* Jorge Messias
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Há-de chegar o dia em que os bispos portugueses terão de falar sem ambiguidades sobre o país real onde vivemos e sobre a Igreja. Os silêncios não são eternos e os bispos retomarão a fala. Num sentido ou noutro, qualquer que ele seja, a seu tempo falarão. E vamos ver o que então dizem acerca da exploração capitalista do homem, da organização dos meios de produção, da distribuição da riqueza, das responsabilidades do Estado, das cumplicidades da igreja, da religiosidade dos banqueiros e da cupidez do clero, dos escândalos, dos negócios, da corrupção. O país caminha a passos largos para uma ditadura do obscurantismo e do dinheiro. Nesse dia memorável, quando os silêncios forem abandonados, o povo português terá uma imagem mais justa da igreja real.
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Até lá, continuemos nós a falar.
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Com uma única excepção – a Carta Aberta dos «Cristãos sem Igreja» – tudo o que tem actualmente uma referência religiosa provém dos meios políticos, financeiros e comerciais, por entre um estendal imenso de demagogias, escândalos, duplicidades e corrupção. Mas a carta aberta dos teólogos espanhóis e latino-americanos do Terceiro Mundo é também vaga e confusa e faz recordar as utopias da Teologia da Libertação ao tentar reformar o Vaticano. Reformar o Vaticano é intenção ingénua que não tem pés nem cabeça. Seria como reformar o Opus Dei, a Igreja Catecumenal ou a mente do senhor George Bush. São instituições irreformáveis. E acenar com o abandono da Igreja para retornar à pureza do Cristianismo primitivo é coisa que já não convence ninguém. Seguramente que Ratzinger leu as propostas dos Cristãos sem Igreja, registou os nomes dos proponentes e atirou a carta para o caixote do lixo.
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No entanto, fica no ar a ideia de que entre os católicos nem tudo está perdido.
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«Levante-se o réu!»
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Pode dizer-se que o resto do noticiário sobre a igreja é rotineiro. Na Santa Sé só se fala em dinheiro. Este papa é extraordinário porque inventou a forma dos contribuintes católicos aumentarem os rendimentos da igreja. Só em 2006, o Vaticano recolheu mais 75 milhões de euros que em 2005. Isto, na coluna do «Haver». Na outra coluna, a do «Dever», lamenta-se a perda de 660 milhões de dólares pagos pela diocese de Boston às famílias de 500 crianças abusadas pelos padres norte-americanos. Foi caro mas calaram-se as más-línguas. Pague-se e passe-se adiante.
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Por cá, pela calada, os bispos continuam a controlar a situação. Tanto mais que Sócrates revela possuir uma alma sensível em relação à Igreja. Repôs a Concordata de 1940, deu milhões às IPSS e, agora, imaginou a forma capitalista de hipotecar à Banca o futuro dos estudantes universitários e das suas famílias. Abrem-se linhas de crédito com o aval do Estado. O estudante, enquanto faz o seu curso, acumula dívidas. Quando alcança a licenciatura (se a alcançar ...), encontra-se atrelado ao carro do sistema e à Banca, à qual deve o que não pode pagar. Para mais, tem um ano para encontrar emprego. Sozinho, visto que o Estado não se compromete a empregá-lo. Generoso, «mãos rotas», Sócrates decretou que os novos financiamentos não se limitarão às escolas públicas. Abrangerão, também, as instituições do ensino privado o qual, como se sabe, é quase todo da igreja católica. Espera-se, agora, uma fuga maciça dos alunos do público para o privado, onde tudo é mais fácil. E de Portugal para Espanha, como já se verifica em Navarra e em Santiago de Compostela. «A Deus o que é de Deus e a César o que é de César».
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O silêncio dos bispos tem um sentido lógico. É o preço considerado necessário à consolidação da teia de nervuras que liga o capital, o movimento católico, a sociedade civil ibérica e o grande e invisível poder mundial da globalização. O negócio compensa bem o sacrifício de uma ideologia teológica que, na prática, já nem sequer existe. Vale pois a pena, é compensador, fechar os olhos ao rápido esvaziamento dos vestígios de democracia e de justiça que sobrevivam na sociedade. Sem que a igreja se envolva claramente, é evidente. Segundo o sábio princípio jesuítico, «não saiba a tua mão esquerda o que faz a tua mão direita».
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Mas virá o dia em que toda esta construção artificial desabará, arrastando os seus construtores. Sócrates joga com as palavras. A hierarquia católica manipula os silêncios. Parte do povo lamenta-se mas por aí se fica. A tenebrosa montanha dos pactos de sangue não deixa de crescer.
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No fundo, a intriga política e o silêncio canónico revelam-nos angústias e fragilidades. Mais dia, menos dia, a verdade há-de revelar-se. Quando o povo a souber exigir. Quando estiver farto de tudo isto e grite bem alto, aos ouvidos de bispos e banqueiros: «Queremos a verdade. Levante-se o réu!».
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in Avante 2007.09.06
1 comentário:
Também espero esse dia, ansiosamente e talvez parta sem a sua alvorada!...
Maria Mamede
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