A Internacional

__ dementesim . . Do rio que tudo arrasta se diz que é violento Mas ninguém diz violentas as margens que o comprimem. . _____ . Quem luta pelo comunismo Deve saber lutar e não lutar, Dizer a verdade e não dizer a verdade, Prestar serviços e recusar serviços, Ter fé e não ter fé, Expor-se ao perigo e evitá-lo, Ser reconhecido e não ser reconhecido. Quem luta pelo comunismo . . Só tem uma verdade: A de lutar pelo comunismo. . . Bertold Brecht

terça-feira, setembro 25, 2007

Por um novo modelo de desenvolvimento económico – I



• Anselmo Dias

A necessidade de o nosso país enveredar por um outro modelo de desenvolvimento económico deverá constituir uma exigência do povo português e, sobretudo, dos trabalhadores por conta de outrem, a quem cabe a maior parte da produção criada em Portugal. Como abordar, então, esta questão?
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No plano da economia, tal questão, deverá implicar, entre outros temas, o estudo do produto interno, do valor acrescentado, das balanças comerciais e de pagamentos, dos défices, da divida externa, do mercado e da circulação de capitais e de toda uma panóplia de conceitos que ajudarão a uma melhor compreensão sobre a situação a que nos conduziu a reiterada política de direita. Em nossa opinião, nenhum desses conceitos deve ser menorizado porque cada um deles acrescenta conhecimento ao conhecimento que já temos.
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Há, para além desta perspectiva técnica, um outro ângulo de visão que, não sendo determinante para uma absoluta caracterização da realidade portuguesa não deixa, contudo, de constituir um elemento para a sua compreensão, tendo sempre presente que qualquer análise deverá ter como alicerce a nossa matriz ideológica.
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Esse ângulo de visão reporta-se aos salários dos trabalhadores e à sua conexão com as regiões e com os respectivos ramos de actividade. Uma análise aos salários praticados, desagregados ao máximo, constitui um óptimo lugar de observação quanto à natureza do actual modelo de desenvolvimento económico e ajuda-nos a perceber melhor os factores que contribuem para a divergência da coesão nacional e para as profundas assimetrias sectoriais e regionais, umas e outras em profunda dissonância com a letra e o espírito da nossa Constituição.
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Falemos, então, da melhoria das condições de vida dos trabalhadores. Para tal melhoria, como todos nós sabemos, concorrem vários factores um dos quais (não o único) está intimamente ligado à questão dos salários, os quais, desde logo, minimizados pela apropriação da mais-valia por parte dos capitalistas, acabam por ser fixados por um conjunto de múltiplos factores de que se destacam:
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 a natureza da profissão;
 o grau académico;
 a dimensão da empresa;
 a antiguidade do trabalhador na empresa;
 a localização da empresa;
 a questão salarial em função do sexo;
 a especificidade das convenções colectivas, quer quanto à grelha salarial, quer quanto à tipificação das funções;
 a correlação de forças no âmbito politico e a influência sindical;
 o modelo de desenvolvimento económico.
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Sobre cada um destes itens haveria muito a dizer. Mas, pela sua importância social e politica, destacamos as consequências que, para os salários, decorrem do actual modelo de desenvolvimento económico.
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Para tanto é necessário conhecer os salários praticados, desagregados por distritos, concelhos, sectores, profissões e por homens e mulheres.
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Vejamos, então, o que é que os dados disponíveis pelos Quadros de Pessoal nos dizem:
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Salários a nível distrital
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Portugal é um país profundamente assimétrico, não apenas quanto à distribuição da riqueza mas, também, no que concerne aos salários.
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Com efeito, a nível dos 18 distritos do país (os quadros de pessoal não referem as regiões autónomas), verifica-se que, na base dos dados disponíveis (Outubro de 2004), apenas Lisboa estava acima do valor médio, quer quanto ao ganho médio mensal, quer quanto à remuneração base.
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Naquele mês e ano os valores médios relativos aos trabalhadores por conta de outrem do sector privado da economia eram os seguintes:
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 remuneração base média: 741,41 euros;
 ganho médio (inclui trabalho extraordinário e subsídios diversos): 879,62 euros
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Em termos médios, por distrito e regiões autónomas, só o de Lisboa, insistimos, superava aqueles valores. Todos os restantes estavam abaixo. Esta realidade leva-nos a questionar:
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- Que país é este onde 95% dos distritos e regiões estão abrangidos por salários médios inferiores ao valor médio nacional?
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A seguir a Lisboa, no que concerne à remuneração base surge, em 2.º lugar, Setúbal (menos 3% da média nacional) e, em 3.º lugar, Porto (menos 7% da média nacional). Em termos salariais há dois casos singulares: o da Madeira e o do Algarve. Tratam-se de regiões cujo produto interno bruto (riqueza criada) per-capita supera a média nacional. Embora, à nossa escala, sejam, formalmente, regiões ricas a verdade dos factos é que, nestas duas regiões, os salários são baixos, com especial destaque para o distrito de Faro, cuja remuneração média mensal é inferior à média nacional em cerca de 12,5%. Estas duas situações desmentem totalmente a demagogia do governo e do patronato quando referem que só é possível distribuir aquilo que se produz. Se assim fosse os salários praticados na Madeira e no Algarve teriam, obviamente, de ser mais elevados.
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Acrescem a estes casos situações ainda mais gravosas, como sejam: as existentes em sete distritos do Norte, mais concretamente no Minho, Trás-os-Montes e Beira Interior.
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Nestes sete distritos, onde se praticam os salários mais baixos do país a diferença, relativamente à média nacional, vai de 21% no distrito de Viseu, aos 24% em Bragança.
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Mais uma vez tem todo o cabimento a pergunta atrás formulada:
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 Que país é este que permite, numa vasta região, diferenças significativas em termos salariais?
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Salários a nível concelhio
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É na desagregação dos salários a nível concelhio que melhor se conhecem as assimetrias salariais e melhor se visualiza o efeito nefasto de um modelo de desenvolvimento económico profundamente irracional na nossa lógica, mas naturalmente lógico na óptica dos defensores da economia de mercado. Com efeito, dos 308 concelhos, apenas 27 (cerca de 9%) beneficiavam de ganhos mensais superiores à média nacional. Esses concelhos eram os seguintes, de acordo com os dados disponíveis nos Anuários Estatísticos do INE:
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Distritos e Concelhos

