Emprego: Governo ouve parceiros sociais
Revolução em curso nas leis do trabalho
* Sandra Rodrigues dos Santos / R.O.
O ministro do Trabalho e da Solidariedade Social rejeita falar em flexissegurança, mas defende que a adaptabilidade de trabalhadores e empresas é essencial para a criação de “mais e melhor emprego”, sublinhando que se esta já fosse praticada empresas como a Opel não teriam saído de Portugal.
Vieira da Silva falava após uma reunião com os parceiros sociais, aos quais apresentou o Relatório de Progresso da Comissão do Livro Branco das Relações Laborais, tendo reconhecido que as conversações vão ser difíceis, mas que não será por isso que deixará de rever o Código de Trabalho.
“O objectivo deste trabalho é aumentar o emprego, a defesa do empregado e fomentar o crescimento dos salários e para isso é necessária uma maior adaptabilidade das empresas, dos trabalhadores e das relações laborais”, afirmou Vieira da Silva, sustentando que “a ausência de adaptabilidade às vezes provoca a perda de tudo”.
A adaptabilidade, uma das propostas incluídas no relatório da Comissão do Livro Branco das Relações Laborais, prevê que patrões e empregados possam negociar horários de trabalho mais flexíveis, obedecendo a determinados limites ainda não definidos.
“Em Portugal já assistimos a casos em que foi a demonstração desta capacidade de adaptação que permitiu que empresas se mantivessem aqui e outros em que a ausência de adaptabilidade levou a que as empresas saíssem do País”, adiantou o ministro, numa referência aos casos da Autoeuropa e da Opel. Na fábrica de Palmela, a administração e os trabalhadores concordaram numa série de pontos que permitiram a continuidade da empresa, enquanto nas instalações da Azambuja a incapacidade de se alcançar um acordo levou a marca a trocar Portugal por Espanha.Vieira da Silva recusou, porém, a ideia de que falar em adaptabilidade seja o mesmo que falar em flexissegurança, sustentando que este último “é um conceito complexo que envolve muitos aspectos da vida de um país, desde o trabalho à formação e à Segurança Social”.
O titular da pasta do Trabalho fez questão de salientar que o documento que ontem apresentou aos parceiros sociais é apenas um relatório de progressão e que as propostas definitivas da comissão só serão conhecidas em Novembro. “As orientações da comissão não serão vinculativas e serão intensamente discutidas com os parceiros sociais”, adiantou Vieira da Silva, alertando que se patrões e sindicatos não chegarem a acordo sobre a matéria não deixará de legislar.
PERFIL
António Monteiro Fernandes presidiu à Comissão do Livro Branco das Relações Laborais, constituída por 11 especialistas. O professor de Direito do Trabalho, no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa, aceitou e ontem os portugueses ficaram a conhecer as suas propostas para um novo Código do Trabalho. O professor tem uma longa carreira no ensino, integra também o Gabinete de Estudos do Trabalho na Universidade Católica, mas já desempenhou cargos políticos. Foi secretário de Estado do Trabalho, entre 1995 e 1997, integrando assim o Governo liderado por António Guterres. António Monteiro Fernandes é ainda um dos peritos encarregados pela Comissão Europeia para elaborar relatórios sobre a aplicação das directivas comunitárias nos Estados-membros.
AUTOEUROPA SEM ACORDO DOS SINDICATOS
Para evitar despedimentos ou a deslocalização da Autoeuropa, os trabalhadores e a administração chegaram a um acordo inédito em Portugal. Os trabalhadores prescindiram de dois anos de aumentos salariais em troca de 22 dias de paragem da fábrica. O acordo foi negociado directamente entre a administração da Autoeuropa e a comissão de trabalhadores da fábrica sem a interferência de sindicatos o que, formalmente, o deixa à margem da lei portuguesa, apesar de ser um exemplo da flexissegurança. Outro caso de sucesso é o acordo alcançado na indústria têxtil, que troca o aumento das horas de trabalho semanais para 50 horas em troca de 10% de acréscimo na remuneração ou no tempo de descanso.
"DÁVIDA AO PATRONATO"
- Bagão Félix, ex-ministro do Trabalho do Governo de Durão Barroso, foi o autor político do actual Código do Trabalho, em 2003, que incluía a necessidade de revisão durante este ano
- Correio da Manhã – Foi o autor político do anterior Código de Trabalho, de 2003. O que acha destas propostas?
- Bagão Félix – Antes de mais, deixe-me dizer que ainda não li o Livro Branco. O conhecimento que tenho é das notícias dos jornais mas estou surpreendido porque algumas das pessoas que me criticaram há quatro anos agora foram ainda mais longe. São ex-marxistas mais neoliberais do que os neoliberais.
- O que pensa da questão da adaptabilidade?
- Os tempos de trabalho têm um princípio subjacente de ajustar o ciclo de trabalho ao das empresas e nesse sentido admito que se aprofundasse nesse sentido. Mas tem de ser com o mínimo de respeito pelo tempo de lazer, de família e de descanso das pessoas. Reduzir a pausa para meia hora, como se consegue almoçar?
- O que pensa dos despedimentos?
