Terra em risco
Fuga para cidades ameaça ambiente
* João Saramago com P.H.G / Miguel Azevedo
Em 2008, e pela primeira vez, metade da população mundial viverá em cidades. Relatório ontem divulgado pelas Nações Unidas prevê risco de urbes marcadas por conflitos armados, favelas, falta de água e alterações climáticas.
No próximo ano, e pela primeira vez, metade da população do Mundo (3,3 mil milhões de pessoas) viverá em cidades, revela o relatório ‘Situação da População Mundial 2007’, das Nações Unidas. Uma pressão urbana que representa um “quadro ameaçador” se não forem criadas políticas que combatam a poluição e, sobretudo, a pobreza.
Portugal irá acompanhar este reforço. Segundo as Nações Unidas, a uma pequena subida de cem mil habitantes nos próximos 43 anos (atingindo o País 10,7 milhões de habitantes em 2050) haverá uma taxa de crescimento urbano de 1,5% de 2005 até 2010. Uma subida só ultrapassada na Europa pela Albânia (2,1%)e Irlanda (1,8%). Portugal é, ainda assim, um dos países da Europa com menor população urbana. São 59% do total, quando a média europeia é de 72%.
Nas próximas décadas a explosão urbana irá ocorrer sobretudo nos países pobres, que já concentram a maioria das megacidades. Das 37 cidades com mais de cinco milhões de habitantes apenas oito estão em países desenvolvidos: Nova Iorque, Los Angeles, Londres, Paris, Tóquio, Osaka, Seul e Hong Kong.
Com a queda da população rural “os impactos das mudanças climáticas no abastecimento urbano de água serão provavelmente dramáticos. Muitos países pobres já enfrentam deficiências acumuladas de abastecimento, distribuição e qualidade da água, contudo as mudanças climáticas deverão agravar essas dificuldades”, diz o relatório ontem divulgado. Para a ONU, “as cidades concentram os principais problemas da Terra: crescimento populacional, poluição, degradação de recursos e produção de resíduos. Mas o mesmo documento salienta que “é nas zonas urbanas que surge a possibilidade de um futuro sustentável”.
Isto porque “a batalha pela conservação dos ecossistemas saudáveis não será vencida nas florestas tropicais ou nos recifes de coral, mas nas ruas das paisagens menos naturais do Planeta”. Perante o facto de metade da população viver em apenas três por cento do Planeta, a ONU defende que é nas cidades que há maior necessidade de adoptar políticas de redução do consumo e de produção com recurso a fontes de energia poluentes. Bem como uma gestão urbana com tratamento de esgotos e acesso a água potável.
Caso isto não venha a ser feito, ontem, na apresentação do relatório, em Londres, Thoraya Obaid, directora do Fundo Populacional da ONU, revelou forte preocupação. “Crescendo de uma forma desordenada, as cidades podem ser um ninho de conflitos armados” disse, referindo-se a uma população pobre, a viver em favelas sem água potável ou esgotos e sujeita a inundações e à subida do nível do mar.
CIDADES VÍTIMAS DE CATÁSTROFES NATURAIS
Para 65% da população que vive em cidades como mais de cinco milhões de habitantes - como Rio de Janeiro, Nova Iorque ou Xangai - a subida do mar é uma séria ameaça
MAIS CEM MILHÕES DE LUSÓFONOS
A ONU revela que até 2050 existirão nos oito países de língua oficial portuguesa mais cem milhões de falantes, elevando esse total de 242 para 355 milhões"
LITORAL ESTÁ SOBRELOTADO E O INTERIOR AO ABANDONO",
Pedro Costa, coordenador de ord. território da GEOTA
- CM – Portugal apresenta um dos crescimentos urbanos mais elevados da Europa. Como tem ocorrido este aumento ?
- Pedro Costa – Resulta de uma subida da população no Litoral e consequente abandono do Interior. Esta urbanização é marcada por uma grande distância entre o local de trabalho e a habitação, que se traduz em perda de qualidade de vida.
- Existe cuidado na preservação do ambiente?
