A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

segunda-feira, setembro 03, 2007

Reportagem: Ferrel - Eles é que foram os primeiros ecologistas

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* Isabel Ramos
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Na noite de 14 de Março de 1976 Joaquim Jorge foi ao baile. Não o movia porém a vontade de rodopiar com uma moça ao som do acordeão. Os bailes em Ferrel, concelho de Peniche, eram assim – aos domingos e animados por um acordeonista. Joaquim foi ao baile para, entre uma modinha e outra, anunciar ao microfone o protesto do dia seguinte. Na segunda-feira de manhã o povo ia ao sítio do Moinho Velho – lá, onde estava a construir-se uma central nuclear –, disposto a fazer parar os trabalhos. Custasse o que custasse.
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Crealmina da Silva Belo podia não fazer ideia do que era a fissão do núcleo atómico do urânio, mas sabia tocar a fogo o sino da Igreja de Nossa Senhora da Guia, branca com debruado azul. Era ela a guardiã da chave do templo de Ferrel e às 7h00 de segunda-feira a mãe de Joaquim não falhou. Tocou o sino. Tocou. Tocou. Tocou até desprender-se o badalo. “E depois continuou a bater com ele na parede do sino”, lembra o filho. Estava tudo combinado de véspera, pois isto de organização não é só com o Greenpeace.
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Era um toque a fogo, igual ao que mobilizara a população contra a GNR em 1960, quando os soldados entraram para levar preso o pai de um gaiato, que, sem idade para tais folias, entrara no baile. Não foi o motivo de pouquíssima monta que naquela altura indispôs os homens e mulheres de Ferrel. O que os fez sair de casa foi a defesa da letra da Lei – concretamente das letras que, mesmo não sabendo a maior parte ler e escrever, proibiam detenções depois do pôr-se o Sol. Foi o que valeu ao pai do jovem bailarino.
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Mesmo antes de Crealmina dar o sinal, Silvino João, de 28 anos, cinco deles passados em Angola, solteiro e bom rapaz, já estava no seu posto, perto da igreja. Silvino sabia de tudo mas assobiava para o ar, ou seja, fazia de conta que não era nada. “Tínhamos medo de ser identificados. Se o povo não viesse ficávamos em maus lençóis.”
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O povo veio empunhando pás, enxadas, forquilhas e o que pudesse servir para intimidar e não deixar pedra sobre pedra. Homens, mulheres e crianças fizeram-se ao caminho do Moinho Velho montados em tractores e burros. Os que estavam a trabalhar no campo largaram o que faziam e engrossaram o cortejo. Nessa manhã a camioneta da carreira que transportava trabalhadores para Peniche e Caldas não saiu.
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PACIÊNCIA TEM LIMITES
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O povo é sereno, mas a paciência tem limites. Em Ferrel durou até 15 de Março de 1976. Tudo começou muito antes. No final dos anos 60, o pai de Joaquim foi dos primeiros a ficar intrigado com as movimentações no Moinho Velho. “O meu pai era moleiro. Moía a farinha num terreno contíguo e como tinha vagar puxava conversa com os que lá andavam.”Respondiam-lhe que estudavam o terreno para ver se ali se podia produzir electricidade. “Nuclear” foi palavra que nunca pronunciaram.
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“Olha que aquilo é uma central nuclear.” Um colega de estudos, em Lisboa, de Joaquim abriu-lhe os olhos e ele começou a procurar informação sobre o assunto. Tanto aprendeu que, durante uma sessão de esclarecimento, fez o ministro da Energia e Indústria, Walter Rocha, saltar pela janela. “Não foi de propósito.” De facto, limitou-se a ler em voz alta o que o ministro dissera a um jornal acerca do extraordinário benefício que a central nuclear representava para Ferrel. Os ânimos aqueceram, brandiram-se punhos, voaram ameaças e, antes que fosse tarde, Walter Rocha pôs-se a salvo.
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Silvino João é actualmente o presidente da Junta de Freguesia de Ferrel e técnico de comunicações como então. Tem 59 anos. Joaquim Jorge é bancário reformado. Tem 67. Um e outro ainda reagem com incredulidade diante da desfaçatez – eles chamam-lhe ‘lata’ – dos “senhores da Junta de Energia que vieram aqui explicar-nos que o nuclear era a melhor coisa do Mundo, que devíamos dar-nos por muito satisfeitos porque a temperatura da água ia aumentar 12º graus e isso era muito bom para o turismo”. Saiu-lhes, aos “senhores”, o tiro pela culatra, pois, com tal argumento, despertaram a ira dos pescadores que já viam o peixe migrar para águas mais frescas.
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O que a gente de Ferrel sabia acerca da fissão do átomo era pouco mais além de que “servia para produzir electricidade e era perigoso” – admite Joaquim – mas isso não autorizava ninguém a atirar-lhe areia para os olhos.
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Hoje são os mails, os faxes, as queixas em Bruxelas. Nos idos de 70 eram os telegramas a pedir explicações e a tornar clara a recusa da central. Na semana anterior ao protesto popular, Silvino, Joaquim e outros tão empenhados como eles foram à Casa do Povo telegrafar para a Presidência do Conselho de Ministros e para o ministro da Energia. Nem resposta. Tem limites, a paciência e há quem se arrisque a pagar quando são ultrapassados.
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TEMERAM PELA VIDA
