* Miguel Azevedo
Uma enorme área de floresta, equivalente a quase três vezes o tamanho de todo o Algarve ou a cinco países do tamanho do Luxemburgo, desapareceu da Amazónia num único ano.
Apesar dessa imensa desflorestação, o governo brasileiro comemora: de acordo com dados oficiais, os 13 100 quilómetros quadrados desmatados ilegalmente nos últimos 12 meses analisados representam uma diminuição de 30 por cento no ritmo de devastação da Amazónia em relação ao ano anterior.
De acordo com dados do Ministério do Meio Ambiente, nos últimos dois períodos em que os dados já foram consolidados (2004-2005 e 2005-2006) ocorreu uma diminuição total de 52 por cento no ritmo de desmatamento. Desde que foi criado um programa especial de combate ao desmatamento, que engloba acções de 13 ministérios, desencadearam-se grandes operações repressivas, que culminaram com a apreensão de 814 mil metros cúbicos de madeira derrubada ilegalmente, 471 tractores, 171 camiões e 643 moto-serras, equipamentos usados no derrube, corte e transporte de árvores, foram presas 379 pessoas e aplicadas multas superiores a mil milhões de euros.
Esses números parecem positivos, mas a verdade é que ainda é dramático o tamanho da enorme clareira que a cada ano se abre na maior floresta do Mundo, mudando as condições do eco-sistema, afectando a fauna e a flora locais e o clima de todo o Planeta. O aquecimento global deve-se em parte ao desmatamento da Amazónia, principalmente nos últimos 50 anos, mas é na própria região que as consequências são mais graves.
Em 2005, o desequilíbrio da Natureza provocou a maior seca já registada na Amazónia nas últimas cinco décadas, fazendo aqueles que são alguns dos mais caudalosos rios do mundo secarem até se poder atravessar o seu leito a pé. Foram muitos meses de uma devastação dramática, com mais de 250 mil pessoas afectadas directamente, ficando dezenas de milhares isoladas na floresta durante semanas, pois os rios, única via de acesso, não permitiam a passagem das equipas de socorro.
Nesse ano, muitas crianças indígenas morreram de doenças provocadas pela falta de água ou ingestão de água insalubre, houve epidemias por toda a Amazónia e uma indescritível mortandade de peixes e animais. Como na Pré-história, homens e alguns animais enfrentaram-se na disputa de comida, com pescadores a matar cruelmente golfinhos e peixes-boi, estes últimos em extinção, pois as duas espécies alimentam-se de peixes e estes ficaram escassos com a descida das águas.
A tragédia evidenciou ainda o despreparo e o desinteresse dos governantes pela Amazónia. Lula da Silva, ocupado em tentar desmentir a sua participação no então recém-eclodido escândalo do “Mensalão”, só reagiu depois de fortes críticas da imprensa e protestos de governantes da região.
A produção de cana, grande aposta brasileira para produzir e exportar Etanol, teoricamente menos poluente que os combustíveis fósseis, é a nova ameaça. De olho nos milhões que há para ganhar, empreendimentos avançam na mata um pouco por todo o país, substituindo árvores centenárias por canas, que crescem rápido e geram muitos empregos e lucros, mas também desequilibram ainda mais o já periclitante eco-sistema amazónico.
ESTRANGEIROS DOMINAM O TERRITÓRIO
Maior de todas as riquezas do Brasil, a Amazónia não recebe das autoridades de Brasília uma atenção equivalente à sua importância para o país. E os estrangeiros aproveitam esse descaso para assumir controlo tanto no aspecto legal, com a implantação de grandes pólos industriais e de pesquisa, quanto no ilegal, através do tráfico de minerais preciosos, animais, sementes e plantas medicinais.
Sem uma presença militar forte na região, patrulhada com assombrosa escassez de meios humanos e técnicos, a imensa Amazónia, com mais de cinco milhões de quilómetros quadrados, transformou-se numa terra de ninguém e num palco livre para traficantes de todos os tipos.
Chegam de todas as partes do Mundo, com os mais variados pretextos e sem qualquer fiscalização dos seus intuitos e passos. internam-se na mata, colhem amostras, conquistam segredos e voltam para os seus países com informações preciosas e exemplares vivos ou mortos de plantas, insectos e animais.
DOIS MÁRTIRES AMBIENTALISTAS
Apesar da apatia generalizada da grande maioria e do interesse apenas retórico de outros, existem heróis capazes de se dedicarem à protecção da Natureza, mesmo com risco para a própria vida e sabendo que irão pagar um preço elevado por essa dedicação, como sucedeu ao seringueiro Chico Mendes, assassinado no Acre em 1988. Mas há quem vá mais além e sacrifique a vida para que o seu martírio contribua para melhorar o Mundo.
