Sindicatos combatem a imigração ilegal e o trabalho clandestino na construção civil e obras públicas
Escravatura sem fronteiras
* DOMINGOS MEALHA (texto)
Há fornecedores de mão-de-obra que pagam 150 escudos por hora. Outros, denunciam à polícia os imigrantes ilegais, para não terem que lhes pagar os salários. Um dirigente sindical já recebeu ameaças de morte para abandonar esta batalha.
A exploração de trabalhadores estrangeiros, originários de países africanos ou do Leste europeu e que não têm legalizada a sua residência em Portugal, não conhece fronteiras: nem as dos Estados, nem as das leis, nem as da mais elementar dignidade humana. «Como se já não bastasse a proliferação de trabalhadores clandestinos portugueses» – protesta o Sindicato da Construção, Madeiras, Mármores, Pedreiras, Cerâmica e Material de Construção do Norte, Viseu e Guarda.
O sindicato afirma que «está montada uma rede que só podemos, no mínimo, classificar como esclavagista». Na passada sexta-feira explicou publicamente como funciona essa rede, em particular na Europa oriental: «nos países de origem da mão-de-obra existem intermediários que garantem trabalho num país estrangeiro, nomeadamente em Portugal, e cobram cerca de 600 mil escudos aos interessados»; esses intermediários contactam «pseudo-empresas» portuguesas, que geralmente se resumem a uma só pessoa, para fazer a venda da mão-de-obra; «posteriormente, introduzem clandestinamente o trabalhador em Portugal».
Grandes lucros
Este é um negócio «bastante lucrativo para a pseudo-empresa e para o intermediário», diz o sindicato. E apresenta alguns cálculos: para além dos 600 contos que cobra no país de origem, o intermediário ainda lucra por passar o operário à pseudo-empresa; esta, por seu turno, «lucra desmedidamente», funcionando geralmente como fornecedora de mão-de-obra, que recebe da empresa-cliente 1100 escudos por hora e por trabalhador, mas apenas paga, nalguns casos, 150 escudos.
Com estes dados, o sindicato estima que um destes engajadores de mão-de-obra, com 10 trabalhadores ao serviço, pode arrecadar por mês 1900 contos, livres de quaisquer taxas e impostos.
Mas todas estas contas podem não ter qualquer correspondência com a realidade, ressalva o sindicato, que tem conhecimento de situações em que, pouco antes de terminar o mês de trabalho, há patrões que pura e simplesmente denunciam os trabalhadores ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, que os detem e repatria como imigrantes ilegais. Em resultado, o operário laborou durante um mês, mas não recebe nada por isso, enquanto a pseudo-empresa que o cedeu arrecada a totalidade do valor acordado com a empresa-cliente, cerca de 2200 contos, considerando os mesmos 10 trabalhadores. A diferença mostra a medida da exploração: os ordenados descem até aos 30 contos por mês!
«Há responsáveis de grandes empresas que colaboram» e algumas importantes firmas do sector «alimentam esta situação», admite o presidente do sindicato. Albano Ribeiro salientou ao «Avante!» os enormes interesses económicos que se cruzam nas redes da imigração ilegal e do trabalho clandestino e revelou que sofreu pressões para deixar morrer o assunto, depois de ter apontado publicamente um caso, numa obra da Praia da Granja. «Ameaçaram-me de morte, mas também me quiseram oferecer um carro de alta gama», contou o sindicalista, que, contudo, continua a considerar que o sindicato e ele próprio não podem ter outra atitude, que não seja prosseguir o combate contra o trabalho clandestino e ilegal.
(...)
«Avante!» Nº 1369 - 24.Fevereiro.2000
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