Aveiro – Aveiro
Beja – Castro Verde
Castelo Branco – Vila Velha de Ródão
Coimbra – Figueira da Foz
Faro – Faro
Leiria – Marinha Grande
Lisboa – Oeiras, Lisboa, Amadora, Azambuja, Loures, V.F. Xira, Cascais e Sintra
Portalegre – Campo Maior
Porto – Porto, Matosinhos e Maia
Santarém – Entroncamento e Constância
Setúbal – Sines, Palmela, Setúbal, Barreiro e Alcochete
Açores – Vila do Porto
Madeira – Funchal
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Uma leitura atenta do quadro acima permite muitas perguntas e respostas. Assim:
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Porque é que nos 27 concelhos onde se verificam, em termos médios, os salários mais elevados estão, entre outros, os concelhos de Castro Verde, Vila Velha de Ródão, Marinha Grande, Azambuja, Entroncamento, Sines, Palmela, Barreiro, Figueira da Foz e Campo Maior?
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A resposta tem a ver, entre outros factores, com o facto de tais concelhos albergarem sectores industriais com alguma incorporação de ciência e tecnologia. Mas atenção: a afirmação atrás referida não é universal, nem se aplica a todos os casos. Há, entre nós, regiões eminentemente industriais onde os salários médios são extremamente baixos. Diríamos mesmo: escandalosamente baixos, como, a seguir, iremos demonstrar:
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E porque é que nessa listagem de 27 concelhos só aparece o concelho de Faro? E porque é que não aparecem os restantes 15 concelhos do Algarve? E quanto à Madeira, por que é que, dos seus 11 concelhos, apenas aparece Funchal? E porque é que tais concelhos, no ranking nacional, em termos salariais, estão em 26.º e 27.º lugares, respectivamente, atrás de concelhos como sejam, por exemplo, Barreiro, Marinha Grande, Sines e Castro Verde, só para citar alguns casos?
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A resposta é a seguinte: concelhos com predominância de hotelaria, restauração acompanhados do comércio a retalho e da construção civil são concelhos com salários médios relativamente baixos. A opção do governo ao potenciar o turismo como factor estratégico de desenvolvimento é um perfeito logro. Não duvidamos que o investimento no turismo não seja altamente rentável para os investidores mas, seguramente, não é para os trabalhadores, nem para o país. A recente divulgação de um investimento global em 10 unidades turísticas no Algarve, no valor de cerca de 1.500 milhões de euros, é, na perspectiva da modernização da nossa economia, um perfeito bluff. A transformação da bacia do Alqueva em zona de lazer, para onde, entre outras, uma empresa ligada a José Roquette pretende investir, no espaço temporal de 15 a 20 anos, qualquer coisa como 1.000 milhões de euros e criar o valor irrisório de, apenas, 2.000 postos de trabalho, em vez do desenvolvimento do regadio, apropriado, quer às nossas necessidades alimentares, quer a produtos de exportação, é um outro elevadíssimo preço que o povo português terá de pagar por uma errada (antiga e actual) opção de desenvolvimento económico. Com isto não queremos negar a importância do turismo na cadeia produtiva. A actividade turística traz vantagem ao país, enquanto for vantajosa a diferença entre as entradas e as saídas. Só que, em nossa opinião, essa importância é complementar e não estratégica. Mal de nós se o peso relativo do turismo subir à custa do abandono das terras, (o projecto de José Roquette desenvolve-se em 3 herdades com 2.074 hectares), do abate da frota pesqueira, da desindustrialização e da «residualização» dos serviços alicerçados em ciência e tecnologia.
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Resumindo: os 27 concelhos onde, em termos médios, existem valores salariais superiores à média nacional representam, apenas, 29% da população. Daqui decorre que há 281 concelhos (71% da população) onde os salários médios são muito baixos. Estamos a falar de uma região com cerca de 7.500.000 habitantes, valor que simboliza bem como, em nome da economia de mercado, se vota ao abandono a maioria da população.