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Dois operários que trabalhavam num poço temeram pela vida quando os homens, mulheres e crianças de Ferrel chegaram ao Moinho Velho na manhã de 15 de Março de 1976. “Enterram-se já!” – gritavam uns cá em cima. “Não se enterram!” – batiam outros o pé.
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Silvino é um homem de sorriso fácil. Nem os anos que, já depois da Independência, passou em Angola a instalar centrais telefónicas quando as balas choviam, apagaram. Só quando pensa no que podia ter acontecido aos operários no fundo do poço recolhe o sorriso sob o bigode. “Eles não tinham culpa de nada mas podiam ter lá ficado.” Quem desapareceu imediatamente da vista dos revoltosos foi o encarregado da obra. Disse que ia chamar o engenheiro e nem um nem outro voltaram.
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Tudo o que podia ser quebrado não ficou de pé. Do saque que se seguiu é que nem Joaquim nem Silvino se orgulham. “No caminho de regresso cada um trazia alguma coisa – um pedaço de arame, um bocado de cimento, uma picareta...” O resto assumem-no. Instigaram a luta. Organizaram-na. Foram eco-activistas antes de se ter inventado a designação e muito antes de epítetos como eco-vândalos ou eco-terroristas saltarem para as páginas dos jornais.
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Silvino João nunca mais viu o holandês com boina à Che Guevera que trazia metros de fio detonador na mochila. Mas nunca mais o esqueceu. Era um dos jovens de cabelo comprido, que, em Agosto de 1977, acamparam no Moinho Velho, voltando a atenção do Mundo para a luta de uma aldeia portuguesa contra a central. O holandês dizia ter “material para rebentar aquilo tudo.” E tinha. Silvino bem viu o fio detonador dentro do saco do ‘eco-guerrilheiro’. Hoje, à distância, agradece a presença dissuasora da GNR no local. Lá, onde agora cresce repolho lombardo, alho francês, batata temporã e couve coração de boi. Os de Ferrel arrotearam o baldio, repartiram-no e cultivaram-no. Para que não houvesse mais ideias.
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‘FLOWER POWER’ POR UM MÊS EM FERREL
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A antena, que serve a rede de informação meteorológica, ainda lá está – no sítio do Moinho Velho, embora ligeiramente deslocada em relação à localização original. Em Agosto de 1977 acamparam ali jovens de vários países europeus. Quando a gente de Ferrel viu chegar aquela gente de cabelo comprido e aparência pouco cuidada desconfiou. Não queriam lá aqueles “hippies”.
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A inimizade terminou logo que os estrangeiros começaram a fazer despesas nas mercearias e outras lojas da terra. As crianças foram as primeiras a aproximar-se deles. Depressa, os “hippies” se tornaram muito melhores pessoas. Foram muito bem recebidos na festa anual de Ferrel, em Agosto.
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“Os dos países de Leste eram os únicos que ficavam no acampamento. Não tinham autorização dos chefes para sair”, conta Silvino João, actual presidente da Junta de Freguesia de Ferrel. Quando o acampamento terminou, alguns activistas prolongaram a estada por meia dúzia de dias. Dias de praia e já não de luta.
“ROSALINDA, SE TU FORES À PRAIA...”
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O cantor e compositor Fausto – na segunda foto à direita, de 1978, entre José Afonso e Sérgio Godinho – trauteava a sua ‘Rosalinda’ no largo de Ferrel quando, ali mesmo, alinhou nova estrofe: “Em Ferrel, lá p’ra Peniche/vão fazer uma central/que para alguns é nuclear/mas para muitos é mortal/os peixes hão-de vir à mão/um doente outro sem vida/não tem vida o pescador/morre o sável e o salmão/isto é civilização/assim falou um senhor/tem cuidado/Rosalinda se tu fores à praia...”
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Por causa destas palavras, Fausto é ainda recebido em Ferrel como “uma pessoa da terra”, garante Silvino João, que se lembra dele, no largo, com a viola. Na praia de Rosalinda, a GNR foi a força destacada para controlar os activistas de toda a Europa que ali montaram acampamento em 1977.
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GUERREIROS E PIRATAS
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Joaquim Jorge, bancário reformado, estudou as origens do povoamento e julga poder explicar porque se diz que a gente de Ferrel é de “ou-vai-ou-racha”. Foi um cruzado francês, chamado a auxiliar na Reconquista Cristã, que primeiro ocupou a região. Mais tarde deu à costa um barco que partira do porto galego de Ferrol. Diz-se que eram piratas. Diz-se que fizeram outros barcos naufragar passando com um cobertor diante de uma fogueira, como se fosse um farol.
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in Correio da Manhã 2007.09.02
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FERREL
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O Ferrel é uma freguesia portuguesa do concelho de Peniche, com 13,87 km² de área e 2 356 habitantes (2001). Densidade: 169,9 hab/km²..
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Situam-se aqui as praias do Baleal e Almagreira.
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No dia 15 de Março de 1976, o povo de Ferrel marchou sobre o local onde decorriam trabalhos preparatórios para a então projectada central nuclear. Essa impressionante manifestação de recusa, pacífica e determinada marcou o início da luta contra a opção pela energia nuclear em Portugal.
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in Wikipedia

1 comentário:

De Amor e de Terra disse...

Que coisas aprendo!
Obrigada Victor!!!


Bj

Maria Mamede