- Concordo que se agilizem os processos, mas já no que diz respeito à despedimento por incompetência... Hoje já é possível despedir por inaptidão, ou seja, por redução na qualidade ou produtividade do trabalho. Parece-me mais um álibi [para despedir]... porque os mecanismos actuais já dão resposta a esta questão.
- E quanto às reduções salariais?
- Algumas parecem-me mais uma dádiva ao patronato do que uma necessidade. Aliás, as propostas parecem-me mais uma coligação PS/CIP. Vou estar muito atento a qual vai ser a reacção do Governo. Há quatro anos o PS votou contra e algumas das pessoas disseram que iriam repor uma série de direitos que eu tinha retirado.
REACÇÕES
"NÃO É O MELHOR PONTAPÉ DE SAÍDA" João Proença, UGT
Para João Proença, líder da UGT, “o relatório é profundamente desequilibrado, porque se preocupa muito com a flexibilidade laboral e com os sindicatos e nada com as empresas”. “Visa aumentar a flexibilidade no mercado de trabalho, mas não tem em conta a negociação colectiva e o combate à precariedade”, lamentou o sindicalista. “Não nos parece o melhor pontapé de saída para a revisão do Código de Trabalho”, referiu Proença no final da reunião em sede de concertação social.
"CARDÁPIO DE MALDADES" Carvalho da Silva, CGTP
O documento ontem apresentado pelo ministro do Trabalho aos parceiros sociais é “um cardápio de maldades para os trabalhadores”. A opinião é do líder da CGTP. Reduzir os custos do trabalho através da diminuição da retribuição, o enfraquecimento do direito do trabalho através, por exemplo, da possibilidade de não se estabelecer um horário de trabalho diário, e a introdução de um novo conceito de sindicalismo foram alguns dos pontos negativos apontados por Carvalho da Silva.
"DOCUMENTO MUITO INCOMPLETO Francisco Van Zeller, CIP
O presidente da Confederação da Indústria Portuguesa (CIP), Francisco van Zeller, considerou que o documento é “muito incompleto”. “Há que criar condições competitivas para o País que criem mais e melhores empregos”, considerou Van Zeller, adiantando que “vai ser muito difícil um reequilíbrio das relações laborais sem mexer na Constituição”. As confederações patronais vão elaborar uma proposta comum para entregar a Vieira da Silva.
APONTAMENTOS
DESPEDIR
Os despedimentos sem justa causa são proibidos pela Constituição portuguesa e assim continuarão, mas a Comissão propõe facilitar o processo burocrático do despedimento individual. Os peritos propõem, também, que os trabalhadores possam ser despedidos por incompetência, desde que esta fique comprovada.
FÉRIAS
O esquema dos 22 dias úteis de férias mais três dias para os trabalhadores que não tenham faltas podem ser substituídos por um período fixo de 23 dias úteis de descanso para todos, de acordo com as propostas incluídas no relatório da Comissão do Livro Branco das Relações Laborais. Os peritos fazem uma avaliação negativa dos 25 dias de férias.
SALÁRIO
A manterem-se no relatório final, a apresentar em Novembro, as propostas da comissão vão permitir que a entidades empregadora e o trabalhador cheguem a um acordo no sentido de reduzir o salário deste último “com fundamentos objectivos definidos pela lei e sujeitos ao controlo da Inspecção do Trabalho”.
O RELATÓRIO FINAL DE MONTEIRO FERNANDES SERÁ ENTREGUE A VIEIRA DA SILVA EM NOVEMBRO
HORÁRIOS
A Comissão do Livro Branco das Relações Laborais considera que apenas devem ser definidos limites para o tempo de trabalho semanal e anual e que o horário de trabalho diário possa ser acordado entre empregador e empregado. As pausas de descanso poderão ser reduzidas.
HORAS EXTRAORDINÁRIAS
Os peritos admitem recomendar a possibilidade de se alargarem os limites do trabalho suplementar e dar preferência a um regime de descanso integralmente compensador do trabalho suplementar realizado, com prejuízo da sua remuneração reforçada hoje estabelecida na lei e na contratação colectiva.
DIUTURNIDADES
O grupo de peritos, presidido por António Monteiro Fernandes, propõe a erradicação da figura das diuturnidades do Código de Trabalho, por considerar que estas foram sobrevalorizadas e que o conceito das mesmas está, actualmente, “obsoleto e desligado do desempenho”.
REPRESENTAÇÃO
Os trabalhadores não sindicalizados poderão participar na eleição dos delegados sindicais da sua empresa e poderão aderir a convenções de trabalho, de acordo com as orientações preliminares da Comissão. Os dirigentes sindicais teriam direito a apenas quatro dias pagos para se dedicarem à actividade sindical.
NOTAS
CÓDIGO DE TRABALHO
A lei obriga a uma revisão num período de quatro anos após a sua entrada em vigor, ou seja, a partir de Dezembro próximo.
in Correio da Manhã 2007-06-28
1 comentário:
Isto vai mesmo no bom caminho. Os retrocessos são tantos!
Espero que estejas melhor.
Um beijo,
Fátima
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