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O concelho com o ganho médio mensal mais baixo (Anuário Estatístico do INE) é Resende, no distrito de Viseu, com um salário médio inferior a 39% da média nacional. No conjunto dos concelhos que, conjugadamente, têm mais de 50.000 habitantes e os mais baixos salários, Paços de Ferreira, ocupa, pela negativa, o 1º lugar. Ora, acontece que este concelho (conhecido por ser a Capital do Móvel, quando, em boa lógica, devia ser a capital dos mais baixos, dos baixos salários) tem uma elevada percentagem de mão-de-obra ligada à indústria, muito acima da média nacional. Com efeito, em Paços de Ferreira, de acordo com os Quadros de Pessoal, reportados a Outubro de 2004, cerca 67% dos trabalhadores por conta de outrem exerciam a sua actividade na indústria transformadora. Contudo, a esmagadora maioria dos trabalhadores está ligada à fabricação de móveis (cerca de metade de toda a industria transformadora do concelho) e também à industria de vestuário, cerca de 1/3 da referida industria, sectores que, na data atrás referida, tendo como referência todo o distrito do Porto ganhavam (com horas extraordinárias e subsídios incluídos) 533 e 560 euros respectivamente. Perante tal estrutura salarial não é de admirar que, talvez, este tivesse sido um dos critérios que levou a IKEA a assentar arraiais em Paços de Ferreira, sabido como se sabe, como as multinacionais são peritas em farejar as regiões onde se praticam baixos salários da mesma forma que os cães farejam a caça.
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Os concelhos de Póvoa de Lanhoso, Vizela, Cinfães, Paredes, Marco de Canaveses, Fafe, Vila Verde, Baião, Celorico de Basto, Arouca, Lousada e Felgueiras (só para citar os concelhos com mais de 20.000 habitantes) estão entre aqueles onde predominam os mais baixos salários (inferior a 30% da média nacional). Vejamos este último:
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Felgueiras, ainda mais que Paços de Ferreira, é um concelho eminentemente industrial, com uma percentagem 73% de mão-de-obra ligada à industria transformadora. Contudo, tal mão-de-obra está envolvida numa quase monoactividade ligada à indústria do calçado que, por si só, representa cerca de 81% de toda a industria transformadora do concelho. Esta monoactividade paga-se cara quando a mesma é retribuída com baixos salários, cerca de 535 euros, valor que, por envolver muitos trabalhadores em Felgueiras, contribui para que o mesmo tenha, em termos de média salarial, um dos valores mais baixos do país, não obstante estarmos a falar de um concelho com mais de 57.000 habitantes
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Concluindo: nas regiões eminentemente turísticas abundam os baixos salários com a agravante de serem, estatisticamente, regiões ricas, tendo em conta o PIB per-capita. Nas regiões eminentemente industrias mas ligadas, sobretudo, ao têxtil, ao vestuário, ao calçado e ao mobiliário abundam, igualmente, os baixos salários. Quando todas estas situações se verificam e se acresce o comércio a retalho e a construção civil a dimensão dos baixos salários alarga-se exponencialmente. Não é, pois, por mero acaso que 2/3 dos concelhos com os mais baixos salários (inferiores a 30% da média nacional) estejam localizados no Minho, Trás-os-Montes e Beira Interior.
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A (i)racionalidade económica
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O País foi, pois, sobretudo na zona norte, empanturrado com tais indústrias onde o acto industrial é o menos valorizado se confrontado com o que lhe acontece a montante e a jusante. A montante, ganha o design, a jusante ganha a etiqueta. Como o país, pelas políticas erradas, foi levado a não dispor, nem de uma coisa nem da outra, resta-nos, ou autónoma, ou pela via da sub-contratação, produzir têxteis, vestuário, calçado e mobiliário, retribuindo, a esses trabalhadores salários de miséria, sem esquecer o que se passa no comércio a retalho, na construção civil e na hotelaria e restauração.
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Importa, para que não restem dúvidas, salientar que todas as indústrias atrás referidas são importantes. A sociedade contemporânea não pode viver sem indústrias, incluindo as que, de momento, creditam à produção pouco ou reduzido valor acrescentado. Mas quanto a tais industrias e serviços há um limite e esse limite devia ter uma fronteira: a racionalidade económica ao serviço do povo. O país não pode estar a desviar os seus recursos humanos para a produção maciça de artigos baratos (um par de sapatos exportados não chega a custar ao importador estrangeiro 19 euros), sendo, em contrapartida, obrigado a importar objectos, que não produzimos, a preços muito mais elevados, penalizando, assim, a nossa relação de trocas, subvertendo os princípios elementares da racionalidade económica.
