
Um dos casos em que os informadores deram um forte apoio à PJ foi o dos irmãos Pinto, presos por tráfico de droga e já julgados.´
JORNALISTA PROBIDO DE ESCREVER
Na sequência das denúncias que fez sobre o funcionamento pouco claro dos informadores, o jornalista Manso Preto foi proibido de exercer a profissão.
DEZ DIAS PARA QUE JOSÉ BRAZ POSSA “SEPARAR O TRIGO DO JOIO”
A Inspecção-Geral dos Serviços de Justiça conta ter o inquérito concluído no prazo de dez dias, apurou o CM, e satisfaz as pretensões de José Braz, líder de uma 2.ª secção da DCITE com “péssimo ambiente” e num “bloqueio insustentável”. O desejo de todos é “separar o trigo do joio”.
Foi há um mês que se descobriu o desvio dos quase 94 mil euros em duas apreensões, em buscas domiciliárias, na zona de Lisboa, e as suspeitas recaem sobre 21 inspectores, entre os quais a coordenadora Ana Paula Matos e três inspectores-chefe.
A 2.ª secção é responsável pelo combate ao grande tráfico internacional aéreo e “uma suspensão geral iria abalar toda a orgânica da PJ”, diz ao CM fonte policial. Por isso, todo o efectivo foi mantido – “até prova em contrário”, todos são da confiança de José Braz –, à excepção da coordenadora, com quem o director nacional adjunto “nunca tinha trabalhado” e que hoje se apresenta num cargo administrativo. Na altura “só tive de a aceitar”, dias antes do primeiro desfalque e depois de Ana Paula Matos ser transferida da directoria de Lisboa.
DIRECTORIAS NA LUTA AO TRÁFICO INTERNO
A nova Lei Orgânica da PJ é uma das prioridades do director nacional e passa por atribuir o combate ao tráfico interno às directorias de Lisboa, Porto, Coimbra e Faro.
DCITE RESTRINGIDA AO TRÁFICO INTERNACIONAL
O director nacional adjunto, José Braz, está contra a nova lei orgânica e não quer ver a DCITE perder competências: ficar limitada ao tráfico internacional, aéreo e marítimo.
AGENTES INFILTRADOS PROVOCAM SUSPEITOS
Os agentes infiltrados participam no crime mas podem ou não ser polícias – “na maior parte das vezes são contratados pelas relações especiais que já têm com o meio”, adianta ao CM fonte policial. A lei prevê casos de agentes encobertos, dá-lhes cobertura e são validados pelo juiz de instrução criminal.
“Mas só se não passarem a provocadores”, o que a lei já não admite e “os juízes não têm como controlar”, diz um magistrado.
“Não são, nem podia ser, fiscalizados em plena actividade – e, por isso, há julgamentos anulados.
Porque o infiltrado não pode induzir os suspeitos no crime e, depois em tribunal, os arguidos fazem prova de que foram provocados”.
O QUE DISSE JOSÉ BRAZ
"Há quem arregace as mangas, corra riscos de vida, enfrente o crime com energia. E há as carreiras de gabinete." "Os políticos da retórica são mais hábeis na insinuação e intriga de corredores. Não convivem nem suportam o sucesso alheio. Dos que constroem obra." "Têm carreiras sem sobressaltos, com grande injustiça e desrespeito pelos polícias que andam na rua"
QUEM AJUDA OS INSPECTORESINFORMADORES
Conhecem por dentro o mundo do crime e dão à Polícia Judiciária informações preciosas sobre carregamentos de droga concorrentes
INFILTRADOS
Podem ser polícias mas, pelas ligações ao meio, são quase sempre contratados. Acompanham a actividade criminal de forma legal
PROVOCADORES
Infiltrados que agitam o mundo do tráfico com propostas de compra de droga. A lei não permite induzir o suspeito a cometer um crime e há casos de julgamentos anulados.
SAIBA MAIS
- 13 A DCITE apreendeu, no ano passado, mais de 12 milhões de euros provenientes do tráfico de droga, e 1,3 milhões em moeda estrangeira.
- 34,5 A cocaína foi a droga mais apreendida em 2006, com 34,5 toneladas. Seguiu-se o haxixe com 8,5 toneladas e a heroína, 140 quilos.
DCITE
À Direcção Central de Investigação do Tráfico de Estupefacientes cabe investigar os crimes de tráfico de drogas e de substâncias psicotrópicas.
DCICCEF
É a Direcção Central de Investigação da Corrupção e Criminalidade Económica e Financeira da Polícia Judiciária que está a investigar as suspeitas de furto e peculato na DCITE.
CRONOLOGIA
- 18/10/2006
Ana Paula Matos tem dias no combate à droga. Numa das suas apreensões desapareceram 7450 euros
- 19/10/2006
Numa segunda operação da 2.ª secção da DCITE, busca domiciliária na zona de Lisboa, alguém desvia 86 485 euros
-07/06/2007
O inspector titular do processo repara na falta dos 93 935 euros e informa o director, José Braz. É informado o Ministério Público.
in Correio da Manhã 2007.07.09
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