A saúde e o fascismo
O retrocesso é assustador!
* Luís Alves de Fraga
* Luís Alves de Fraga
Lisboa -Portugal
Vou, naturalmente, invocar a minha condição de sexagenário para dizer o que penso. Invoco-a, não por uma qualquer vaidade no poder gerontocrático, mas porque, tendo vivido até à idade da razão no tempo do Estado Novo (que começava a ser Velho quando foi apeado) me lembro perfeitamente do que ele era e de como se tratavam os cidadãos.
Vou, naturalmente, invocar a minha condição de sexagenário para dizer o que penso. Invoco-a, não por uma qualquer vaidade no poder gerontocrático, mas porque, tendo vivido até à idade da razão no tempo do Estado Novo (que começava a ser Velho quando foi apeado) me lembro perfeitamente do que ele era e de como se tratavam os cidadãos.
Há dias o Diário de Notícias deu publicidade ao facto de o Governo estar a equacionar a possibilidade de fazer cortes nos benefícios fiscais relacionados com a saúde. Pela mesma altura, o Correio da Manhã noticiava a intenção de se acabar com as comparticipações da ADSE.
Já neste mesmo local recordei, em tempos, que, até aos anos 50 ou talvez 60 do século passado, para se ser admitido, como doente, nos hospitais públicos, em condição de gratuitidade, se tinha de ir à Junta de Freguesia pedir um atestado de pobreza — que não era negado — embora se fosse dono de alguns bens móveis e imóveis (não muito escandalosamente visíveis). Isto passava-se no tempo do tão incensado Oliveira Salazar! Depois, veio a suceder-lhe o fascista Marcelo Caetano — que só era melhor por ser mais «moderno» e gostar de usar processos de cosmética política por sobre a boçalidade provinciana do antecessor — que criou os sistemas de apoio à saúde dos Portugueses; fez surgir a ADSE que, na altura, até comparticipava a vulgar aspirina.
Os funcionários do Estado — esses, pelo menos (até porque eram, já na altura, os mais mal pagos) — viram o seu orçamento aliviado numa percentagem bastante significativa das despesas com a saúde. A par desta regalia — merecida — as Caixas de Previdência passaram a comparticipar, também, com uma percentagem minimamente aceitável — talvez mais pequena, já não me recordo — nas despesas de saúde dos seus associados.
Não tínhamos liberdade, mas passámos a gozar de vantagens que, até então, representavam um forte encargo para os nossos orçamentos familiares!
Depois, na sequência do PREC, tivemos liberdade e, também, Serviço Nacional de Saúde (SNS), mantendo, na ADSE, as vantagens herdadas do fascismo. A população começou a ser tratada com dignidade de gente e não de bichos.
Os anos foram passando, e o SNS começou a emagrecer sobrecarregado por taxas moderadoras e a ADSE foi reduzindo os medicamentos comparticipados e reduzindo o valor das comparticipações.
Neste momento já se fala em acabar com todas as poucas regalias que restam.
Os Portugueses estão a pagar uma crise da qual não sabem as origens; a economia está a sofrer mudanças radicais; há cada vez mais gente a usufruir de largos salários enquanto o desemprego aumenta e os vencimentos dos empregados médios baixa a olhos vistos; a precariedade no trabalho é assustadora e, para cúmulo, há fiapos de nuvens no ar dando indicações que a liberdade também vai passar a ser controlada.
A pensão de reforma dos funcionários públicos deixou de ser encargo da Caixa Geral de Aposentações — organismo que garantiu, desde que me recordo, esse pagamento a todos os servidores do Estado — os hospitais estão a ser privatizados, as multas de estacionamento já são passadas por funcionários de empresas municipais, até os militares vão receber a pensão de reforma pela Segurança Social e, para todos, vai aumentar o tempo de actividade laboral! E não continuo para não incomodar os leitores.
O retrocesso é assustador! Estamos quase a reviver as condições sociais dos anos 30 e 40 do século XX. Há diferenças, claro; a tecnologia avançou, o apelo ao consumo aumentou, os hábitos de poupança desapareceram, a oferta de emprego reduziu-se como resultado da mulher concorrer, no mercado de trabalho, em pé de igualdade com o homem o que, também, faz baixar os salários (é um dado de natureza económica e sociológica que, por não ser politicamente correcto, ainda está por estudar).
Hoje temos maiores ilusões de bem-estar as quais, afinal, são grilhetas que nos amarram a gastos que quase não controlamos e, por isso, sofremos muitíssimo com as restrições que nos são impostas pelo Estado através de um Governo que parece querer repor a ordem nas finanças, mas que, sem a força da ditadura, é presa das suas próprias contradições e permite, a pequenas faixas da população, mordomias que se tornam tanto mais escandalosas quanto maiores são os sacrifícios pedidos.
Os governantes ao mexerem nas poucas regalias que uma grande maioria dos cidadãos tinha no sector da saúde estão a meter a mão num vespeiro, um vespeiro de onde o inteligente Marcelo Caetano soube fugir quando se avizinhava o começo do último quartel do século XX, quando se vislumbravam, no horizonte tecnológico, as grandes mudanças.
Às vezes dá vontade de perguntar: — Este Governo congregou no seu seio todos os incapazes do Partido Socialista ou só alguns?
in PortugalClub 2007-07-09 20:47:23
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