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A racionalidade económica, importa recordar, para que ninguém se esqueça, foi uma exigência do povo português que fez inscrever na Constituição a existência de um Plano em ordem a «garantir o desenvolvimento harmonioso dos sectores e regiões, a eficiente utilização das forças produtivas, a justa repartição individual e regional do produto nacional, a coordenação da politica económica com a política social, educacional e cultural, a preservação do equilíbrio ecológico, a defesa do ambiente e a qualidade de vida do povo português». Estamos a citar o artigo 91.º da Constituição da República Portuguesa, na sua versão de 1976. A actual versão Constitucional riscou a formulação quanto á importância da existência do Plano como veículo para a construção de uma sociedade socialista indo ao ponto, inclusive, de riscar a necessidade de uma «eficiente utilização das forças produtivas», ou seja: o PS, e o PSD transformaram a racionalidade em irracionalidade em nome do sacrossanto princípio da «economia de mercado». Não obstante tal recuo a batalha pela racionalidade económica deve continuar na ordem do dia, pelo que, entre muitos outros exemplos:
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A racionalidade económica devia obrigar o Governo a estudar o nosso comércio internacional, averiguando aquilo que compramos e aquilo que vendemos e, desse confronto, investir naquilo que podíamos produzir, evitando importações inúteis e potenciando o acesso ao mercado de trabalho dos desempregados;
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A racionalidade económica devia obrigar o governo a tomar medidas na utilização criteriosa dos investimentos evitando, por exemplo, que os meios disponíveis sejam esbanjados numa rede de auto-estradas que nos coloca, em termos de dimensão do país, acima da média europeia, designadamente da Irlanda, Grécia, Espanha, França, Áustria, Finlândia, Suécia e Reino Unido, isto só para falar da União Europeia (a 15), ficando a ideia que tal rede de auto-estradas teve mais a ver com a facilidade, fomentada por Cavaco Silva e António Guterres e seus seguidores, quanto à importação de mercadorias do que com à exportação dos nossos produtos;
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A racionalidade económica devia obrigar o governo a evitar o esbanjamento de recursos,
por exemplo, na construção de casas desabitadas (entre 400.000 e 500.000), ao mesmo tempo que o actual parque habitacional vai caindo aos bocados por falta de manutenção. Tudo isto porque o capital ganha mais, construindo de raiz, mesmo que isso seja excessivo face à procura, do que reparar aquilo que já está construído, sem esquecer o histórico esbanjamento de dinheiro que foi a construção e adaptação, de uma só assentada, de 10 estádios de futebol, isto num país com uma estrutura deficitária de creches e de jardins de infância;
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A racionalidade económica devia obrigar o governo a pôr cobro a esse crime lesa-pátria que consistiu na transformação, no curto espaço de 15 anos, de terrenos agrícolas em áreas de construção privada pela qual os usurários e os especuladores tiveram, segundo a Ordem dos Arquitectos, uma valorização de 110 mil milhões de euros, durante o período atrás referido;
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A racionalidade económica devia obrigar o governo a estar atento à formação dos preços levados a cabo pelos bancos, seguradoras, EDP, Galp, PT, grandes superfícies comerciais e em outras importantes empresas de outros importantes sectores económicos, designadamente na fileira agrícola, no comércio do pescado e no sector agro-alimentar, por forma a que o retorno do capital investido não tenha, como tem, a expressão da ganância e da especulação.
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A racionalidade económica impõe, sobretudo, a obrigação do governo a cumprir a Constituição porque, não obstante ter sido sucessivamente mutilada, ela ainda contém um conjunto normativo extremamente importante quanto àquilo que devia ser, de acordo com a alínea a) do Artigo 81.º, a promoção do «aumento do bem-estar social e económico e da qualidade de vida das pessoas, em especial das mais desfavorecidas, no quadro de uma estratégia de desenvolvimento sustentável».
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in Avante 2008.07.30

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