- Não. Além do consequente acréscimo de poluição e a perigosidade do ozono nos dias mais quentes, é uma expansão assente numa rede de transportes públicos limitada e forte uso do veículo privado. Há também uma política de construção que cresce em áreas de aptidão agrícola e florestal, e sobre leitos de cheia.
- Com a deslocação da população de Lisboa para as áreas limítrofes dá-se uma duplicação de custos?
- Sim. Verifica-se que entre 1991 e 2001 não houve um acréscimo significativo de população na Área Metropolitana de Lisboa, o que houve foi a saída de milhares de pessoas da capital para outros concelhos, como Sintra. Isso significa que infra-estruturas já existentes ficaram sem aproveitamento, como acontece com as escolas em Lisboa. E foi preciso abrir outras em Sintra. Também se tornou necessário aumentar as redes de luz, gás, electricidade e água perante uma população em forte movimento.
"OS TROVANTE JÁ FALAVAM DO PROBLEMA AMBIENTAL",
João Gil, da Filarmónica Gil, é um dos músicos que estarão presentes no evento Live Earth, marcado para o dia 7 de Julho no Pavilhão Atlântico, em Lisboa
- Correio da Manhã – Em que altura sente que despertou para os problemas ambientais?
- João Gil – Sempre fui uma pessoa preocupada com o ambiente e é por isso que vejo com grande curiosidade a descoberta dos combustíveis alternativos. Se conseguirmos resolver de uma vez por todas a alternativa ao petróleo, acabamos certamente com um dos grandes problemas do Planeta. É com bons olhos que vejo os EUA reconhecerem finalmente o problema.
- De que forma procura contribuir para o bem-estar do Planeta?
- Tenho por hábito separar o lixo. É um gesto simples, mas para o qual nem toda a gente está sensibilizada. São os mais novos que se preocupam. Os mais velhos estão a passar pela Terra quase sem darem conta disso.
- Enquanto músico, na sua lista de preocupações ambientais em que lugar aparece a poluição sonora?
- Em Portugal a poluição sonora é um problema muito grave. E não são apenas os automóveis. Ninguém fala, por exemplo, do ruído dentro dos bares e restaurantes. O barulho dos talheres, dos pratos e das chávenas de café produzem um som altamente agressivo. Outra questão pouco falada é a música nos elevadores, que pura e simplesmente não devia existir.
- Pode a música sensibilizar as pessoas para a preservação do ambiente?
- Se já serviu para denunciar a guerra e apelar à paz, por que razão não pode sensibilizar as pessoas para o ambiente? Os músicos falam de sensibilidades, de emoções e de afectos, e por isso conseguem sempre tocar as pessoas.
- Durante a actuação no Pavilhão Atlântico, a Filarmónica Gil vai procurar passar alguma mensagem?
- A questão não é nova e por isso não tenho de procurar ficar bem no retrato. Não me vou pôr em bicos dos pés porque o problema do ambiente é antigo e do conhecimento de todos. Já os Trovante alertavam para isso. Um dos nossos álbuns mais importantes, ‘O Baile do Bosque’, de 1981, já falava dessa problemática.
TRÊS MEDIDAS PARA SALVAR O PLANETA,
Francisco Ferreira, tem 40 anos, é membro da Quercus e também professor universitário
PRIMEIRA É essencial reduzir o consumo de combustíveis fósseis, como o carvão e petróleo, através da aposta nas energias renováveis e numa maior eficiência energética, principalmente no sector dos transportes
SEGUNDA A preservação da água é crucial para Portugal e não só. Desperdiçamos 15% de água no sector doméstico e até 80% na agricultura. É essencial saber gerir este recurso. Fazem falta dispositivos que permitam poupar água
TERCEIRA Manter a biodiversidade. O norte e centro da Europa já viram essa riqueza degradar-se, mas em Portugal é um património natural, desde ecossistemas a espécies em vias de extinção, que deve ser protegido da exploração
NOTA - Megacidades.
Existem 37 cidades com mais de cinco milhões de habitantes. Sete destas cidades têm uma área metropolitana com mais de vinte milhões de habitantes.
in Correio da Manhã 2007-06-28
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