Portugal
Braga: Junta médica decide caso sem convocar doente
Apto a dar aulas sem voz
* Mário Fernandes, Braga / C.S.
Após mais de 30 anos de serviço, o professor Artur foi traído pelo cancro. Ficou sem a laringe e só falava, com grande dificuldade, através de um aparelho. Mesmo assim, foi-lhe recusado o pedido de aposentação e até uma junta médica o deu como apto. Mas os alunos acabaram por não ouvir qualquer aula ao som da sua voz robótica. O professor morreu no dia 9 de Janeiro.
Este é o segundo caso conhecido de uma aposentação negada a um professor doente. Em Junho, uma professora de Aveiro, de 63 anos, a quem tinha sido diagnosticada uma leucemia, morreu sem que lhe tenha sido concedida a reforma.
Na Escola Secundária Alberto Sampaio, em Braga, o ambiente é agora de “revolta e indignação”. Alunos, professores e auxiliares mostram-se “perplexos” com “as respostas inacreditáveis do sistema público a um caso dramático como este”, conforme desabafou ao CM o presidente da assembleia de escola, João Lucas, recordando os últimos dias de sofrimento do professor de Filosofia. Com um cancro na garganta, Artur José Vieira da Silva teve de se submeter a uma “amigdalectomia esquerda e laringectomia total com esvaziamento gangliconar cervical funcional bilateral e traquostomia permanente”. Com “ausência total e irrecuperável da voz”, o professor de 60 anos pediu a aposentação.
O caso foi avaliado por uma junta médica, a 18 de Abril de 2006, sem que o paciente tivesse sido convocado. A 9 de Maio – e apesar do que consta da Tabela Nacional de Incapacidades – o professor recebeu o veredicto de que nada o impedia de exercer as suas funções.
Artur Silva apresentou-se na escola e só ficou livre de actividade lectiva porque o ano já se encontrava no fim. No início do ano lectivo “ainda participou nas reuniões preparatórias, mas as suas dificuldades eram óbvias”, reconhece a presidente do conselho executivo, Manuela Gomes.
Artur Silva ainda escreveu uma carta ao director da Caixa Geral de Aposentações, em Setembro, mas o pedido voltou a ser indeferido. Três meses e meio depois morreu.
QUATRO MESES PARA PRÓSTATA
A falta de médicos urologistas faz com que os doentes de cancro da próstata tenham de aguardar três a quatro meses por uma cirurgia, sem que esse tempo de espera coloque em risco de vida o paciente, afirmou ao CM o presidente do conselho de administração do Centro Hospitalar da Zona Ocidental de Lisboa, que agrupa três hospitais – Egas Moniz, S. Francisco Xavier e Santa Cruz. José Miguel Boquinhas nega que doentes de cancro estejam mais de sete meses à espera de uma cirurgia, conforme consta no relatório da Unidade Central de Gestão de Inscritos para Cirurgia. “Não temos doentes de cancro em lista de espera, à excepção dos de cancro da próstata. A informação que consta no relatório não é correcta e deve-se a um erro informático.”
Miguel Boquinhas explicou que de um total de cinco mil doentes em espera por cirurgia foi dado, por lapso, um código a um grupo de 12 doentes (entre 2004 a 2006) que era referente ao cancro, mas que não sofria de tal patologia. O dermatologista João Abel Amaro considera que “conforme a malignidade dos tumores, há casos que não podem esperar mais de uma ou duas semanas pela operação”.
VIGÍLIA EM MEMÓRIA DE ARTUR
Professores, auxiliares, alunos e encarregados de educação da Escola Secundária Alberto Sampaio, em Braga, realizam segunda-feira uma vigília em memória do professor Artur.
Prometem ler a carta enviada ao director da Caixa Geral de Aposentações (CGA). “Que a nossa indignação sirva para evitar que outro caso igual se repita. É o mínimo que devemos a nós próprios e ao Artur”, explicou João Lucas, lembrando que, “após a resposta negativa do director da CGA, o Artur ficou desolado e desanimou por completo”.
Apesar de recusar comentar o processo, a presidente do conselho executivo revelou que, no início deste ano lectivo, “perante as dificuldades do professor”, chegou a prever levar o caso à DREN, mas, “infelizmente, isso não foi necessário porque o Artur nem chegou a dar aulas”.
SAIBA MAIS
- 4075 doentes com cancro estavam inscritos para cirurgia em Outubro de 2006. 42 por cento estava na lista há mais de dois meses e 27 por cento há mais de quatro, revela o relatório.
- 1,5 meses é o tempo médio de espera dos doentes de cancro por uma cirurgia, diz a secretária de Estado da Saúde, Carmen Pignatelli, negando ser três meses e meio.
CINCO HOSPITAIS Metade das operações a casos de cancro é feita em apenas cinco dos 76 hospitais portugueses que tratam a doença oncológica no País.
UMA QUINZENA O relatório na posse do Ministério da Saúde defende que os casos de cancro devem ser resolvidos em 15 dias.
NOVOS CASOS No nosso país, em cada ano registam-se cerca de 400 novos casos de cancro em pessoas dos zero aos 19 anos. A nível mundial esta doença afecta 160 mil crianças.
in Correio da Manhã 2007-07-03
Sem comentários:
Enviar um comentário