Ilegalidades contra manifestantes anti-G8
Alemanha reprime liberdades
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No rescaldo da cimeira do G8, realizada há duas semanas na Alemanha, a imprensa, vários partidos e organizações acusam o governo de Ângela Merkel de violação dos direitos civis e humanos na repressão de manifestantes pacíficos.
Encerrada a gigantesca operação policial, e sabe-se agora também militar, que garantiu a segurança dos representantes dos oito países mais industrializados do globo, a imprensa alemã começou a revelar meios e métodos ilegais usados contra manifestantes pacíficos, provocando uma chuva de críticas por parte de todos os partidos políticos com excepção dos cristãos-democratas.
Na passada semana, o semanário Der Spiegel divulgou quatro chocantes fotografias, registadas num «centro provisório de detenção», logo designado de «mini-Gantánamo, instalado num pavilhão industrial da cidade de Rostock, no norte da Alemanha.
Mostrando uma clara similitude com o campo de concentração que os EUA mantêm na base militar de Gantánamo, em Cuba, as imagens mostram jaulas com 2,5 metros quadrados onde foram encarcerados manifestantes anti-G8, alguns dos quais durante vários dias.
Os relatos afirmam que os detidos permaneceram noite e dia com a luz acesa, tendo-lhes sido recusada assistência jurídica.
Organizações de advogados alemães calculam que durante os protestos passaram por este «centro provisório» cerca 1150 detidos, muitos dos quais sem qualquer fundamento, razão pela qual anunciaram a apresentação de uma queixa contra as autoridades «por sequestro e abuso da legalidade».
A Associação Republicana de Advogados considera que as autoridades violaram a Constituição alemã, a Convenção Europeia dos Direitos Humanos e a Carta dos Direitos Humanos da ONU. Martin Dolzer, membro desta organização, qualificou a detenção em jaulas como «um tratamento desumano e atentatório da dignidade».
«Tornados»sobrevoaram G8
Nos últimos dias, veio também a público a utilização de aviões «Tornado» do exército alemão para vigiar e prevenir eventuais acções violentas dos manifestantes que se concentraram nas imediações da estância balnear de Heiligendamm.
A revelação causou natural escândalo nos meios políticos e na sociedade, tanto mais que o uso durante uma manifestação civil destes aparelhos militares (os mesmo que operam no teatro de guerra do Afeganistão) é visto um acto de muito duvidosa constitucionalidade.
Segundo a imprensa alemã, os aviões efectuaram quatro operações durante os dias da cimeira, sobrevoando a 150 metros do solo para fotografar os locais onde havia acampamentos de manifestantes. O objectivo declarado foi o de averiguar se havia armas enterradas na zona.
O episódio fez estalar o verniz na «grande coligação» governativa, com os sociais-democratas a criticarem abertamente os seus parceiros cristãos-democratas, enjeitando assim responsabilidades no sucedido.
O social-democrata, Johannes Kahrs, chegou mesmo a acusar o ministro da Defesa, Franz Josef Jung, de ter rompido o acordo existente na coligação que interdita a utilização de aviões militares no território do país, excepto em caso de catástrofe.
Outro social-democrata, o deputado Niels Annen, condenou a acção, declarando que «os manifestantes não são talibãs». Para o dirigente da Esquerda.PDS, Gregor Gysi, nada pode justificar tal decisão: «Não estamos em guerra. Tratou-se apenas de uma manifestação». Por seu turno, o deputado verde, Hans-Christian Ströbele, anunciou que irá apresentar uma queixa no Tribunal Constitucional.
Agentes provocadores
Perante vários testemunhos indicando a presença de agentes da polícia que se infiltraram entre os manifestantes para incitar actos de violência, Hans-Christian Ströbele decidiu iniciar uma investigação parlamentar para apurar provas de tal comportamento.
No dia 6, o Spiegellgou um vídeo na sua página na Internet, no qual manifestantes entregavam à polícia um suposto agente provocador. O indivíduo estava vestido de negro, cor normalmente usada pelos activistas radicais do «Black Block» também chamados «autónomos», e foi acusado perante as câmaras de ter incitado os manifestantes a lançar pedras contra os polícias.
Outros casos de prováveis «infiltrados» foram relatados por manifestantes, a quem chamou a atenção o aspecto aprumado de alguns pretensos «autónomos», integralmente vestidos de negro mas com a roupa impecável e de marca conhecida. Alguns destes elementos foram vistos a atirar pedras contra os corpos de intervenção.
Inicialmente, a polícia desmentiu a existência de agentes infiltrados. Depois reconheceu a sua presença entre os manifestantes, negando no entanto que estes tivessem agido para provocar incidentes.
A procuradoria de Rostock está a investigar os factos, considerando que há indícios de vários crimes.
No G8 de Génova
Agente confirma carnificina
Em plena cimeira do G8 em Génova, em Julho de 2001, um destacamento policial irrompeu pela escola Diaz, atacando os activistas antiglobalização que ali pernoitavam.
Até ao momento, apenas a Amnistia Internacional base em testemunhas oculares, afirmava que a polícia feriu 93 pessoas nessa noite.
No passado dia 12, perante o Tribunal de Génova, um oficial da polícia admitiu os factos relatados pela acusação: «É verdade, vi polícias atacarem pessoas indefesas, parecia uma autêntica carnificina», afirmou Michelangelo Fournier, constituído arguido no processo juntamente com outros 27 agentes que participaram na operação.
Fournier comandava um dos grupos anti-motim que tomou as instalações. «Na obscuridade», relata, «vi quatro agentes, dois com uniforme e dois à civil, espancarem uma jovem à bastonada. Gritei-lhes que parassem, mas eles continuaram e tive de os empurrar. Insultaram-me. Fiquei petrificado quando vi a rapariga com a cabeça aberta num mar de sangue. Pensei que estava a morrer.»
Apesar de na altura ter sido identificado por testemunhas, este polícia recusou-se a contar o que viu. Segundo explicou ao Tribunal, o seu silêncio deveu-se ao «espírito de corpo»: «Pertenço a uma família de polícias (…) não queria causar problemas à administração».
Contudo, esta «noite dos bastões», como então foi baptizada pela imprensa, pesou-lhe na consciência: «Transportei-a como uma cruz durante seis anos».
Da repressão policial na cimeira do G8 resultou a morte do jovem Carlo Giuliani, cujo processo foi arquivado em 2003.
in Avante 2007.06.21
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