Foi o caso do ambientalista Francisco Anselmo de Barros, de 65 anos. No dia 12 de Novembro de 2005, promoveu uma manifestação contra a instalação de uma fábrica de produção de combustível nas margens do rio Paraguai, percorrendo várias ruas da capital do estado de Minas Gerais acompanhado de dezenas de militantes. A certa altura, deitou no meio de uma avenida dois colchões formando uma cruz, embebeu-os em gasolina, ateou-lhes fogo e, com a tranquilidade de quem acredita estar a fazer o que é preciso, deitou-se sobre as labaredas.Gravemente ferido, resistiu um dia e meio num hospital, mas morreu, como era seu intento, e conseguiu o que pretendia. O governo do estado, comandado pelo polémico Zeca do PT (correligionário do presidente Lula da Silva), que era favorável à implantação da indústria, foi forçado a ceder às pressões internacionais e da opinião pública brasileira, chocadas com o sacrifício do ambientalista, pelo que o projecto foi suspenso.
"AS PESSOAS SÃO MUITO NEGLIGENTES"
(Tiago Santos, vocalista dos Cool Hipnoise, que participam no Live Earth, a 7 de Julho no Pavilhão Atlântico)
- Correio da Manhã- Em que altura sente que despertou para os problemas ambientais?
- Tiago Santos- Nós já fazemos parte de uma geração que está mais atenta e preocupada com estas questões do ambiente. Curiosamente, são os mais novos que hoje estão a alertar os mais velhos. Penso que nos dias que correm todos temos noção de que é preciso fazer alguma coisa para parar esta destruição do Planeta. A alteração cimatérica, a destruição dos pólos e a desertificação do nosso País pelos incêndios (que têm interesses particulares) são problemas de que já nos habituámos a ouvir falar com frequência e com os quais parece que já nos habituámos a viver.
- De que forma procura no seu quotidiano contribuir para o ambiente?
- Poupar água é um acto que já faço com consciência há vários anos. A água é um bem precioso e as pessoas são muito negligentes. Às vezes nem nos apercebemos que o simples acto de lavar os dentes ou lavar a loiça e deixar a água a correr pode estar a contribuir para o agravar de determinadas situações. Quanto a separar o lixo, faço-o com algum cepticismo porque ainda tenho algumas dúvidas quanto ao tratamento que lhe é dado.
- Na sua lista de preocupações com o ambiente, que lugar ocupa a poluição sonora?
- Obviamente que os músicos estão sujeitos a elevados níveis de décibeis mas o ruído dos carros e das buzinas afectam-me muito mais.
- Pode a música, efectivamente, sensibilizar as pessoas para a preservação do ambiente?
- Acho que é importante que as pessoas que têm tempo de antena o usem em benefício de causas importantes. Os músicos não têm que ser só empregados da indústria. A música dos Cool Hipnoise, por exemplo, sempre foi usada como uma arma para chamar a atenção para os problemas globais do nosso Planeta.
- Durante a actuação no Pavilhão Atlântico, os Cool Hipnoise vão passar algum tipo de mensagem? Têm algum discurso preparado?
- Não preparámos nada. Na altura saberemos o que dizer, mas é certo que também não vamos fazer um grande discurso. A nossa música fala por nós. Temos, por exemplo, um tema chamado 'Caótica Republica’ que fala precisamente da destruição da Terra.
TRÊS MEDIDAS PARA SALVAR O PLANETA
(Bagão Félix. Tem 59 anos. Economista, já foi ministro das Finanças)
PRIMEIRA Eu defendo que deveria ser criado uma espécie de ‘mecenato da árvore’ pela Organização das Nações Unidas ou outras organizações internacionais para podermos proteger as florestas a nível mundial
SEGUNDA Deve ser, desde as idades mais precoces, aprofundada a consciência individual. Deve ser sublinhado, em particular, que estão em causa as futuras gerações. É uma tarefa que deve ser iniciada ainda no Ensino Básico
TERCEIRA Uma medida que eu assumiria seria a de tornar mais efectiva, e não apenas retórica, a responsabilidade dos poluidores-pagadores de todo o tipo. Talvez assim se reduzissem os níveis de poluição a que assistimos.
NOTA - O pulmão da Terra sob ameaça: Uma área correspondente a três Algarves despareceu da Amazónia em 2006. A juntar às queimadas e desmatamento, em 2005 viveu-se a maior seca em meio século, com inúmeras mortes e doenças por falta de água ou por água insalubre
in Correio da Manhã 2007-07-02
Cartoon - Jorge Barreto
Sem comentários:
Enviar um comentário